05 Janeiro 2021
No Vaticano, após um ano de 2020 transtornado, como em todo o mundo, pela epidemia global da Covid-19, 2021 promete ser marcante, com uma viagem histórica ao Iraque e uma aceleração das reformas.
A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 30-12-2020. A tradução é de André Langer.
Forçado pela crise da Covid-19, o papa passou boa parte de 2020 “prisioneiro do Vaticano”, tendo as viagens sido canceladas. No entanto, Francisco não ficou de braços cruzados, longe disso. Aproveitou este tempo para se voltar para os assuntos internos – a reforma das finanças conheceu várias etapas decisivas –, para estimular um movimento de solidariedade para ajudar o mundo a enfrentar com mais força as consequências da pandemia com mais humanidade – projeto ao qual o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, que trabalha em conjunto com as Igrejas locais, se empenhou de maneira especial –, para fazer ouvir uma voz profética – recordemos as emocionantes celebrações da Semana Santa – e… para escrever. Além de várias entrevistas, Francisco publicou a encíclica Fratelli Tutti, a exortação apostólica Querida Amazônia, na esteira do Sínodo sobre a Amazônia, e também o livro Un temps pour changer (Flammarion, 2020) (Um tempo para mudar). Embora neste momento 2021 esteja apenas surgindo na névoa, vários eventos já estão no calendário.
O mais marcante desses eventos é, sem dúvida, a viagem histórica ao Iraque, a primeira visita de um papa a este país. Em março, Francisco deve visitar a capital iraquiana, Bagdá, a planície de Ur, terra de Abraão, figura comum às três religiões monoteístas, a cidade de Erbil, assim como Mosul e Qaraqosh na planície de Nínive. Esta última foi ocupada por terroristas do autoproclamado grupo Estado Islâmico de 2014 a 2017. Esta tão esperada visita acontece em um momento em que o país e a região passam por um período de grandes incertezas, marcado pelo medo dos conflitos e pela pandemia. Ela se inscreve na continuidade da encíclica Fratelli Tutti – que, por sua vez, se seguiu à Declaração sobre a Fraternidade Humana assinada com o reitor da Universidade de Al-Azhar. No país, a mensagem de esperança e de paz de Francisco é aguardada com ansiedade. Como declarou o cardeal Louis Raphaël Sako, Patriarca dos Caldeus à La Vie: “Ele virá falar de paz e de fraternidade precisamente onde o extremismo religioso destruiu, matou e expulsou as pessoas por causa de sua religião. Acredito que nosso país precisa de um despertar espiritual e moral para combater ao mesmo tempo o terrorismo e a tentação do relativismo. Ele pode nos ajudar”.
Além do Iraque, o papa poderá muito bem visitar Malta e o Sudão. Se nenhum anúncio oficial foi feito nesse sentido, existem vários elementos que permitem pensar assim. No final de 2019, Francisco disse que queria ir ao Sudão do Sul com o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, poucos meses depois de ter organizado um retiro espiritual no Vaticano com os principais líderes políticos do país. Na época, a viagem estava condicionada à evolução do processo de paz em um Sudão dilacerado por uma guerra civil que já dura vários anos. Embora um acordo de paz tenha sido assinado e um governo de transição formado, a situação permanece frágil: a economia está paralisada e a fome ameaça. Na véspera do Natal, Francisco e Justin Welby, juntamente com o moderador da Igreja da Escócia, Martin Fair, escreveram aos líderes do Sudão do Sul para confirmar sua intenção de visitar o país.
Quanto a Malta, uma data específica tinha sido fixada – 31 de maio [de 2020], dia de Pentecostes – antes de ser adiada pela epidemia. É mais do que provável, portanto, que a viagem se realize em 2021. Notemos de passagem que, deste “país mais católico da Europa”, saíram dois pesos-pesados da cúria, conselheiros próximos de Francisco: Charles Scicluna, arcebispo de Malta e secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, que é um dos pilares da reforma sobre a prevenção dos abusos sexuais, e o cardeal Mario Grech, ex-bispo de Gozo e novo secretário do Sínodo dos Bispos, encarregado da preparação do Sínodo sobre a Sinodalidade inscrito no calendário de... 2022, já qualificado como estrela em ascensão.
O papa está particularmente ligado à figura do pai adotivo de Jesus, de quem tem uma estatueta sobre a escrivaninha – um “José adormecido” – debaixo da qual desliza papéis nos quais escreve seus problemas. Por ocasião dos 150 anos da sua proclamação como Padroeiro da Igreja universal por Pio IX, Francisco decretou um ano especial em sua homenagem, de 8 de dezembro de 2020 a 8 de dezembro de 2021. Com esta iniciativa, pretende colocar os holofotes no “homem da presença cotidiana, discreta e escondida, um intercessor, um amparo e um guia nos momentos de dificuldade”. E mostrar como exemplo todas as “pessoas comuns, muitas vezes esquecidas, que não são manchetes em jornais e revistas nem aparecem nos grandes desfiles do último show, mas que, sem dúvida nenhuma, estão escrevendo hoje os acontecimentos decisivos da nossa história”.
2021 também será – e está vinculado! – o “Ano da Família”. Cinco anos depois do tão marcado Sínodo dos Bispos, Francisco passa a batuta às Igrejas locais, onde a sua exortação foi recebida de várias maneiras. A ideia geral é preparar melhor os noivos antes do casamento e ajudar os casais e famílias em dificuldade, mas também fortalecer o convívio entre leigos e sacerdotes, para que se sustentem mutuamente. Em particular, inserir mais os casais nas estruturas da vida diocesana e na formação dos seminaristas, sacerdotes e agentes de pastoral.
Racionalizar e centralizar: estas são as palavras de ordem do papa que pretende consolidar as finanças e acabar com as más práticas. No nível financeiro, as reformas continuaram a todo vapor neste ano de 2020. Além de uma lei sobre o sistema judicial do Vaticano, as normas de transparência, controle e concorrência de contratos públicos e um protocolo de combate à corrupção, a gestão dos fundos e dos bens imóveis da Secretaria de Estado – abalada por vários escândalos este ano –, incluindo o Óbulo de São Pedro, foi transferida para a APSA. A Administração do Patrimônio da Sé Apostólica é presidida por Nunzio Galantino, um bispo italiano de grande inteligência, um dos homens de confiança do papa em questões financeiras, com o jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero, prefeito da poderosa Secretaria para a Economia. Esta mudança de gestão, instituída pelo Motu proprio “Sobre algumas competências em matéria econômica e financeira”, que entrará em vigor no dia 01 de janeiro de 2021, é uma pequena revolução no menor Estado do mundo.
Na esteira dessas medidas, para o novo ano, não parece delirante esperar que a nova constituição – que está sendo aguardada há vários meses – ratifique a reforma da cúria. O dicastério para a evangelização dos povos, Propaganda Fide, presidido pelo poderoso cardeal filipino Luis Antonio Tagle, 63 anos, deve ter seu peso aumentado. Nos corredores do Vaticano, a janela de transferências vai bem e muitos apontam que vários chefes de dicastério já ultrapassaram o limite de idade, 75 anos – aos 75 anos, devem apresentar a renúncia, que é aceita, ou não, pelo papa.
Entre os principais concernidos, muitos pesos-pesados como os cardeais Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino, 75 anos, Luis Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, 76 anos, Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, 77 anos, Giuseppe Bertello, presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, 78 anos, Beniamino Stella, presidente da Congregação para o Clero, 79 anos, ou Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, 76 anos. Este último apresentou sua renúncia em 2019, mas o papa queria que ele permanecesse no cargo. 2021 poderá, portanto, fazer emergir uma nova geração e dar lugar a uma cúria não apenas reformada, mas também renovada.
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2021: um ano agitado para o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU