05 Janeiro 2021
"Toneladas de banalidades retóricas sobre o 'mundo que nunca mais será o mesmo depois da pandemia' colidem com a realidade: o mundo após a saída do Covid tem muitas semelhanças com o de 2019, acelera aquela tendência para a centralidade da Ásia que já está em curso há 30 anos", escreve Federico Rampini, jornalista italiano, em artigo publicado por Repubblica, 28-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quem não faz previsões profissionais tem um consolo: a credibilidade dos "especialistas" continua a despencar. Lembro-me de algumas "previsões" compartilhadas por 99% dos economistas abalizados. Que as taxações de Donald Trump sobre o Made in China teriam sido pagas pelo consumidor dos EUA era um dogma de fé: em vez disso, em três abundantes anos de aplicação dessas taxas, nunca houve o menor vestígio daquele suposto choque inflacionário nos dados sobre o índice dos preços estadunidenses. Que o Brexit teria esvaziado Londres de bancos e sedes multinacionais era outro dogma de fé. Quatro anos inteiros de preparativos para o divórcio não concretizaram a profecia e agora está claro que a grande fuga não acontecerá. É, portanto, com o coração leve que podemos nos aventurar nos cenários, sabendo que os profissionais desse exercício estão devidamente desacreditados pelo resto da vida. Para não os seguir no mesmo infausto destino, é melhor mudar de abordagem, radicalmente. Por exemplo, tentar meditar sobre as lições de 2020 que poderiam ser úteis para não interpretar mal as oportunidades e armadilhas do ano que se inicia.
Será bom começar com uma vacina anti-provincialismo. Tivemos uma indigestão de análises sobre a “crise mundial”, enquanto a verdadeira depressão de 2020 foi “ocidental”. Confundir uma parte com o todo, extrapolar para todo o planeta uma análise que vale apenas para os EUA e a Europa, é um defeito intolerável, um erro que não podemos mais nos permitir. A Ásia que conta, ou seja, o Extremo Oriente e o Sudeste Asiático, viveu uma recessão moderada e de curta duração, seguida de uma recuperação no segundo semestre. A China tem alavancado o crescimento naquela parte do mundo. O choque da pandemia teve um efeito tão limitado que, no final de 2021, o ponto de chegada da economia chinesa será, aproximadamente, o mesmo que poderia ser traçado dois anos atrás, antes do Covid. Talvez o resultado tenha sido até melhor, se for verdade que a China caminha para uma recuperação das taxas de crescimento do PIB da última década, ou seja, da ordem de + 8% ao ano.
Algumas lições a serem aprendidas. Não existe uma verdadeira mudança de paradigma, o crescimento chinês continua dependente do motor das exportações e, efetivamente, o excelente desempenho do segundo semestre de 2020 coincidiu com um aumento das cotas do mercado mundial do made in China. Xi Jinping tem em mente um modelo de desenvolvimento menos dependente do exterior, mas é um projeto de médio a longo prazo. Toneladas de banalidades retóricas sobre o "mundo que nunca mais será o mesmo depois da pandemia" colidem com a realidade: o mundo após a saída do Covid tem muitas semelhanças com o de 2019, acelera aquela tendência para a centralidade da Ásia que já está em curso há 30 anos.
A mistura entre alarme pela segurança sanitária e autarquia tipo guerra fria está levando muitas empresas a revisar a cadeia produtiva e logística, aliviando o peso da China. Mas mesmo aqui estamos na ordem dos processos lentos e, de qualquer forma, no topo da lista de beneficiários ainda estão os países asiáticos como Taiwan e Cingapura (gama alta), Vietnã e Bangladesh (produção em massa e alta intensidade de trabalho).
A qualidade da recuperação ocidental em 2021 estará ligada a duas ou três lições que vêm do Oriente. Primeira lição: o que os modelos mais eficazes para conter a pandemia têm em comum, ou seja, China, Japão, Coreia, Taiwan e Cingapura? Dada a extrema diversidade dos sistemas políticos, além da cultura confucionista, deve ser ressaltada a qualidade da administração pública. Uma "boa burocracia" fez a diferença especialmente para japoneses e sul-coreanos, taiwaneses e cingapurianos, que conseguiram evitar os lockdowns. Mas inclusive na China, a qualidade do estado é superior ao que se acredita no exterior. Segunda lição: se a Europa quer entender como se destrincar na segunda Guerra Fria (já que Biden vai mudar as táticas e adaptará as estratégias, mas nunca mais será um "pombo" com Xi Jinping), precisa estudar o Sudeste Asiático, a Coreia do Sul e o Japão. É desde 1972, ano do degelo entre Nixon e Mao Zedong, que naquela parte do mundo os países menores da China tiveram que desenvolver um know-how para a sobrevivência entre os dois blocos sujeitos a perigosas assentamentos sísmicos. A primeira Guerra Fria tem pouco a nos ensinar, portanto os europeus precisam estudar o "manual do usuário" que foi escrito em Tóquio, Seul, Cingapura, Taipei e Hanoi.
A terceira lição vem de um modelo negativo, a Índia. Ela poderia emergir como a grande vencedora desta fase. Por suas dimensões e determinados recursos de sua mão de obra, a Índia poderia se tornar a verdadeira alternativa à China, captando investimentos de multinacionais em recuo estratégico. Houve alguns investimentos adicionais, mas a maioria são de instituições ocidentais que compram participações minoritárias em mega-holdings indianas, como as gigantes Reliance e Adani. O significado é o seguinte: os estrangeiros pensam que a Índia continuará a ter um habitat hostil às empresas, uma burocracia pérfida, e apenas os grandes atores locais saberão como se movimentar entre os milhares de obstáculos. Lição para a Itália: a reforma da administração pública não é um dos canteiros de obras, é o indispensável canteiro de obras.
No Ocidente temos triunfos para nos orgulhar, infelizmente eles estão concentrados na Costa Oeste dos Estados Unidos: a Big Tech consolidou sua supremacia. A recuperação será conduzida por aqueles que entendem as lições da turbo-transição para o digital. O que aprendemos com o lockdown? Levantar a bandeira branca para a Amazon? Espera-se que existem outras oportunidades além da rendição incondicional. Menciono traumas da vida cotidiana. Cada um de nós colecionou exemplos de disfunções, desserviços e ineficiências na vida digital. O ensino on-line tem causado uma queda na qualidade da educação para centenas de milhões de jovens. A tele-medicina muitas vezes foi uma decepção. A transição para o digital nos serviços bancários criou enormes transtornos para alguns segmentos da população, como os idosos. E, mais uma vez, a administração pública esteve entre os maus alunos da transição. A lista pode ser ampliada e é também uma lista de oportunidades: para cada ponto que não funciona há uma solução a inventar, trabalho e riqueza a criar, buscando a solução. A qualidade e o vigor da retomada também dependerão de uma miríade de esforços coletivos.
Infelizmente para os europeus, os EUA, além dos gigantes Amazon & Cia., há décadas também alimentaram o habitat favorável às start-ups e microempresas inovadoras que se inserem nos interstícios e inventam soluções para os problemas. Também por isso a recuperação dos EUA será mais vigorosa. Não é de todo certo, porém, que essa retomada tenha um impulso decisivo a partir da mudança da presidência. Os estadunidenses experimentaram uma amostra de 2021 com a manobra de fim de ano, aprovada no último minuto pelo Congresso com um acordo bipartidário. Um alívio para as famílias, os desempregados, as pequenas empresas, mas uma manobra reduzida a menos da metade em relação aos desejos de Biden. Os EUA terão uma política orçamentária menos expansiva do que gostaria o novo presidente, condicionada pelo Senado republicano. Terão que contar com os "espíritos animais" de seu capitalismo.
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As lições que o ano da pandemia deixa em herança ao mundo de 2021 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU