21 Dezembro 2020
Baseando-se em boatos, certos prelados na Espanha, Polônia e EUA expandiram dúvidas sobre as pesquisas científicas, no momento em que Francisco planeja imunizar moradores e trabalhadores do Vaticano.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 19-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O papa Francisco se vacinará em janeiro. E será com a vacina comercializada pela Pfizer, segundo revelou esta semana a Santa Sé. O Vaticano colocará em marcha um plano de vacinação contra o coronavírus durante o primeiro trimestre de 2021, que permitirá que os 800 residentes e os cerca de 3 mil trabalhadores do pequeno Estado pontifício fiquem imunizados, e que Bergoglio possa viajar, sem maiores problemas, ao Iraque em março.
Uma decisão, anunciada pelo responsável da Direção de Saúde e Higiene do Vaticano, Andrea Arcangeli, que apostou pela “imunização total da população” como arma para “controlar a pandemia”.
A vacina não será obrigatória, mas será oferecida “a todos os residentes, empregados e suas famílias a oportunidade de se vacinarem contra essa temida doença”, confirmou o especialista.
Mais além da anedota, o fato de que Bergoglio vacine-se contra o coronavírus joga por terra os movimentos de alguns setores extremistas da direita católica, vinculados aos grupos negacionistas, que estão argumentando que em algumas das vacinas, especialmente a da AstraZeneca (mas também as da Pfizer e Moderna), estariam utilizando células de fetos abortados, o que faria do seu uso “moralmente inaceitável”.
Trata-se de um boato, como, quase de imediato, demonstraram os laboratórios jogando por terra qualquer problema ético. No entanto, alguns episcopados, como o polonês ou boa parte do estadunidense, mostraram suas objeções ao uso da vacina contra o coronavírus.
Na Espanha, o cardeal de Valencia, Antonio Cañizares, fez suas estas teses, dizendo, em junho, que ao menos “uma das vacinas era fabricada com células de fetos abortados”, o que classificou como “obra do diabo”.
“Isso é desprezar o próprio homem, primeiro se mata com o aborto e depois se manipula”, expressava em uma homilia. Poucas horas depois, a diocese emitia um comunicado no qual matizava que Cañizares havia se referido a “informações internacionais” publicadas, como num artigo da revista Science sobre o desenho de uma possível vacina contra uma doença que já matou quase um milhão e meio de pessoas “foi utilizado células humanas de abortos”.
“Rezo para que se encontre logo uma vacina contra a covid-19 e espero que avancem as linhas de pesquisas que não abram um dilema ético”, culminava o prelado.
O certo é que o Vaticano não vê nenhum problema na vacinação, que considera quase um “dever moral” para evitar novos contágios, inclusive se puder ter uma origem – mais ou menos difusa – em derivados de algum aborto.
Em 2005, a Pontifícia Academia da Vida emitiu uma declaração na qual estabelecia “a legalidade de utilizar” estes preparados se não há uma alternativa, “na medida necessária para evitar um risco grave” para o conjunto da população, ainda que se mantenha seus reparos aos “problemas morais” que supõem sua produção.
Em março de 2019, um ano antes da explosão da pandemia, o organismo vaticano apontava que os católicos podem ter “a consciência tranquila” porque “o uso de tais vacinas não significa nenhum tipo de cooperação com o aborto voluntário”.
Assim entende o cardeal mexicano, Felipe Arizmendi, que disse preferir aquelas que não tenham essa origem, mas assegurou que “vacinar-se não é cooperar com o mal, com o aborto, mas sim cuidar da vida, que é um bem primordial. É como uma legítima defesa contra um vírus agressor”. “Eu serei dos que aceitam ser vacinados por uma destas vacinas, enquanto não houver outras disponíveis”, destacou o purpurado.
Na segunda-feira começou a distribuição das vacinas contra o coronavírus nos EUA, as produzidas por Pfizer, Moderna e AstraZeneca, que foram recebidas com cautela por alguns setores católicos. Apesar disso, os presidentes dos Comitês de Doutrina e Pro Vida da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA emitiram uma declaração conjunta na qual sustentam que se vacinar “é uma responsabilidade moral”. De fato, o arcebispo de Miami, Thomas Wenski, foi o primeiro bispo do mundo a se vacinar (com a da Pfizer).
“Receber uma das vacinas da covid-19 deve ser entendido como um ato de caridade para com os demais membros de nossa comunidade. Desta maneira, ser vacinado de forma segura contra a covid-19 deve ser considero um ato de amor ao próximo e parte de nossa responsabilidade moral pelo bem comum”, escrevem os bispos Kevin C. Rhoades e Joseph F. Naumann, que não evitam as “preocupações morais” das mesmas, especialmente no caso da AstraZeneca.
Assim, os bispos consideram as vacinas da Pfizer e Moderna “suficientemente sérias como para justificar seu uso”, apesar de “sua conexão remota com as linhas celular moralmente comprometidas”, e em vista “da gravidade da pandemia atual e da falta de disponibilidade de vacinas alternativas”.
Quanto à AstraZeneca, a “moralmente mais comprometida”, os prelados recomendam que “seja evitada” se houver alternativas possíveis. “Pode acontecer, porém, que não se tenha realmente uma opção de vacina, pelo menos não sem um longo atraso na vacinação que pode ter consequências graves para a saúde de alguém e de outras pessoas (...). Nesse caso... seria permitido aceitar a vacina da AstraZeneca”.
Em qualquer caso, a Igreja Católica exorta os católicos do país a “estarem atentos para que as novas vacinas da covid-19 não nos dessensibilizem ou enfraqueçam a nossa determinação de nos opor ao mal do próprio aborto e ao subsequente uso de células fetais na pesquisa”.
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O papa Francisco se vacinará – enquanto alguns bispos brindam com os extremistas que inventam boatos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU