25 Novembro 2020
“O mundo não será igual, mas a exploração digital ou presencial se parecerá muito com a do presente”, escreve Eduardo Camín, jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por CLAE, 19-11-2020. A tradução é do Cepat.
Novas forças estão transformando o mundo do trabalho. A pandemia de Covid-19 tem consequências sociais e políticas: instalou-se uma ‘virtualização da vida humana’ e do controle social. O mundo, tal como o conhecíamos, parou abruptamente em inícios de 2020 e os governos, informados pela ciência, tiveram que aplicar medidas drásticas para salvar vidas.
É certo que a vida continua, mas, sem dúvida, adotamos a forma de trabalho mais incomum desta geração. O desafio para os responsáveis políticos é como continuar protegendo a vida e a saúde das pessoas sem, ao mesmo tempo, causar um dano irreversível à economia.
Neste sentido, as medidas que garantem o distanciamento físico – o fechamento de escolas, a suspensão de voos, a proibição de grandes reuniões e o fechamento de locais de trabalho – foram no início da luta contra o vírus uma ferramenta para frear sua propagação. Enquanto isso, o trabalho irrompeu em um novo auge do teletrabalho.
Antes da pandemia, só uma parcela da força de trabalho atuava ocasionalmente de casa. Dentro da União Europeia (UE), a incidência do teletrabalho regular ou ocasional (em casa e móvel combinados) variava entre 30% ou mais, na Dinamarca, Países Baixos e Suécia, e 10% ou menos na República Checa, Grécia, Itália e Polônia.
Segundo os estudos, até 20% da força de trabalho dos Estados Unidos atuava regular ou ocasionalmente de sua casa ou de outro lugar alternativo, 16% no Japão e só 1,6% na Argentina, segundo números da Eurofound e OIT, 2019.
Entre janeiro e março de 2020, na medida em que a infecção por Covid-19 se espalhou por todo o mundo, os países deram instruções aos empregadores para encerrar suas operações e, se possível, aplicar o teletrabalho em tempo integral para seus trabalhadores, com muito pouco tempo de preparação, tanto para os empregadores como para os trabalhadores.
Algo que foi pensado como uma solução temporária e a curto prazo está ocorrendo há meses. Há vários fatores que determinam se um trabalho pode ser realizado potencialmente de forma remota. A quantidade de trabalhos que podem ser realizados remotamente determina a parcela da força de trabalho que pode trabalhar de casa, durante uma pandemia, e assim reduzir a transmissão do vírus na comunidade.
Em dois artigos recentes (Hatayama et al., 2020; OIT 2020), foram examinadas as possibilidades de se trabalhar de casa em países com diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Constatou-se que fatores como a estrutura econômica e ocupacional, o acesso à internet banda larga e a probabilidade de que as pessoas possuam um computador pessoal são determinantes importantes para se trabalhar de casa.
As conclusões apontam que a possibilidade de se trabalhar de casa aumenta com o nível de desenvolvimento econômico do país. Por conseguinte, os países em que uma grande proporção dos postos de trabalho corresponde a setores como as tecnologias de informação e comunicação (TIC), os serviços profissionais, as finanças e os seguros e os setores da administração pública podem mobilizar a maior proporção da força de trabalho para atuar de casa.
Ao passo que os países que dependem em grande medida de setores como a indústria manufatureira, a agricultura, a construção e o turismo têm menos possibilidades de fazer isso. Como resultado das diretrizes de confinamento decretadas pelos governos, quase 4 em cada 10 empregados na Europa começaram a teletrabalhar.
O aumento mais significativo do teletrabalho ocorreu nos países mais afetados pelo vírus e naqueles em que o teletrabalho estava bem desenvolvido, antes da pandemia. Na Finlândia, cerca de 60% dos empregados passaram a trabalhar de casa. Em Luxemburgo, nos Países Baixos, Bélgica e Dinamarca, mais da metade, na Irlanda, Áustria, Itália e Suécia, cerca de 40% dos empregados.
Nesses países, menos trabalhadores viram uma redução em seu tempo de trabalho. Em média, na Europa, 24% dos empregados que nunca haviam trabalhado de casa começou a teletrabalhar, em comparação aos 56% dos empregados que haviam feito isso ocasionalmente.
Não obstante, este salto nos números mostra que, com a tecnologia, as ferramentas (por exemplo, de comunicação) e a reorganização do trabalho adequadas, muito mais trabalhos podem ser realizados de forma remota do que se supunha anteriormente. Foram adotadas medidas semelhantes em outras partes do mundo, onde os governos solicitaram aos empregadores a adoção do teletrabalho para reduzir a densidade do deslocamento nas grandes cidades e contribuir assim com o distanciamento físico.
No Japão, segundo uma pesquisa do Ministério de Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo, menos de 13% dos trabalhadores de todo o país puderam trabalhar de casa, em março de 2020, por causa de uma série de fatores, entre eles, o amplo uso do selo Hanko 1, de ordem pessoal, que é utilizado em documentos de escritório, contratos, solicitações e inclusive em memorandos, em vez das assinaturas, para qualquer artigo que exija reconhecimento de autoria.
É preciso destacar que para os pais e cuidadores que trabalham, o fechamento de escolas e de outros centros de atendimento fez com que o trabalho em casa seja um desafio. De acordo com a última pesquisa da Eurofound, entre aqueles que trabalham em casa como medida de distanciamento físico, 26% vivem em lares com crianças menores de 12 anos e outros 10% vivem com adolescentes de 12 a 17 anos.
Várias análises do Observatório da OIT manifestam os devastadores efeitos que a pandemia continua tendo no emprego e na renda proveniente do trabalho, desde inícios de 2020, assim como a repercussão adversa generalizada no mercado de trabalho.
Os responsáveis pela formulação de políticas precisarão continuar fomentando o emprego e garantindo a renda, nos próximos meses, incluído 2021, e abordar os desafios fundamentais. Continua sendo primordial harmonizar e planejar as medidas nos planos político, sanitário, econômico e social.
A quantidade de contágios aumentou em todo o mundo, e isso levou muitos países a voltar a aplicar restrições em atividades econômicas. A desacertada ou prematura aplicação mais branda das medidas de prevenção sanitária está provocando um prolongamento da pandemia e, como consequência, agrava-se a incidência no mercado de trabalho.
Portanto, é necessário que as medidas políticas que forem aplicadas estejam em consonância com os efeitos adversos da pandemia no mercado de trabalho. A crise provocada pela pandemia gerou a perda de horas de trabalho e de renda provenientes do mesmo. Com base no aumento das restrições financeiras, os responsáveis pela formulação de políticas deverão enfrentar o desafio de continuar aplicando medidas destinadas a mitigar o risco do aumento dos níveis de pobreza, desigualdade, desemprego e exclusão. Para tal efeito, será necessário prestar particular atenção à eficácia e eficiência dos investimentos que forem realizados.
É fundamental que as medidas políticas contribuam para prestar o maior apoio possível aos grupos vulneráveis mais afetados, em particular, os migrantes, as mulheres, os jovens e os trabalhadores do setor informal. Com base nos dados mais recentes de que se dispõe, a perda de emprego afeta em maior medida as mulheres que os homens.
Os responsáveis pela formulação de políticas terão que adotar medidas de resposta frente às crises específicas, em particular auxílios para garantir a renda e fomentar os esforços para facilitar aos trabalhadores que retomem o seu emprego, a fim de evitar sua marginalização a longo prazo nos mercados de trabalho e velar para que ninguém fique para trás.
A lacuna em matéria de incentivos fiscais existentes nos países emergentes e em desenvolvimento só pode ser suprimida, caso seja fomentada a solidariedade internacional. A maioria dos países em desenvolvimento não pôde mobilizar os recursos necessários para apoiar as medidas políticas adotadas pelas nações mais ricas, o que deu lugar a uma grande “lacuna nos incentivos fiscais”.
Para preencher essa lacuna, é necessário continuar reduzindo e reestruturando a ignominiosa dívida externa e promover a ajuda oficial ao desenvolvimento, para garantir a disponibilidade de recursos financeiros no enfrentamento da atual crise sanitária e do mercado de trabalho, nos países em desenvolvimento.
A Organização das Nações Unidas defende que seja dada “prioridade estratégica, em matéria de financiamento público, para políticas e programas que permitam conquistar melhores resultados em termos de emprego e manutenção da renda, em particular em relação às pessoas em situação de vulnerabilidade”.
A combinação destes desafios tem repercussões mais gerais para a justiça social e a paz. O aumento da insegurança e a incerteza alimentam o isolacionismo e o populismo.
A forma como a ideologia neoliberal contempla a modernidade compreende o cidadão como consumidor. A ação coletiva e a vida pública ficam restritas a dar um ‘clique’ na recomendação de um algoritmo. Na realidade, a crise da Covid-19 colocará o setor tecnológico no epicentro de uma economia convertida em função de seus algoritmos.
O mundo não será igual, mas a exploração digital ou presencial se parecerá muito com a do presente.
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O teletrabalho nestes tempos neoliberais. Artigo de Eduardo Camín - Instituto Humanitas Unisinos - IHU