13 Novembro 2020
Já não é apenas o aumento de casos nos hospitais de elite. País segue o mesmo padrão da Europa, antes de mergulhar de novo no caos. Negligência do governo se repete. Máscaras podem fazer diferença. Cresce expectativa por vacinas.
A reportagem é de Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 12-11-2020.
Hospitais de elite na cidade de São Paulo vêm registrando forte aumento nas hospitalizações por covid-19 ao longo do último mês. O Sírio-Libanês teve picos de 120 internações em abril, momento mais agudo da pandemia na cidade, e no mês passado estava em 80 – agora, voltou a 120. No Hospital do Coração a situação está menos crítica, mas ainda assim as internações dobraram em três semanas, passando de 17 registros em 20 de outubro para mais de 30 no início de novembro.
Esses números foram divulgados primeiro pela colunista da Folha Mônica Bergamo, depois desenvolvidos por repórteres em vários veículos. Seriam sinais de uma segunda onda no estado que tem o maior número de mortos pela covid-19 no Brasil? Por enquanto, os aumentos na capital paulista só foram percebidos em alguns hospitais privados. Poderíamos estar diante de um repeteco do que aconteceu no começo da pandemia, quando as pessoas mais ricas trouxeram o coronavírus de suas viagens para outros países. “Pode ter relação com o verão europeu, com as classes mais altas, que têm acesso à saúde privada, viajando para lá. O que vemos agora pode ser um cluster [agrupamento] entre as classes mais abastadas que (…) estavam trabalhando de casa, conseguiram se proteger mais e agora estão mais suscetíveis ao vírus”, diz no El País o pesquisador Vitor Mori, membro do Observatório Covid-19 BR.
Mas, se a rede pública ainda não está lotada, isso pode vir a acontecer em breve. Márcio Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, nota que nos hospitais públicos as taxas não subiram, mas deixaram de cair: vinham recuando mês a mês e estagnaram em novembro. E, quando se olha apenas para os leitos de UTI, houve aumento. O mesmo vale para o número de pessoas em ventilação mecânica na rede pública municipal.
Ainda segundo Bittencourt, o padrão de novas internações na grande São Paulo é o mesmo: evidente aumento. E ele nota também os sinais de crescimento em vários estados, como Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No início deste mês, pesquisadores da Rede Análise Covid-19 chegaram a publicar uma carta aberta à prefeitura de Porto Alegre, mostrando em dados o aumento das internações e pedindo atenção. Em Manaus, faz algumas semanas que o hospital público de referência covid-19 está quase sem vagas. Na semana passada, comentamos aqui o último boletim do InfoGripe, que monitora as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave e covid-19: havia sinais de crescimento em nove capitais.
A Rede Análise Covid-19 também mostrou que, na Europa, o boom de internações e mortes que se vê agora foi anunciado meses antes. Em junho já era possível ver uma reversão na tendência de novos casos (que estavam caindo e passaram a subir). Semanas depois, em julho, deu para começar a ver a reversão na tendência dos óbitos. Mas só no fim de outubro, com os hospitais lotando, os países recomeçaram suas medidas de contenção. Por aqui, temos o agravante de que nossos dados sobre o aumento dos casos não são confiáveis: só percebemos as tendências olhando para as internações. “Estamos em um caminho muito similar ao Europeu. A sensação é a de que estamos ‘torcendo’ ou ‘esperançosos’ de que aqui vai ser diferente”, diz Isaac Schwarzhaupt, um dos pesquisadores da iniciativa.
Só que essa esperança não é muito fundamentada: testamos pouco, não rastreamos contatos, isolamos mal os infectados. Para Schwarzhaupt, uma vantagem é o fato de que as reaberturas brasileiras foram mais conservadoras do que as europeias. De nossa parte, acreditamos que o uso obrigatório de máscaras no Brasil pode realmente minimizar os estragos. Porém, as internações crescentes mostram que o momento é de cautela.
O presidente Jair Bolsonaro falou ontem sobre sua ‘estratégia’ para enfrentar uma possível segunda onda: “tratamento precoce” com drogas que ninguém nem discute mais, como a hidroxicloroquina. “Mesmo que houvesse uma segunda onda, é só fazer tratamento precoce. Conversa com o médico, tem três medicamentos para outras coisas que servem também para combater a covid, que a princípio se resolve o assunto”, disse, em transmissão ao vivo nas redes sociais. Ele ainda afirmou que a melhor prevenção é se exercitar, se alimentar bem e “ficar menos fofinho”. E assim seguimos.
Ontem o general Eduardo Pazuello participou de seu primeiro evento depois de se recuperar da covid-19. Mas não falou dos principais temas recentes envolvendo a pasta que chefia: o debate sobre as vacinas em testes e o apagão de dados devido a problemas nos sistemas do Ministério da Saúde. Ele se recusou a responder a qualquer pergunta que não fosse sobre o ‘novembro azul’, tema do evento.
A propósito: voltou a funcionar normalmente o SIVEP (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica), que estava com falhas desde a semana passada. Com isso, estados que não estavam conseguindo atualizar seus dados sobre covid-19 devem inserir os números atrasados nos próximos dias.
Depois de toda a confusão envolvendo a CoronaVac, a Anvisa autorizou ontem a retomada dos ensaios. Disse em nota que “após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador depois da suspensão do estudo, entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação e segue acompanhando a investigação do desfecho do caso para que seja definida a possível relação de causalidade” entre a vacina e a morte do voluntário.
Em resposta ao STF (que havia pedido explicações sobre a interrupção), a agência informou que confere tratamento ‘imparcial” e “isonômico” a todas as vacinas testadas.
Depois do otimismo com a vacina da Pfizer – que, segundo a empresa, mostrou 90% de eficácia na avaliação preliminar dos testes de fase 3 –, pesquisadores e autoridades do mundo todo estão preocupados com a viabilidade de distribuir o produto. Como já mencionamos aqui, ela precisa ser refrigerada a -70ºC, o que é um problema. Provavelmente vai ser mais fácil para as nações ricas, mas mesmo nelas deve haver diferenças gritantes entre as regiões: a matéria do STAT diz que, enquanto grandes hospitais urbanos nos EUA já estão correndo para comprar congeladores superpotentes, a maioria dos hospitais rurais não vê a menor chance de conseguir pagar por eles.
Ontem o vice-diretor da Opas, Jarbas Barbosa, disse que nenhum país do mundo está preparado para uma campanha de vacinação com tal especificidade. Ele foi algo otimista ao completar que, quando o imunizante estiver disponível, os países vão tomar medidas para se adaptar, mas disse que se trata de uma situação especial porque nenhuma vacina jamais teve essas características.
Só que um imunizante – não usado no mundo todo, mas importante nos locais onde foi necessário – já conseguiu ser distribuída com sucesso, a menos de -60ºC, em locais pobres: as vacinas contra o ebola usadas em países como a República Democrática do Congo e Serra Leoa. A logística envolveu caixas com gelo seco para transportar o produto por estradas de terra, lembra Amy Maxmen, jornalista da Nature. Uma antiga reportagem da Wired conta como esse desafio foi superado e mostra que não é impossível.
Esta semana comentamos por aqui uma declaração do Ministério da Saúde russo de que a vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, teria mais de 90% de eficácia. Ontem foram divulgados mais detalhes sobre isso. Segundo um comunicado oficial do governo, os resultados preliminares dos ensaios de fase 3 mostraram uma eficácia de 92%. O cálculo foi feito com um número ainda bastante reduzido de voluntários infectados: 20, entre os que tomaram o imunizante e os que receberam o placebo.
Comparando com o anúncio da Pfizer/BioNTech, especialistas estão menos animados com a Sputnik V. O pé atrás já começou há meses, quando o governo russo decidiu aprovar o uso da vacina antes mesmo dos resultados das fases 1 e 2. Agora há outras questões. Assim como os da Pfizer, os resultados da Sputnik V não foram revistados por pares nem publicados em revista científica. Mas há uma fragilidade maior no caso russo, porque o número de voluntários analisados é quase cinco vezes menor do que o observado pela Pfizer (o que gera menos certeza sobre a eficácia calculada) e o protocolo do estudo não foi tornado público. Não sabemos, portanto, se já estava prevista uma análise inicial com apenas 20 infectados. “É muito difícil explicar [o anúncio de Gamaleya]. Receio que eles analisaram os resultados da Pfizer e adicionaram 2%” diz Svetlana Zavidova, que dirige a Associação de Organizações de Ensaios Clínicos da Rússia, na reportagem da Science.
Para ambas as vacinas, seguimos aguardando a publicação dos dados completos.
A súbita irrupção de artigos científicos em plataformas de pré-publicação (os agora conhecidos pré-prints) é foco de três artigos no periódico JAMA desta semana, comentados pelo jornalista Carlos Orsi no site do Instituto Questão de Ciência. Pré-prints são aqueles trabalhos publicados em plataformas online específicas, sem revisão de pares, e um dos repositórios mais conhecidos é o medRxiv, criado em junho do ano passado. Até o fim de 2019, ele recebia em média seis artigos por dia. Agora, a mediana é de 51, e mais de 70% de todo o material recebido é sobre covid-19. Se em dezembro do ano passado o medRvix registrava 100 mil visualizações de resumos de estudos por dia, em junho deste ano eram seis milhões. Em abril as visualizações tiveram um pico: 10 milhões.
A ideia desse tipo de serviço é boa: permitir que a comunidade científica possa debater os resultados antes da publicação formal. Mas no fim das contas só 14% dos trabalhos apresentados no medRvix chegam a ser aceitos para publicação em periódicos, após revisão de pares.
“Existe um pressuposto geral de que o acesso mais rápido à informação melhorará o desfecho para os pacientes (…) No entanto, está claro que, em muitos países, informações de mídias sociais e pré-prints foram usadas por políticos e médicos para defender tratamentos específicos”, atitude que dificulta a realização de estudos de qualidade e “pode levar ao uso inadequado de certas drogas, com o potencial de causar dano”, escrevem Annette Flanagin, Phil Fontanarosa e Howard Bauchner, no editorial do JAMA. Entre os exemplos disso está, é claro, a hidroxicloroquina.
Nove dias depois do apagão que deixou quase o Amapá inteiro sem luz, o problema ainda não foi inteiramente resolvido. O Ministério de Minas e Energia disse ontem que 80% da energia seria restabelecida em breve, e prometeu o retorno a 100% da carga na próxima segunda-feira.
Enquanto isso, vários bairros na capital seguem com dificuldades, especialmente os mais pobres. Em um deles, Congós, “a lata d’água na cabeça voltou a ser uma rotina das mulheres”, diz a matéria da Folha. Sem energia, não é possível bombear a água que vinha de poços artesianos. Por ali não é coleta de esgoto nem de lixo, e os rejeitos vão direto para a água do lago. O líquido chega às casas barrento e, obviamente, impróprio para o consumo. Já aumentou o adoecimento das crianças, que apresentam diarreia e vômito. No arquipélago de Bailique, que é distrito de Macapá, a população está bebendo água do mar. “Nós estamos passando mal aqui no Bailique, tem gente que está adoecendo por causa da água salgada”, diz uma moradora, Luiza Bruno, no Brasil de Fato.
A subestação danificada é majoritariamente operada por uma empresa privada, o que levou parlamentares a bons argumentos contra a privatização da Eletrobrás. É a Eletronorte, subsidiária da estatal, que foi chamada para restabelecer o serviço.
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Covid: os sinais da segunda onda já estão no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU