09 Outubro 2020
Paraquate não poderá mais ser fabricado ou importado — mas os estoques atuais serão despejados na comida. Veneno pode provocar Parkinson e mutações. E mais: Brasil investe, no SUS, menos de R$ 115 mensais por habitante.
A reportagem é de Maíra Mathias e Raquel Torres, publicada por Outra Saúde, 07-10-2020.
Não durou nem um mês a proibição total do uso do agrotóxico paraquate no Brasil. Há apenas três semanas a Anvisa decidiu que ele seria banido do país a partir do dia 22 de setembro. Mas, como comentamos por aqui, naquele momento fabricantes e grandes produtores já faziam lobby para garantir que pudessem continuar usando o produto que restou em seus estoques. Um detalhe precisa sempre ser lembrado: ninguém foi pego de surpresa pelo banimento, que já estava previsto para este ano desde 2017. As compras foram feitas apesar da proximidade da data – e com a tranquilidade de quem sabia que não perderia dinheiro.
A flexibilização veio ontem na reunião da diretoria colegiada da agência. E foi fácil: cinco votos a favor, nenhum contra. O pedido partiu do Ministério da Agricultura, por meio de um ofício ao diretor-presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres. E a justificativa foi que a retirada do veneno poderia aumentar os custos de produção e o preço final dos alimentos para a população brasileira… Agora, os agricultores vão poder despejar paraquate nas lavouras durante a safra vigente. O último uso vai ser nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em agosto de 2021.
O paraquate, como se sabe, é proibido na União Europeia desde 2003 e está associado a mutações genéticas e ao desenvolvimento de doença de Parkinson nos agricultores. Por aqui, é um dos agrotóxicos mais vendidos, usado para manejar as chamadas ervas daninhas e para dessecar culturas antes da colheita. Está presente em alimentos como arroz, feijão, soja, trigo, banana, batata, café e frutas cítricas.
Outro lobby que deu resultado foi o da indústria alimentícia. Também por unanimidade, a diretoria coletiada da Anvisa aprovou ontem o novo modelo de rotulagem nutricional de alimentos embalados para alertar sobre excesso de sal, açúcar e gordura saturada. Já expusemos aqui as principais críticas à proposta da agência: o selo não é tão legível quanto deveria e a quantidade de ingredientes nocivos necessária para que um produto receba o alerta é alta demais. E há outro ponto que beneficia as empresas: o longo prazo para elas se adaptarem. Serão 24 meses até que as novas diretrizes passem a valer e, em seguida, mais um período de adaptação (que vai variar de 12 meses para empresas de menor porte, como agricultores familiares, até nada menos que 36 meses para bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis).
Jair Bolsonaro finalmente encaminhou ao Senado dois nomes para a diretoria da Anvisa: Meiruze Sousa Freitas e Cristiane Rose Jourdan Gomes. Elas ainda precisam passar por sabatina no Senado. As indicações vêm depois de o presidente quase inviabilizar as votações do colegiado, deixando-o sem três de seus cinco integrantes.
Eduardo Pazuello tem 57 anos. O Sistema Único foi criado há 32 anos. Mas, segundo o próprio ministro da Saúde, ele “não sabia nem o que era o SUS” e só veio a conhecer o maior sistema público universal de saúde do planeta “a partir desse momento da vida”. Para o general, o sistema é uma “ferramenta”. Fruto de disputa na Constituinte, pressão popular antes disso? Não. Segundo ele, “o Brasil nos brindou” com o SUS. Caiu do céu de paraquedas – como o próprio general fazia no início da sua carreira no Exército.
Pazuello nos brindou com o sincericídio ontem, pouco depois de avisar que o “câncer está aí e isso precisa ser compreendido” durante o lançamento da campanha Outubro Rosa. Obrigada ministro, mas isso a gente já sabia – e até compreendia.
Pazuello justificou seu desconhecimento do SUS por ter passado parte da vida se tratando nas unidades de saúde paralelas, mantidas pelas Forças Armadas num esquema parecido ao que vigorava no início do século 20 para algumas categorias de trabalhadores, que tinham hospitais próprios vinculados a uma também fragmentada estrutura de previdência social.
Nesse sentido, não espanta que em um governo coalhado de militares, o Hospital das Forças Armadas já tenha gasto mais de R$ 324 mil com procedimentos de saúde para atender o presidente, o vice e seus ministros desde que Bolsonaro tomou posse. A família das autoridades também entra nessa conta. Em julho do ano passado, a primeira-dama foi operada para corrigir desvio de septo, por exemplo.
E para esses gastos, aparentemente, não há teto – e tampouco sinergia com o SUS à vista. A coluna Painel destaca que, no fim de setembro, o governo publicou uma portaria que permite que o HFA faça convênios com outros hospitais. Quem deu a notícia em primeira mão foi Sonia Racy, que na época explicou que convênios poderão ser firmados em qualquer cidade do país para atender Bolsonaro, Mourão e seus dependentes. O dinheiro sai do orçamento da Presidência, que compensa os gastos do HFA, vinculado ao Ministério da Defesa. Quando se internou por 17 dias no Albert Einstein ano passado, a conta foi de R$ 400 mil, isso porque os médicos abriram mão de receber honorários. O boleto foi pago pelo HFA. Há pouco, o presidente recorreu novamente ao Einstein para fazer uma cirurgia de retirada de cálculo na bexiga. Ainda não se sabe os custos desse último procedimento.
Quando se afirma que o SUS faz muito com pouco dinheiro não é figura de linguagem. Se pegarmos todos os recursos aplicados por União, estados e municípios e dividirmos pelo número de habitantes, o resultado é um gasto de R$ 3,83 por dia. A conta é do Conselho Federal de Medicina e da ONG Contas Abertas e se refere a valores de 2019. O auge desse gasto aconteceu em 2014, quando foram destinados R$ 3,89.
As cidades têm um peso importante no financiamento do sistema, respondendo por 31% do total das despesas, atrás da União (42%) e à frente dos estados (26%). Mesmo assim, segundo o levantamento, 2,2 mil prefeituras (39,5% do total no país) gastaram no ano passado menos de R$ 1 para cada habitante por dia. Entre as capitais brasileiras, nove estão nessa situação.
O gasto público com saúde continua baixíssimo por aqui (42% do total), quando em países com sistemas universais essa proporção é de 70%, em média. E vem aí a PEC do Pacto Federativo com a proposta de desobrigar o setor público a investir quantias mínimas no SUS…
Anteontem, o governo começou a ventilar a ideia de inserir na PEC do Pacto Federativo um mecanismo para sustentar gastos extras que podem ser causados pela pandemia no ano que vem. Pois ontem, Paulo Guedes garantiu que isso acontecerá respeitando o teto de gastos e que os recursos para essas despesas viriam dos tais ‘gatilhos’ da proposta: cortando jornadas e salários do funcionalismo, não liberando concursos públicos, etc. O ministro da Economia frisou que não faz parte de seus planos a extensão do estado de calamidade pública, tampouco do auxílio emergencial – tese que também está circulando.
Enquanto o governo vive uma disputa entre os neoliberais extremistas e os um pouco menos selvagens, o Congresso também não avança na discussão do projeto de lei orçamentária do ano que vem porque direciona energias para a disputa pela presidência da Câmara. A queda de braço acontece entre o grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do candidato à sucessão, Artur Lira (PL-AL), que, de acordo com o Estadão, está manobrando contra um acordo firmado no início do ano segundo o qual caberia ao atual presidente da Casa a indicação do relator da comissão mista de orçamento.
Sabemos que a contagem oficial de casos não ajuda muito a formar um cenário acurado da epidemia num país que testa tão pouco quanto o Brasil. Mas ontem ultrapassamos a marca de cinco milhões de infecções comprovadas. Levando em conta os resultados do único inquérito sorológico nacional, que concluiu sua quarta rodada, o número real deve ser bem maior, podendo chegar a 30 milhões de casos.
De terça para quarta-feira, foram confirmados mais de 31,4 mil casos e 733 óbitos. A média diária de mortes, que leva em consideração os últimos sete dias, ficou em 631. Como não cansamos de dizer, números ainda bem elevados.
“O Brasil, neste período todo de pandemia, teve um aumento muito lento quando comparado com os países da Europa, pois não teve o pico logo no início da doença. O país apresentou aquele platô a partir de maio e se fixou nisso. Podemos dizer que de setembro para cá está caindo o número de casos e óbitos, é uma curva muito lenta em relação aos outros países. Isso significa que a transmissão continua e que ainda estamos em um período crítico da pandemia. E não estamos na segunda onda, ainda estamos na primeira, que ocorreu de forma alargada”, resumiu para O Globo o pesquisador da Fiocruz, Cristovam Barcellos.
A Europa acaba de ultrapassar os seis milhões de casos, em meio à multiplicação de novos surtos da covid-19. Ontem, Alemanha e Itália registraram recordes de casos como não se via desde meados de abril. No caso alemão, foram mais de quatro mil infecções. No italiano, mais de 3,6 mil – algo comparável à época em que o país estava sob lockdown. Por lá, foi aprovado ontem um decreto que obrigada todos os habitantes a usarem máscaras e o estado de emergência foi estendido até 31 de janeiro.
Já a França registrou 10,4 mil infecções entre terça e quarta-feira. Mas no domingo o número ultrapassou 12 mil. As duas principais cidades – Paris e Marselha – foram colocadas sob alerta máximo, com bares, academias e outros locais novamente fechados ontem. As restrições devem durar duas semanas.
A Bélgica foi ainda mais longe: decretou o fechamento de todos os bares e cafés durante um mês. E as próprias autoridades consideram que ainda é pouco para conter as contaminações. O país tem registrado, em média, 2,5 mil casos diários. A medida também está sendo estudada pelo governo britânico, e será adotada a partir de segunda-feira pela Escócia.
Na Índia, a situação é de outra escala. O segundo país mais populoso do planeta registrou ontem mais de 72 mil casos. Por lá, o governo de ultradireita também abusa do conceito de “recuperados” e resolveu destacar que o número de pessoas neste questionável status superou o das infecções.
Sete meses depois que as escolas começaram a ser fechadas em todo o país e no momento em que vários municípios já planejam ou realizam o retorno às aulas presenciais, o Ministério da Educação resolveu agir. A pasta lançou ontem um guia com orientações e protocolos para essa retomada na educação básica. O ministro Milton Ribeiro – que há pouco tempo afirmou em entrevista que a volta às aulas e a educação remota na pandemia não eram um problema do MEC –, não participou da apresentação das diretrizes. Segundo a Folha, estava com Jair Bolsonaro em um evento sobre… aviação.
A pasta anunciou a liberação de R$ 525 milhões para apoiar escolas no retorno, sendo R$ 313 milhões são recursos médios. Dá, na média, apenas R$ 4.646 para cada estabelecimento. Dá para ter uma dimensão da insuficiência desse valor quando o comparamos com o que o Consed (que representa secretários estaduais de Educação) estima já ter sido necessário até junho: R$ 1,9 bilhão.
Quanto às recomendações, elas não são muito detalhadas, como já comentamos por aqui. Além de regras gerais sobre higiene e distanciamento, orienta que se faça uma triagem de alunos e profissionais que podem não retornar, caso sejam de grupos de risco. E tem recomendações para o retorno a partir de quatro níveis de contaminação na comunidade (com base em considerações da OMS): se não há casos na região ou apenas casos esporádicos, abertura total; quando há surtos localizados, “a maioria” das escolas abre; quando há transmissão comunitária, deve-se considerar o risco de abertura de cada escola.
A a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna receberam juntas o prêmio Nobel de Química pela ‘tesoura’ Crispr-Cas9, que permite reconhecer, cortar e copiar DNA. Era uma premiação mais do que esperada, porque desde 2012, quando a técnica foi desenvolvida, ficou claro como revolucionaria várias áreas da ciência. “O prêmio deste ano é sobre reescrever o código da vida”, resumiu o secretário-geral da Academia Sueca de Ciências, Goran Hansson, antes de anunciar as ganhadoras.
A grande promessa hoje é a possibilidade de tratar síndromes genéticas, mas não apenas. Há pesquisas para tornar possível o transplante de órgãos de porcos geneticamente modificados para humanos; para produzir plantas alimentícias resistentes a secas e inundações; e existem 15 ensaios clínicos em andamento com a Crispr, a maioria para tratamentos de cânceres. Agora, durante a pandemia de coronavírus, a ferramenta também foi usada para criar kits de testes de diagnóstico.
Mas nem tudo são flores e a “tesoura genética” também está no centro de uma das maiores polêmicas da medicina dos últimos anos: os bebês geneticamente modificados pelo cientista chinês He Jiankui. Já falamos um bocado aqui na newsletter sobre as limitações que ainda existem na Crispr, e a matéria da Folha também explica isso: o principal problema é a chance de erro ao “cortar” e “colar” os trechos de DNA.
O site da revista Fapesp conta a história da descoberta dessa ferramenta que começou em 2011. E também a verdadeira batalha de patentes que se seguiu desde então: “Em 2018 a Universidade da Califórnia obteve duas patentes que cobrem usos da Crispr-Cas9 para edição de genomas. De lá para cá, a guerra continuou. No final de 2019 a universidade norte-americana anunciou ser a campeã de patentes para uso da técnica, em conjunto com Charpentier e a Universidade de Viena: eram 16, com promessa de chegar a 20”.
Essa foi a primeira vez que duas mulheres ganharam o Nobel de Química sem dividi-lo com um homem. Antes delas, só cinco mulheres haviam recebido o prêmio em mais de cem anos.
A pandemia da covid-19 tornou mais conhecidos os riscos que corremos de que vírus desconhecidos se espalhem, alguns com potencial de desencadear crises semelhantes. Um jeito que isso pode acontecer é via contato com bichos selvagens, que vem sendo facilitado por fatores como desmatamento, que expulsa os animais de seus hábitats naturais, e ocupação humana de áreas que eram antes isoladas.
O último alerta vem do Alasca, que acaba de divulgar seu segundo caso de “alaskapox”, uma doença causada por um novo vírus do mesmo gênero daquele que causa a varíola. A suspeita é que o patógeno seja transmitido por alguma espécie de roedor selvagem. A infecção atingiu uma mulher em agosto. Uma lesão acinzentada na pele foi o primeiro sintoma. Levou seis semanas para secar e deixou cicatriz. Ninguém da sua família desenvolveu sintomas, nem ela precisou ser hospitalizada. A primeira infecção desse vírus aconteceu em 2015, também com uma mulher que apresentou lesão cutânea como sintoma diferencial.
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Anvisa libera o agrotóxico proibido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU