19 Agosto 2020
"Defendemos um piso emergencial de R$ 168,7 bi para o SUS em 2021. É uma forma de repor os valores necessários para manter o orçamento da saúde em relação ao ano anterior, levando em conta inflação do setor e crescimento da população", escrevem Bruno Moretti, economista pela Universidade Federal Fluminense - UFF e Carlos Ocké, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, em artigo publicado por Brasil Debate, 18-08-2020.
Eis o artigo.
O objetivo deste texto é subsidiar a resposta para a pergunta expressa no título. Entre 2020 e 2021, com a retomada da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, o orçamento federal de ações e serviços públicos de saúde deve perder cerca de R$ 35 bilhões. A conta é simples, resultado da diferença entre os valores autorizados em 2020, [1] inclusive os créditos extraordinários da pandemia (R$ 159,2 bilhões), e o piso congelado da EC 95 para 2021 (R$ 123,8 bilhões), dado pelo piso de 2020, acrescido da inflação de doze meses até junho de 2020 (IPCA de 2,13%).
A larga diferença de valores entre 2020 e 2021 é explicada a partir da comparação entre as regras de gasto: em 2020, a ampliação do orçamento de saúde – apesar de cerca de metade dos recursos extraordinários ainda não ter sido paga – foi autorizada e viabilizada pela suspensão das regras fiscais por meio do Decreto Legislativo nº 6, da Emenda Constitucional nº 106, ambos de 2020, e pela não contabilização dos créditos extraordinários no teto de gastos.[2]
A proposta orçamentária de 2021, que será entregue ao Congresso Nacional no fim deste mês de agosto, tem como base o limite global de despesa da EC 95 e, especialmente, o congelamento do valor mínimo obrigatório de saúde no piso de 2017. É o rebaixamento do piso que permite que a saúde seja instrumento no curto prazo de ajuste da despesa ao teto (estimado em cerca de quatro pontos do PIB até 2026, fora o Regime Geral da Previdência Social – RGPS).
Por essa razão, estamos de acordo com a Petição Pública lançada pelo Conselho Nacional de Saúde no dia 11 de agosto e defendemos um piso emergencial de R$ 168,7 bilhões para o SUS em 2021, evitando a redução do seu orçamento em R$ 35 bilhões. [3] Mas por que o SUS deve manter, no mínimo, estes R$ 35 bilhões para o próximo exercício?
A tabela a seguir compara as dotações da Lei Orçamentária Anual (LOA) entre 2018 e 2021 e o valor necessário para recompor o orçamento autorizado do exercício anterior, de acordo com a inflação e o crescimento da população. Vale dizer, para o ano de 2020, não são computados os recursos adicionais, já que partimos dos valores autorizados na LOA, desconsiderando autorizações extraordinárias associadas à pandemia.
(Fonte: Siop e IBGE)
Se o orçamento da saúde observasse ao menos a manutenção do patamar orçado no ano anterior seriam necessários mais R$ 36,7 bilhões para o setor entre 2018 e 2021. Isto é, estabelecer uma regra orçamentária que defina um piso emergencial para 2021 e evite a perda de R$ 35 bilhões em relação a 2020 apenas repõe os valores que seriam necessários, entre 2018 e 2021, para manter o orçamento da saúde constante em relação ao ano anterior, levando em conta a inflação do setor saúde e o crescimento da população.
Evitar a perda de R$ 35 bilhões na Lei Orçamentária de 2021 é fundamental, mas sequer resolveria as pressões por crescimento real dos gastos de saúde, tanto estruturais, como a transição demográfica e epidemiológica e mudanças tecnológicas, como conjunturais, em função da demanda represada por procedimentos durante a pandemia e o desemprego.
Neste último caso, vale lembrar, apenas no segundo trimestre de 2020, foram perdidas, segundo dados da PNADC/IBGE, 8,9 milhões de ocupações em relação ao trimestre anterior, o que reduzirá o acesso à saúde suplementar e pressionará ainda mais o SUS. Além disso, o setor saúde representa, segundo a Conta-Satélite de Saúde do IBGE, cerca de 10% do PIB da economia brasileira e tem papel central na retomada da economia.
A pandemia reforçou o papel do SUS para salvar vidas e produzir maior igualdade no acesso à saúde. Mesmo diante do subfinanciamento crônico (o setor público gasta R$ 3,60 per capita/dia para garantir da vacina ao transplante para 210 milhões de brasileiros) e da retirada de recursos do SUS pela EC 95, foram abertos mais de 11 mil leitos durante a pandemia, com destaque para os gestores estaduais e municipais de saúde.
O Congresso Nacional não pode ficar de costas para os anseios da sociedade. Reconhecer a importância do SUS requer, no curto prazo, a aprovação de um piso emergencial para 2021, que evite as perdas bilionárias relativamente a 2020, fruto da retomada da EC 95 e do congelamento em termos reais do valor mínimo obrigatório de aplicação, num momento em que o país requer mais serviços públicos de saúde, tanto por razões sociais como econômicas.
Notas:
[1] Não considera crédito extraordinário de aproximadamente R$ 2 bilhões para o desenvolvimento de vacina da Covid-19, editado recentemente.
[2] Independente das consequências da Pandemia, entre 2018 e 2020, nós demonstramos em outros textos que a saúde perdeu R$ 22,5 bilhões em razão da EC 95, cf. Disponível aqui.
[3] Disponível aqui.
Leia mais
- Planos de saúde e o SUS. Uma relação predatória. Revista IHU On-Line, Nº. 541
- Sistema público e universal de saúde – Aos 30 anos, o desafio de combater o desmonte do SUS. Revista IHU On-Line, Nº. 526
- SUS por um fio. De sistema público e universal de saúde a simples negócio. Revista IHU On-Line, Nº. 491
- Sistema Único de Saúde. Uma conquista brasileira. Revista IHU On-Line, Nº. 376
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Por que o SUS não pode perder R$ 35 bi em 2021, em meio à pandemia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU