21 Setembro 2020
“A Europa foi incapaz, nos últimos anos, de conceber uma política de imigração abrangente. Se cada um dos 27 países europeus concordasse em receber e revisar os casos de apenas 500 refugiados, Moria se tornaria apenas uma memória ruim e Lesbos poderia mais uma vez se tornar uma pequena ilha encantadora no Mar Egeu. Afinal, se a proteção de poucas reservas de petróleo sob este mar valem a compra de 18 caças Dassault Rafale, o preço de apenas um desses aviões de guerra – estimado em 79 milhões de euros – não seria suficiente para abrigar, alimentar e tratar decentemente os 13 mil refugiados de Moria?”, escreve Isabelle de Gaulmyn, editora de La Croix e vaticanista, em artigo publicado por La Croix International, 21-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nassim é um jovem afegão faixa preta no karatê. Mas ele vive em constante medo de ser enviado de volta para sua casa. Então, aí está seu compatriota, Shukram, que pinta nos tempos livres.
Fatemeh, Zhara e Djennah – três meninas que são amigas inseparáveis – dão boas risadas como solução de todos problemas do mundo pelos seus telefones celulares. Djamilah está aqui com seus três filhos. Eles são da Argélia.
E Mohamed... ele está traumatizado desde uma noite em que outros refugiados o atacaram com uma faca em sua tenda.
Todas essas pessoas têm nomes e sobrenomes. Eles têm histórias, forjadas a partir de sangue e lágrimas, mas também de risos e amizades. Eles não são apenas uma multidão anônima.
São cerca de 13 mil pessoas reais que agora estão vagando pela estrada ensolarada para Mytilini, o porto da ilha de Lesbos. Atrás deles estão as cinzas ainda fumegantes do inferno que era o campo de refugiados de Moria.
Eles estão mais uma vez em êxodo. Não pode ser pior que a experiência naquele acampamento.
Projetado para 3 mil pessoas, era marcado pela violência, à espera desesperada por decisões que nunca vieram e por entrevistas que foram adiadas indefinidamente. Esses refugiados têm nomes. Eles não são apenas números ou rebanhos humanos encurralados atrás de cercas.
A Europa estremece ao vê-los desembarcar. Mas quem está realmente em perigo aqui? Somos nós? Ou os nossos valores, é este chamado “espírito europeu”, que corre o risco de desaparecer sob as cinzas de Moria?
Podemos fazer grandes discursos, expressar o quanto estamos comovidos e indignados... por aqui, podemos prometer acolher algumas crianças órfãs, algumas outras milhares de pessoas, por ali... Também podemos chorar.
Mas não temos o direito de ficar surpresos. Há cinco anos uma bomba-relógio está operando nas ilhas gregas.
O papa Francisco foi para este mesmo campo em abril de 2016. Hoje, apenas alguns pedaços de madeira queimada permanecem do que viu então, quando implorou às autoridades europeias para “desenvolver procedimentos para um reassentamento seguro”.
Quatro anos atrás...
“Quero dizer-lhes que vocês não estão sozinhos”, prometeu o Papa aos refugiados ao partir. Mas hoje os sobreviventes de Moria estão mais sozinhos do que nunca.
Organizações humanitárias vêm soando o alarme há meses.
Eles estavam profundamente preocupados que o bloqueio imposto pela covid-19 transformasse este “ponto de acesso” em um verdadeiro campo de internamento, sem qualquer preocupação com as consequências desta situação desumana.
Eles também falaram da hostilidade crescente de uma população insular exasperada, explorada pela extrema-direita nacionalista.
O incêndio era previsível.
Ninguém está dizendo que a solução é fácil.
Mas não devemos enfrentar a realidade? Enfrentar a dificuldade em vez de esperar por outra catástrofe?
A Europa foi incapaz, nos últimos anos, de conceber uma política de imigração abrangente.
Se cada um dos 27 países europeus concordasse em receber e revisar os casos de apenas 500 refugiados, Moria se tornaria apenas uma memória ruim e Lesbos poderia mais uma vez se tornar uma pequena ilha encantadora no Mar Egeu.
Afinal, se a proteção de poucas reservas de petróleo sob este mar valem a compra de 18 caças Dassault Rafale, o preço de apenas um desses aviões de guerra – estimado em 79 milhões de euros – não seria suficiente para abrigar, alimentar e tratar decentemente os 13 mil refugiados de Moria?
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As cinzas de Moria. A Europa e o os refugiados em apuros na ilha grega de Lesbos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU