11 Setembro 2020
"Quem tem dinheiro vai encontrá-la antes dos demais, sem se importar com um acesso justo e global. Hoje, no mundo, 15 multinacionais controlam mais da metade do mercado de medicamentos. Oito são dos EUA. Seus donos são fundos de investimento, principalmente pensões. A regra é aumentar os dividendos, não fazer caridade, a ponto de eles próprios comprarem as ações, operação antes proibida e agora não mais, para fazer o lucro disparar. Finanças por finanças, economia que mata, nas palavras do Papa Francisco", escreve Alberto Bobbio, editor-chefe da revista Famiglia Cristiana, em artigo publicado por Eco di Bergamo, 10-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele decidiu subir o tom. Nunca Francisco havia usado frases tão retumbantes. Sobre a vacina Covid-19, ele sempre foi cauteloso, quase comedido, mesmo denunciando o risco das desigualdades. Ontem ele mudou de estratégia, enquanto a Big-Pharma vai à guerra na escaldante temporada das vacinas. Bergoglio usou a linguagem do Evangelho evocando os "devotos de Pôncio Pilatos", que "se lavam as mãos". Os interesses são muitos, os números cheios de zeros. Virá, mas quando, de quem e, sobretudo, para quem é uma questão onde o mercado é mais importante do que os aspectos científicos e de saúde como bem público.
De que informação dispõe a Santa Sé sobre uma batalha em que as regras do comércio e da propriedade intelectual e industrial parecem descaradamente em primeiro plano no que diz respeito à cláusula, prevista pelos Acordos de Doha, de exceções aos negócios "por razões de saúde pública"? Nenhuma a mais daqueles que observam a situação com consciência, pois a vacina é uma oportunidade única para as grandes multinacionais farmacêuticas.
A cooperação internacional para a pesquisa e a produção basicamente falhou. Poder-se-ia ter tentado com uma governança mundial independente. Mas todos os países deveriam ter concordado, e isso não aconteceu. Hoje prevalece a competição sobre a cooperação. Em suma, lavamos as mãos sobre o bem público da saúde global. O presidente francês Macron já havia dito isso quando uma das maiores multinacionais francesas de medicamentos nos últimos meses havia caído na bajulação de Donald Trump, pronto a comprar em nome do "American First". A pressa de Trump está esmagando toda cautela e aumentando a preocupação com a desigualdade. Ele precisa muito da vacina antes das eleições e não foi à toa que chamou a campanha de pesquisa e produção de "Operation Warp Speed" uma operação à velocidade da luz. A mesma sorte para Putin com a vacina "Sputnik" a ser solta na órbita mundial dos lucros da pandemia.
A vacina é o sonho de todos, uma vacina nacional é o sonho proibido. Quem tem dinheiro vai encontrá-la antes dos demais, sem se importar com um acesso justo e global. Hoje, no mundo, 15 multinacionais controlam mais da metade do mercado de medicamentos. Oito são dos EUA. Seus donos são fundos de investimento, principalmente pensões. A regra é aumentar os dividendos, não fazer caridade, a ponto de eles próprios comprarem as ações, operação antes proibida e agora não mais, para fazer o lucro disparar. Finanças por finanças, economia que mata, nas palavras do Papa Francisco.
A vacina é a ocasião do século. A Oxfam, uma das maiores ONGs do mundo, propôs tributar os lucros extras da Covid-19, como aconteceu na década de 1940 para os lucros da guerra. Mas o apelo terminou no vazio. Todos estão procedendo cada um por si, incluindo a UE, que decidiu favorecer uma multinacional britânica com a pré-compra de 300 milhões de doses. Os países pobres estão fora do jogo, e a supremacia geopolítica ditará as regras das encomendas. É muito complexo encontrar, produzir e principalmente distribuir uma vacina. Somente sistemas sanitários eficientes podem fazer isso e as duas doses complicam ainda mais a situação. Aqueles que mais precisarão, da África à Índia e à América Latina, não têm recursos para obtê-la e a organização para distribuí-la. É por isso que será um produto de luxo. Hoje, no mundo, cerca de 250 milhões de kits de vacinas são produzidos todos os anos para todas as doenças. Para a Covid-19, serão necessários pelo menos 10 bilhões. A saúde junto com as armas é o verdadeiro ativo estratégico, do qual ninguém quer perder nem um centavo. Mas apenas Francisco fala isso.
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A saúde é um direito que não se pode comprar. Francisco entra de cheio na luta pela vacina gratuita e universal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU