07 Agosto 2020
"Fenafisco recorre à Corte contra regressividade do regime fiscal vigente, que reforça desigualdades ao cobrar proporcionalmente mais de quem ganha menos", escreve Frei Betto, frade dominicano, escritor, assessor da FAO e de movimentos sociais e autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), por sugestão de Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, e com apoio desta instituição e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), protocolou no STF, em 3/8, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) em que questiona a regressividade do sistema tributário brasileiro. A peça, elaborada por Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e advogada do CADHu, é contrária ao atual sistema tributário, que cobra proporcionalmente mais de quem ganha menos. Assim, promove a desigualdade social.
De acordo com o artigo 3º da Constituição, constituem objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Com base neste princípio, a Ação pede que o STF determine que os poderes Legislativo e Executivo orientem mudanças pela igualdade tributária, a fim de cessar a atual inconstitucionalidade do sistema tributário brasileiro.
Para Charles Alcantara, presidente da Fenafisco, “o debate sobre a reforma tributária no Congresso tem focado apenas na questão da simplificação da tributação do consumo. Ao não tocar na tributação da renda e do patrimônio, não contribui para corrigir o sistema tributário e recuperar a economia brasileira. Apelamos ao STF para que determine que a Comissão Mista adote o parâmetro da igualdade material tributária como referência para a elaboração do novo texto”.
Leis e normas vigentes sustentam a regressividade do sistema tributário brasileiro ao impor maior carga tributária sobre o consumo, e não sobre a renda e o patrimônio. “A regressividade, que se opõe frontalmente a um dos mais caros princípios constitucionais tributários – o da capacidade contributiva – não apenas se mantém incólume, como se agravou desde a promulgação da Carta Magna”, observa Alcantara.
A Ação pede ao STF: 1) reconhecer que a regressividade do sistema tributário brasileiro cria uma conjuntura inconstitucional; 2) determinar ao Congresso e ao Executivo reforma tributária que resulte no sistema progressivo em substituição ao atual, profundamente regressivo; 3) reavaliar as renúncias e desonerações tributárias concedidas, para medir seu impacto na regressividade e sua eficiência no estímulo aos setores produtivos.
Eloísa Machado, advogada da ação, afirma: “Como há uma Comissão Mista para analisar propostas de reforma tributária, a ação pede que seja dada medida liminar para, desde já, impor ao Congresso o dever de corrigir a regressividade do sistema tributário brasileiro”.
A advogada explica que o STF tem se pronunciado em julgamentos que consideram tributos isoladamente, a exemplo da progressividade de alíquotas do Imposto de Transmissão Causa Mortise Doações (ITCMD), e do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). “O STF tem se debruçado sobre a isonomia nas relações tributárias. Porém, este é um valor a ser buscado não só na concepção e aplicação de um determinado tributo, mas de todo o sistema”.
Em 1988, por exemplo, o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) taxava mais progressivamente as altas rendas, com alíquotas que chegavam a 45%, e não tratava tão assimetricamente as rendas do trabalho e do capital. Hoje, o mesmo imposto tem uma alíquota máxima de 27,5%, e não incide sobre os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, reduzindo-se a um imposto sobre salários.
Por outro lado, a hipertributação sobre o consumo reforça a condição de o Brasil ser um dos países mais desiguais do mundo, uma vez que onera desproporcionalmente os mais pobres, em favor dos mais ricos. Atualmente, cerca de 50% da carga tributária do Brasil estão em impostos sobre o consumo, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 32,4%.
No Brasil, o Imposto de Renda de Pessoa Física, dividido em cinco faixas de renda, agrega pessoas com níveis muito diferentes de renda em um mesmo grupo. Assim, criam-se mais desigualdades, já que quanto maior a renda em salários mínimos, maior a participação da renda que é isenta. Por exemplo, quem declara renda superior a 240 salários mínimos mensais chega a ter 70% da renda isenta e não tributável. Aqueles que ganham entre três e cinco salários mínimos têm pouco mais de 10% da renda isenta e não tributável.
Segundo Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, “a reforma tributária é urgente, necessária e estruturante. O conjunto do sistema tributário atual é inconstitucional. É preciso trazê-lo para a vigência da Constituição, tornando-o mais justo para todos os brasileiros. Tirar o Brasil do ranking dos países mais desiguais do mundo é viável, e depende de escolhas políticas feitas por governantes, legisladores e sociedade. E, para isso, o sistema tributário é ferramenta fundamental. É hora de priorizar uma reforma tributária que acabe com privilégios e injustiças”.
Se governo é que nem feijão e só funciona na panela de pressão, só resta à sociedade civil pressionar os nossos parlamentares e juízes do STF.
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Ação no STF questiona sistema tributário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU