05 Agosto 2020
Marchas pelo clima, greves, ZADs (Zonas A Defender), coletes amarelos.... os movimentos ligados a ecologia multiplicaram-se nos últimos anos, mas o seu impacto é muitas vezes difícil de identificar. Tirando lições destas ações, o coletivo Désobéissance Ecolo Paris (Desobediência Paris Verde) acaba de concluir um livro que propõe substituir a ideia de transição ecológica pela de ruptura ecológica. A obra, fruto de uma iniciativa coletiva que reúne uma dezena de autores, está, portanto, tentando pôr fim às antigas fases ecológicas (transição, renúncia, fé na ciência) e, ao mesmo tempo, unindo suas várias tendências, entre ZAD e permacultura, colapso e crítica do capitalismo, resiliência e desejos revolucionários.
A reportagem é de Raphaël D, publicada por Mr Mondialisation, 27-07-2020. A tradução é de Natalia Firmino Amarante. A tradução foi revisada pelo Prof. Dr. Cesar Sanson.
Désobéissance Ecolo Paris (Desobediência Paris Verde) é um coletivo que reúne pessoas de diferentes áreas, oriundas de um amplo espectro de sensibilidades ecológicas. Criado no inverno de 2018, após a renúncia do ministro da Ecologia Nicolas Hulot, organizou as primeiras greves climáticas de estudantes em Paris. Agora com a edição de Ecologia sem transição, o coletivo deseja traçar os contornos de uma nova ecologia, alinhado às desilusões da juventude e às teorias do colapso.
A ecologia defendida pelos autores do livro procura se libertar de sua definição clássica, reapropriando certos conceitos e recusando outros. Em vez da ideia de um meio ambiente distante, estranho e à parte dos sujeitos que o habitam, ou de uma natureza sempre considerada vazia, desumana e desabitada; eles preferem o conceito de "ambiente" que designa a emaranhamento dos seres que nele vivem e que nele se desenvolvem. Mais do que falar em colapso, catástrofe ou desastre, eles escolheram o conceito de "devastação", mais representativo do processo agressivo, liderado por um sujeito identificável: a economia capitalista.
Eles também rejeitam a ideia de transição, o que poderia tornar o futuro menos preocupante ao sugerir que uma racionalidade de planejamento e gestão poderia nos salvar da devastação ecológica. Pois mesmo que o caminho à frente seja longo e difícil, o coletivo Désobéissance Ecolo Paris afirma: o mundo precisa de uma pausa. Precisamos romper com nossas dependências mais destrutivas através de atos coletivos de solidariedade e revolta, para bloquear o progresso da devastação o mais rápido possível.
A Ecologia sem transição quer acabar com os velhos chavões ecológicos capitalistas. Esta abordagem louvável, leva às vezes os autores a desqualificar certos esforços individuais que visam diminuir os efeitos devastadores do capitalismo, aqueles que propõem outras formas de produzir, consumir ou viajar. Assim, lemos que as iniciativas individuais de plástico zero a carbono zero "não só têm utilidade zero para o planeta, como também estão longe de incomodar". Se podemos realmente supor que as ações individuais por si só não irão derrubar um sistema, será que elas devem ser rejeitadas? Podemos prescindir desta consciência individual na elaboração de uma abordagem coletiva?
Esta crítica pode ser compreendida na medida em que estas ações tendem a reduzir seus autores aos consumidores, e freqüentemente fazem parte do mundo de transição vendido pelo mundo comercial, um movimento cuja crítica está no cerne do livro. Mas embora a ideia de ruptura seja certamente a melhor solução à urgência da situação, é lamentável que os esforços dos atores da transição, às vezes verdadeiramente transformadores em nível local, sejam reduzidos no livro a ações fúteis. A realidade é certamente mais matizada. Os autores omitem essas iniciativas, mas elas continuam sendo verdadeiramente essenciais e devem ser encorajados, pois não pode haver uma dinâmica coletiva sem uma massa crítica de indivíduos conscientes.
Posteriormente, os autores admitem que estes esforços podem fazer sentido se fizerem parte de uma transformação mais ampla, que seria o primeiro passo para uma dinâmica coletiva verdadeiramente significativa. Outras contradições deste tipo são encontradas no livro, o que é naturalmente explicado pela abordagem coletiva da escrita envolvendo uma dúzia de autores, e revisores dos movimentos Extinction Rebellion e Youth for Climate em particular. Este processo certamente encorajou a riqueza do texto, e especialmente a pluralidade de ideias, mas não teve o cuidado com certos excessos como a rejeição a abordagens ecológicas individuais menos radicais do que as defendidas pelos autores.
Esta armadilha também se encontra numa crítica muito interessante da ciência, ou melhor, de sua instrumentalização pelas instituições do capital, proposta pela Ecologie sans transition. A ciência é de fato amplamente invocada para justificar todo tipo de medidas políticas em favor da economia hegemônica. O risco associado a este campo é a crença no progresso técnico para corrigir a crise ecológica, o que nos priva de nossa capacidade de agir em favor de um modelo de intervenção na origem da devastação. É uma pena, porém, que o notável trabalho de certos cientistas independentes, notadamente na origem dos relatórios do IPCC, não tenha sido elogiado, ainda que esteja na origem de uma consciência lenta, indispensável para o avanço.
Além disso, a abordagem científica da ecologia, impulsionada por considerações de especialistas que um leigo tem dificuldade de entender, muitas vezes favorece uma visão contábil e gerencial dos ambientes vivos, o que favorece o desenvolvimento de uma nova tecnocracia. De fato, as propostas são frequentemente baseadas em processos técnicos que reduzem os problemas ecológicos a questões de gestão ambiental. Como a pesquisa não questiona a estrutura institucional e ideológica, ela está necessariamente alinhada (e financiada) muitas vezes com o modelo liberal global e seu predestinado crescimento econômico obrigatório. Este conhecimento científico deve, portanto, ser reapropriado a fim de propor uma visão do mundo que se liberte de planos de gestão técnica com objetivos distantes e inalcançáveis para se basear em vínculos imediatos mais sensíveis com o meio ambiente. Como dizem os autores, é uma questão de "habitar o mundo em vez de administrá-lo". Em outras palavras, projetar um mundo no qual a tecnologia não fique presa apenas a ideias de como manter o consumo de massa mesmo que de uma maneira mais "verde".
Os autores se engajam assim numa forte crítica ao capitalismo, que insiste no impasse que carrega dentro de si, resumido pela fórmula "crescimento ou crise". Denunciando a mercantilização do mundo, concluem que é necessário abolir as estruturas de dominação econômica, social e política que criam a devastação e dela vivem. Uma dessas estruturas é o sistema colonial. Apesar das ondas de descolonização, ela foi capaz de se manter presente por um conjunto de formas de controle político e exploração que degradam o meio ambiente. Um legado e um sistema do qual, na opinião dos autores, é urgente se libertar.
Mas ecologia sem transição também significa a abolição igualmente radical do patriarcado. O ecofeminismo permite assim pensar em uma luta conjunta entre feminismo e ecologia, alimentando revoltas contra a devastação do capitalismo e do patriarcado. As ecofeministas podem derrubar a hierarquia patriarcal para propor uma visão do mundo baseada em certos valores historicamente associados - se não na imaginação coletiva, então nas ações - ao gênero feminino, mas que são depreciados na sociedade: cuidado, escuta, atenção aos outros e aos ambientes de vida. Esta visão seria baseada na reapropriação destes valores em uma base comum não genérica que não pesará mais apenas sobre os ombros das mulheres.
Ecologia Sem Transição também dedica grande parte de seu texto à exploração e questionamento de soluções. A espera de uma mudança por parte dos Estados é um caminho impraticável para os autores. Subordinados ao funcionamento da economia mundial, eles só estão lá para estabelecer, manter e aperfeiçoar uma ordem social. Eles não podem, portanto, se livrar das restrições do modelo dominante para tomar medidas ecológicas que o colocariam em crise. A fantasia da secessão absoluta também é impossível. Como dizem os autores, "o isolamento do mundo da devastação, deixa do outro lado muitas pessoas".
Entre estes dois caminhos, precisamos criar autonomia política, emancipar-nos dos atores e instituições que nos oprimem em nível local e depois mais amplamente. Para recuperar o poder de ação, os autores se propõem a trabalhar para unir comunidades, grupos e organizações de todos os tipos para criar redes de autonomia. De um modo mais frontal e ofensivo, eles sugerem um uso subversivo das instituições, para colocá-las em benefício da resistência, e desejam desmantelar tudo que não pode ser reapropriado ou transformado ecologicamente: aparelhos industriais, infraestruturas energéticas, setores econômicos inúteis, etc. A ofensiva contra a devastação defendida pelos autores deve ser preparada, pensada a longo prazo e considerada estrategicamente de acordo com três áreas de lutas coordenadas: batalha cultural, bloqueio econômico e lutas locais. Em outras palavras, sua abordagem é, no mínimo, radical, como o nome do livro indica.
Ecologia sem transição, que completou com sucesso sua campanha de financiamento colaborativo, é, portanto, um livro particularmente rico em reflexões e propostas. Os conceitos propostos pelo coletivo Désobéissance Ecolo Paris são muitas vezes significativos, como o da devastação, mas sobretudo o da ruptura ecológica. Este último pode se tornar essencial em um momento em que a transição está sendo adotada por estados e empresas de todos os tipos. Uma transição que, nestas esferas, é muitas vezes muito mais um 'faz de conta' do que de um verdadeiro desejo de mudança.
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Ecologia sem transição, coletivo francês defende ruptura ecológica total - Instituto Humanitas Unisinos - IHU