Por: André | 20 Julho 2015
O enviado especial do presidente da República para a proteção do planeta e presidente da Fundação Nicolas Hulot explica os desafios da Cúpula das Consciências, que acontecerá em duas semanas em Paris.
A entrevista é de Emmanuelle Reju e publicada por La Croix, 07-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O que você espera da Cúpula das Consciências que deve acontecer em Paris nos dias 20 e 21 de julho?
Eu a vejo como um momento de parada e de reflexão coletiva antes da Conferência do Clima de dezembro próximo. Nós atravessamos uma crise de civilização que não diz seu nome. Se nós respondemos aos desafios que temos pela frente exclusivamente com instrumentos tecnológicos, jurídicos ou econômicos, não faremos outra coisa senão adiar o problema.
Nós precisamos de um questionamento espiritual e filosófico sobre as causas do impasse no qual nos encontramos. As autoridades morais que estarão reunidas nos dias 20 e 21 de julho vão nos ajudar a traçar um caminho em um mundo caracterizado por uma profusão de ciência e um déficit de consciência. Estamos prestes a escrever uma nova página da história humana.
Dito de outra maneira, você pensa que bastará substituir as energias fósseis por energias renováveis para resolver a crise climática?
A urgência impõe fazer isso, mas a mudança de um crescimento marrom para um crescimento verde não será suficiente. A humanidade também deverá se debruçar sobre as questões fundamentais. Qual é o sentido do progresso? Quais são as prioridades? A economia está a serviço do homem ou o homem a serviço da economia? O homem faz parte da natureza?
A tecnologia nos engole, nos induz ao movimento, mas não sabemos mais para quê. Nós temos que tomar altura, sair do barulho de fundo da nossa sociedade que não sabe mais discernir o importante do secundário.
Qual é a contribuição particular das religiões para esta reflexão?
Teria sido estranho se as religiões permanecessem no silêncio em um momento tão importante da história da humanidade, em que o destino especialmente dos mais fracos está em jogo. Para mim, as religiões devem estar à frente dessa luta que condiciona todos os combates de solidariedade. Se a crise climática e ecológica – que se traduz na diminuição dos recursos e na ruptura dos grandes equilíbrios naturais – se agravar, tudo aquilo a que estamos agarrados será destruído. É inevitável e natural que as religiões nos lembrem disso.
Com a encíclica Laudato si’, o Papa Francisco deu uma contribuição fundamental, ultrapassando mesmo as minhas expectativas. Sua encíclica faz uma análise holística da situação, sem concessões sobre as causas, os efeitos e os meios de sair dela. Esse texto corajoso dá especial importância a conceitos fundamentais como o de bem comum ou de família humana.
Os apelos e os discursos a favor da luta contra o aquecimento global se multiplicam. E, no entanto, a Shell foi autorizada a furar no Ártico e a Alemanha vai deixar de tributar suas centrais a carvão em nome dos empregos... Como reduzir o abismo entre os discursos e as ações?
Eu não tenho nenhuma receita milagrosa, do contrário não nos encontraríamos nesta situação e não teríamos perdido 25 anos. Após o tempo da tomada de consciência deve vir, no entanto, o tempo da coerência. Nós vamos ter que fazer renúncias e para isso devemos superar ao mesmo tempo alguns poderes econômicos e alguns costumes.
Os políticos terão de ser ousados na Conferência de Paris sobre o clima, em dezembro próximo (COP 21). Tudo o que permite questioná-los, recordar-lhes que neste momento da história eles têm os meios para agir, será, portanto, útil. Se os Prêmio Nobel, escritores, autoridades morais e religiosas falarem, penso que a mensagem acabará sendo ouvida.
Por que desafiar os governantes e não as multinacionais ou os cidadãos?
Eu mobilizo em todas as direções, quer sejam CEOs de empresas, atletas, militares, organizações, cidadãos. Alguns não estão esperando para agir. Mas suas iniciativas, por mais incríveis que sejam, permanecem sendo uma exceção, quando deveriam ser a regra.
Não basta ter boa vontade. Cabe aos legisladores formularem as leis. Elas estão em condições de se transformar em mecanismos da economia. É preciso inverter as coisas e fazer com que os políticos retomem o poder. Os governantes devem fixar um preço para o carbono e as multinacionais devem mudar seus investimentos para a economia de baixo carbono; a União Europeia deve adotar uma taxa sobre as transações financeiras para alocar parte da ajuda para o desenvolvimento, e milhões de pessoas seriam beneficiadas.
Agir sozinho é difícil, porque os atores econômicos deslocam-se de um lugar para o outro. Mas é possível estabelecer regras comuns na União Europeia, no G20 ou nas Nações Unidas. As tecnologias estão disponíveis; o dinheiro também, sob a condição de buscá-lo onde se encontra. Falta apenas um quadro comum que só os governantes podem definir.
Você está confiante no resultado da Conferência de Paris?
Eu não sou nem otimista nem pessimista. Em todo o caso, será difícil e é por isso que eu procuro situar cada um diante das suas responsabilidades. Colocar de acordo 196 partes sobre um texto global vinculante será tanto mais difícil se os 15 países que representam 70% das emissões mundiais de gás de efeito estufa não assumirem compromissos à altura das suas responsabilidades.
Eu espero também muito do G20, do qual fazem parte os 15 países em questão e que vai se reunir duas semanas antes da Conferência de Paris. Imagine se esses 15 países decidirem eliminar os subsídios às energias fósseis para ajudar os países do Sul para adquirirem tecnologias apropriadas e fixar um preço ao carbono... e você mudaria o mundo.
Para recordar, como você quer que nos livremos das energias fósseis num mundo que consagra cada ano 650 bilhões de dólares às subvenções e isenções ao gás, ao petróleo e ao carvão? Os maiores países emissores de gás de efeito estufa devem comprometer-se a eliminar progressivamente essas subvenções.
Você não teme que um acordo envolvendo 196 partes, cujos interesses são muitas vezes divergentes, poderia ser construído em torno do menor denominador comum?
É o risco. Ora, a situação exige um alto nível de ambição nos compromissos que serão assumidos em Paris. No Marrocos, alguém me disse: em Paris, vão decidir quem vai morrer ou não. As vidas dos nossos próprios filhos estão em jogo.
Desde que haja vontade coletiva, nós dispomos dos meios para dar um salto qualitativo para a humanidade inteira. Mas, para isso, requer-se redefinir profundamente um modelo econômico e um processo de globalização baseados atualmente na competição, na espoliação e na depredação. Nós temos que fazer as regras que nos obrigam à partilha e à cooperação.
A solidariedade não é mais uma opção. Nenhum país pode pretender viver em paz num mundo conectado e globalizado enquanto persistir a pobreza. Antes, era possível impingir os prejuízos sobre alguns sem que eles conhecessem as causas. Agora, o mundo sabe tudo e vê tudo. Adiciona-se à miséria um sentimento explosivo que é a humilhação, que é a cama de todos os radicalismos.
Ora, o aquecimento global é a última injustiça. Ela atinge em primeiro lugar as mulheres, os homens e as crianças já vulneráveis, que sofrem as consequências de um desenvolvimento do qual não se beneficiaram.
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“O aquecimento global é a última injustiça”. Entrevista com Nicolas Hulot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU