18 Mai 2020
"Aqueles que não conseguem recomeçar. Porque é certo que a raiva gerada pelo desespero econômico explodirá, não é preciso um adivinho", escreve Concita de Gregorio, jornalista italiana, em artigo publicado por La Repubblica, 15-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não é uma possibilidade. É uma certeza. A raiva gerada pelo desespero econômico explodirá, não é preciso um adivinho. Basta colocar o ouvido no chão, como se fazia no passado, quando não havia internet nem telefone, quando para entender era preciso ouvir e os sons transportados pelo vento eram claros: a multidão daqueles que não têm mais nada a perder já está em marcha.
Basta ler atentamente as notícias, procurar os vídeos de quem, com voz embargada, conta histórias no Facebook. Um assalto a um caixa eletrônico, uma, duas, dez vitrines quebradas para pegar aquelas poucas coisas que ficaram lá dentro. Um comerciante que atinge a golpes de martelo a sua loja, uma mãe de três filhos que não poderá voltar ao trabalho e promete: amanhã eu me acorrentarei com eles na frente da escola.
É uma certeza, e é por isso que mais que ofensivo é suspeito o grande exercício de disciplina a que estamos sujeitos há três meses, como alunos aterrorizados pela entrevista do carrancudo virologista do início da manhã, pelo novo decreto anunciado para as oito da noite, não, às oito e meia, talvez às nove. Fiquem parados. Agora nós vamos lhes dizer como fazer. Academias sim, mas, após o treinamento nada de chuveiros, igrejas pode ser, mas nem falar em escolas, muito menos em teatros. Banhos de mar, pode ser, desde que nunca fiquem parados. Façam o que lhe dissermos e, se não parecer lógico, não importa: quando crescerem, vocês entenderão.
Enquanto isso, coloquem suas máscaras: se desobedecerem e ficarem doentes, a culpa terá sido de vocês. Não, nada de testes, não servem para nada. Isolar apenas as áreas ainda em risco e liberar as outras, que ideia estúpida. Aplicativos para rastrear os contatos? Ah, sim, o aplicativo. Como usar, onde aprender? Mas agora muita atenção, porque vamos explicar o novo decreto Rilancio (Relançamento) que distribui dinheiro a todos; depois, faremos um novo decreto - em breve: no máximo em junho, o mais tardar no início de julho já que há tanto a fazer.
Então, sem mais burocracia, em agosto, vocês verão que todos os seus pedidos serão atendidos e o dinheiro chegará, não haverá hackers maliciosos bloqueando o site do INPS e, nesse meio tempo, as escolas terão sido reabertas, mas apenas algumas, não todas, quanto aos critérios depois a ministra verá e informará vocês.
Enquanto isso, os novos pobres da fila da Caritas dobraram de número, aumentaram cem vezes os trabalhadores contratados por temporada, ou seja lá como agora são chamados, pois é claro, se a loja estiver fechada, se o restaurante poderá acomodar quatro mesas em vez de quarenta, se a empresa reduziu a produção em 70%, como poderemos recontratar, estamos todos no mesmo barco. Não exatamente. Estamos todos na mesma tempestade.
A dirigir o trânsito, um governo que permanece no cargo apenas graças ao vírus, a maioria de diferentes que puxa a corda cada um para o seu lado, para o seu cálculo. E se o cálculo é ser visível por um momento, no terror do desaparecimento, então gritam: vamos derrubar tudo. Mas ninguém cai, não cai. Porque depois tem aqueles que os reelegem, que garantem seus assentos no Parlamento.
Não há um plano estratégico, não há uma visão do futuro nessa fornada de decretos preparados em ritmo de padaria. Quais são as prioridades? A indústria? A agricultura? O setor do turismo, o Made in Italy, a moda, a cultura? A arte? A arte que não apenas nos diverte, presidente: move bilhões e gera trabalho para milhões de pessoas em um país que não tem petróleo, tem música lírica. Não tem plantações de milho, tem o teatro de San Carlo e o Coliseu. E quais são as tutelas para aqueles que em algum momento terão que começar a pagar o aluguel, a hipoteca adiada e os livros escolares? São necessárias tutelas diferentes para problemas diferentes, porque a igualdade não é fazer a mesma coisa com todos – Irap (imposto ndt), por assim dizer -, mas calibrar as medidas de acordo com as necessidades.
Muitos anos atrás, em 2011, às vésperas da explosão do Movimento Cinco Estrelas, na política eu tinha colecionado uma série de histórias de frustração, decepção, raiva: elas estavam gerando o tempo que viria em breve.
Naquela ocasião, conversei com Remo Bodei, um filósofo que havia escrito um ensaio sobre a raiva. "O episódio que desencadeia a raiva é quase sempre irrelevante. É um sentimento aglutinante que se origina não da última, mas de todas as frustrações sofridas, as expectativas traídas, as esperanças frustradas. É como um funil que concentra os episódios que ocorreram ao longo do tempo". Então ele me disse outra coisa excelente, que eu gostaria de compartilhar novamente: "Razão e paixão não são lógicas e ausência de lógica: são lógicas diferentes. Aquela das paixões é simbólica, de symballein, unir. Une o que é separado. Aquela da razão é analítica e diabólica - de diaballein, dividir".
Nenhuma política é eficaz se não souber unir e dividir: combinar razão e paixão. Por fim: "O populismo se alimenta da raiva em ponto morto: a raiva gira sem marcha". Aqui está. A raiva em ponto morto. E muitas vezes, no passado, a grandes momentos de raiva se seguiram grandes repressões. Já conhecemos leis especiais em demasia. Homens novos em demasia, com chapéus de chifres de Asterix, cofre em suas vilas, um palco para gritar palavrões ou um vídeo para postar cantando no karaokê e, depois, os pálidos imitadores da esquerda, que ficou cada vez mais difícil chamar de esquerda.
Na última vez em que entrevistei Margherita Hack, penso muito nisso nestes tempos em que os cientistas tomaram o lugar, aliás já vazio, dos estadistas, uma pessoa do público lhe perguntou: existe a possibilidade de um asteroide atingir a Terra? "Não é uma possibilidade, é uma certeza", respondeu ela em seu doce sotaque florentino. E quais seriam as consequências? "Nada. A destruição da humanidade".
Não é um asteroide, é um vírus. Paralisia econômica, pobreza. É uma tempestade de decretos-meteoritos. É uma certeza.
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Nas raízes da raiva. Artigo de Concita de Gregorio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU