13 Mai 2020
No pós-guerra, Dámaso Alonso abriu sua obra Hijos de la Ira (Filhos da ira) com o verso: “Madri é uma cidade de mais de um milhão de cadáveres (segundo as últimas estatísticas)”. A voz de Paul Romer (Denver, Estados Unidos, 1965) chega com clareza, através do Skype, vinda de sua casa de Nova York, no Estado onde mais de 26.000 pessoas morreram pela covid-19.
Prêmio Nobel de Economia em 2018 e ex-economista-chefe do Banco Mundial, Romer busca desde março (com a ajuda da Fundação Rockefeller), através de equações e econometria, um modelo que permita conviver com o vírus sem fechar a economia. Pois sabe, como outro Nobel, este de Matemática, John Nash (1928-2015), que um mesmo problema pode ter duas soluções. Ou três, afirma Romer: isolamento só dos infectados, testes maciços e 100 bilhões de dólares (574 bilhões de reais) para financiá-los.
A entrevista é de Miguel Ángel García Vega, publicada por El País, 12-05-2020.
O senhor adiou a entrevista três semanas seguidas porque estava trabalhando num plano para reabrir a economia dos EUA. Como é a arquitetura desse plano?
A base do plano é que devemos usar testes e isolamento. Aplicar exames a todo mundo e isolar as pessoas portadoras do vírus. Se fizermos isso, poderemos controlar a pandemia e restaurar a confiança na recuperação econômica. Porque somente isolando a pequena parcela de pessoas que estão infectadas poderemos voltar à normalidade. Sem dúvida, a vantagem é que as demais pessoas continuarão trabalhando e seguindo com suas vidas.
Em seu blog, o senhor compara a possibilidade de realizar um exame de covid-19 com a facilidade com que se compra um refrigerante. Mas também diz que o sistema de saúde é tão complicado que não podem ser produzidos mais exames. Estamos aplicando suficiente senso comum para resolver essa emergência?
Às vezes, é complicado voltar ao essencial e nos liberarmos de toda a confusão. Uma ideia básica da economia é proporcionar às pessoas as coisas que elas querem. Neste momento, muitas pessoas querem os testes, e algo não está bem quando você não é capaz de proporcioná-los. A principal razão pela qual alguém como eu quer fazer o teste é para que as pessoas ao meu redor tenham certeza de que não estou infectado. Isso é o que as pessoas querem, e precisamos encontrar uma forma de oferecer isso.
O senhor afirma que, se os EUA querem voltar à normalidade neste verão, o Governo deve gastar 100 bilhões de dólares por ano para comprar 9 bilhões de testes anuais e reduzir seu preço. É possível?
Certamente. Neste país, isso corresponde a 10 dólares (57 reais) por teste. Representa 26 testes por pessoa fazendo exames a cada duas semanas, o que significa 260 dólares (1.492 reais) por ano. Se podemos pagar 130 dólares (746 reais) por refrigerantes por ano, podemos pagar esse valor pelos testes. A pergunta fundamental é: seria útil gastar 260 dólares? Claro que sim. Inclusive, em minha opinião, seria prático gastar mais do que isso. Este é o raciocínio. Não o que custa.
Conter o vírus ou salvar a economia? Podemos fazer as duas coisas?
Sim. Mas a única forma de recuperar a economia é controlando o vírus.
Os testes certamente são importantes. Mas por que pesam tanto?
Porque, para recuperar a economia, temos que garantir que as pessoas se sintam seguras e confiantes. É preciso ter um plano de gestão da pandemia que seja confiável, não apenas neste mês ou nesta semana. Investir em testes e isolar o pequeno número de pessoas infectadas são uma estratégia simples, fácil de explicar e que não abandonaremos. A outra opção é que todo mundo use máscaras em público, o que poderia prevenir a expansão e o retorno do vírus. No entanto, temos que ver se as pessoas estão dispostas a usá-las e se não vão tirá-las dentro de dois ou seis meses. Porque, se o fizerem, voltaremos à incerteza.
Outra opção se concentra na vigilância digital. Não lhe agrada?
Acredito que é algo com o qual as pessoas não se sentirão confortáveis. Pode gerar resistências e mal-estar. Tentar algo assim é uma perda de tempo. As pessoas estão morrendo todas as semanas, e estão perdendo renda econômica. Vamos implementar coisas que possam ser feitas de forma rápida. Alguém certamente poderia desenvolver um aplicativo, e as pessoas poderiam se unir de forma voluntária. Mas não podemos esperar para ver se isso é uma realidade.
Qual é o seu maior medo neste momento?
Que as pessoas pensem que voltamos à normalidade. Não voltaremos à normalidade. Isso não acontecerá de forma automática. Sem uma estratégia para lidar com a incerteza, com o medo, de uma maneira confiável, não veremos a recuperação econômica. Se a economia estiver em depressão durante meses ou anos, seria uma tragédia para as pessoas. Elas perderiam sua renda, suas casas, passariam fome. Mas também seria um drama para os países porque aumentariam as desigualdades sociais e a destruição dos sistemas políticos e do império da lei.
Imprimir dinheiro não é a solução?
Você pode imprimir o dinheiro que quiser. Mas não irei, por exemplo, ao meu dentista até saber que ele não tem o vírus. E o dentista provavelmente tampouco vai querer que eu vá se não tiver a mesma certeza.
Na Espanha o desemprego disparou. É um preço enorme que temos que pagar?
Certamente não. Se controlarmos o vírus, poderemos alcançar o pleno emprego e recuperar a atividade econômica.
Quanto durará o distanciamento social?
Tudo depende do controle do vírus, pois ele pode estar aqui para sempre. Podemos demorar cinco ou 10 anos para ter uma vacina que funcione. Devemos contar com um plano para manejar o vírus de forma indefinida. Distância social significa que você não pode ir ao restaurante, não pode ir ao parque, não pode visitar seu pai que está num lar de idosos. Isso é impossível de manter durante cinco ou 10 anos. Mas realizar o teste toda semana é algo facilmente sustentável.
Muitos analistas não souberam interpretar o crash de 2008. Estão errando de novo?
Se não nos mobilizarmos, a situação vai piorar em relação ao ponto de partida. Mas não há nenhum motivo de peso para que essa regressão aconteça. Como lhe dizia, este vírus circulará entre os seres humanos para sempre. Nunca irá embora. Precisamos manejá-lo e aceitá-lo. Ele é muito destruidor, mas temos a oportunidade de geri-lo e não podemos perdê-la.
Imaginemos que estamos em 1º de janeiro de 2021. Como será viver?
Dependerá de nós. Podemos ter a epidemia totalmente controlada se fizermos os testes e isolarmos os infectados. Além de recuperarmos a economia. Mas se olhamos para o outro lado, então esse dia, desse ano, será exatamente igual a hoje.
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“A única forma de recuperar a economia é controlando o vírus”, afirma Paul Romer, Nobel de Economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU