08 Mai 2020
Para o sociólogo François Dubet, a crise revela as desigualdades menos visíveis da sociedade francesa; os efeitos econômicos serão ainda mais perigosos que o próprio vírus.
François Dubet é diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales. Ele é autor, entre outros, de Le temps des passions tristes. Inégalités et populisme (O tempo das paixões tristes. Desigualdades e populismo (Le Seuil, 2019, coleção “La République des Idées”).
A entrevista é de Henrik Lindell, publicada por La Vie, 06-05-2020. A tradução é de André Langer.
Essa crise revela as desigualdades sociais?
Com certeza. Ela revela, sobretudo, as pequenas desigualdades. Com isso, quero dizer que os sociólogos, economistas, sindicatos e partidos frequentemente denunciam as grandes desigualdades ilustradas pelos super-ricos e o 1% dos mais ricos. Mas muitas vezes somos um pouco indiferentes às desigualdades menos óbvias: aquelas ligadas à locomoção, à moradia, ao acesso à conexão da internet, etc. A crise mostra que essas desigualdades são essenciais. Ela mostra que se você estiver confinado em uma casa ou um apartamento, a situação será muito diferente; que alguns pais podem ajudar seus filhos no trabalho escolar, enquanto outros não; que alguns são obrigados a trabalhar quando outros podem trabalhar remotamente e outros ainda estão impedidos e encontram-se em sérias dificuldades financeiras. Todas essas desigualdades eram um pouco invisíveis e agora estão se tornando muito importantes.
Certas profissões pouco valorizadas, como os cuidadores, estão se tornando de novo positivamente visíveis...
Sim, esse é o aspecto “legal” da crise. Estávamos convencidos de que havia profissões mais importantes que as outras: os executivos, pesquisadores, técnicos, engenheiros e financistas, etc. Agora descobrimos que toda uma série de atividades é realmente ainda mais essencial à vida social. A começar, é claro, pelo pessoal médico, mas também professores, caminhoneiros, agricultores, coletores de lixo... Há uma espécie de retorno à realidade da vida social. Em outras palavras, todos aqueles que nos disseram que não há futuro além de profissões muito sofisticadas, diplomas muito altos, profissões muito qualificadas, estavam enganados. Porque também precisamos das profissões mais “simples”, e essas talvez sejam ainda mais essenciais para a nossa sobrevivência do que as outras. Há uma considerável mudança de hierarquia.
Em um artigo publicado no Le Monde, você chama a atenção para o aumento dos sentimentos de injustiça. Devemos temer tensões, até violências, além dos problemas econômicos?
O aspecto sanitário da crise provavelmente não é o pior. Amanhã, na França, teremos três vezes mais pessoas desempregadas e um enorme aumento da pobreza. Em todo o mundo, o desemprego e a pobreza provavelmente matarão mais pessoas que o vírus. Haverá suicídios e violências. Nos países pobres, haverá fome. De acordo com um cenário otimista, alguns dizem que compreenderemos que devemos redistribuir as riquezas e que devemos ser mais solidários. Também podemos imaginar que descobriremos a necessidade de levar uma vida mais sóbria. Na Europa, até os pobres consomem muito, por assim dizer! Da mesma forma, nossa relação com a natureza pode evoluir positivamente.
Mas repito: este é apenas um cenário otimista. Receio fortemente que haja novamente um aumento do populismo e de reações violentas contra os estrangeiros, as elites e os idosos. Corremos o risco de ter um aumento do ódio. Esta crise provavelmente será pior que a de 1929. A virtude dos políticos desempenhará um papel primordial.
Os “coletes amarelos” voltarão?
Tenho certeza disso. Porque as razões para esse movimento ainda estão latentes. Mas as pessoas que estavam longe deles porque estavam na classe média um pouco protegida vão se descobrir “coletes amarelos”! Porque, qualquer que seja o cenário de amanhã, o padrão de vida cairá. O nível de proteção social cairá. Fatalmente. Porque toda a sociedade será empobrecida. Até agora, na Europa, vivíamos em sociedades europeias em que discutíamos sobre compartilhar a riqueza. Levanto a hipótese de que em um ano discutiremos sobre como compartilhar a pobreza.
Em alguns meios de comunicação, destaca-se a violência em alguns subúrbios. Devemos temer uma explosão?
Essas tensões são obviamente preocupantes. Mas, como sociólogo, fico bastante impressionado com o fenômeno inverso: não há tanta violência nos subúrbios em comparação com a situação normal! Certamente há pessoas que traficam drogas, que saem à noite e que cometem crimes. Isso é chato, mas não mais do que o habitual. Neste momento, os franceses estão indo muito bem no conjunto. Os europeus em geral são mais disciplinados.
Você está surpreso?
Digamos que a França é um país incrível. É um país muito nervoso. Gostamos de detestar o Presidente da República e as instituições. Mas, na hora de acontecimentos muito graves, sabemos mostrar muita solidariedade, como no caso dos ataques de 2015. Esse é também o caso neste momento. Quando foi preciso confinar prioritariamente os idosos, o reflexo natural de muitos foi dizer que era preciso evitar sobretudo o efeito discriminatório. Da mesma forma, houve poucas reações de estigmatização em relação a grupos minoritários, com exceção dos evangélicos em Mulhouse, que sofreram com o fenômeno do bode expiatório.
Basicamente, os franceses expressam seu desejo de solidariedade, e esse é o efeito do vírus. O choque associado a isso cria esse sobressalto. Minha preocupação é com o efeito da crise econômica. Quando o medo econômico prevalece, a busca pela solidariedade pode ser menos poderosa. Amanhã, centenas de milhares de estudantes universitários descobrirão que não há emprego. Amanhã é óbvio que haverá confrontos entre os subúrbios e os outros. Teremos movimentos de classe média que perderão certo número de privilégios, o que os deixará encolerizados. E isso vai ser muito difícil.
Para muitos, existe agora novamente uma forte necessidade do Estado...
Penso que estamos diante de um duplo problema. Por um lado, obviamente vamos precisar de mais Estado. Mas, por outro lado, nos daremos conta de que o Estado provavelmente não será capaz de fazer tudo a contento. Um exemplo: hoje, estamos pedindo ao Estado Providência que coloque os idosos em lares para idosos. Talvez descubramos que as sociedades que mantêm os idosos em casa se saem melhor do que aquelas que os colocam nessas instituições. Então, talvez tenhamos que ajudar as pessoas a cuidarem dos pais em vez de confiá-los às instituições. Poderemos nos dar conta de que a escola também deve funcionar de maneira diferente, que deve ser mais descentralizada, por exemplo. Em resumo, não está claro que também não haja a necessidade de reorganizar a vida profissional e familiar... O Estado não pode fazer tudo.
Se você tivesse que fazer um balanço dessa crise, que elementos já o impressionam?
O que surpreendeu a todos foi a fragilidade e a interdependência do nosso sistema econômico. Basicamente, descobrimos que uma epidemia que começa na China está arruinando a economia europeia, uma grande parte da economia americana e criando tensões internacionais extremamente fortes. De certa forma, descobrimos que a globalização é real. Embora muitas vezes tendíamos a saber que ela existia, mas que, a princípio, tinha aspectos positivos. Sabíamos que nossos telefones celulares e medicamentos eram fabricados na China e na Índia e que lhes vendemos aviões. O que funcionou muito bem. Mas, de repente, tudo desmorona.
Da mesma forma, acho que essa crise deixará um trauma psicológico extremamente profundo. Após dois meses de confinamento, os franceses estão exaustos. Estão com medo. E esse período vai durar muito tempo. Nesse contexto, líderes políticos que dirão que devemos fechar as fronteiras, expulsar os estrangeiros e sair da zona do euro, poderão ganhar as eleições. No entanto, o fechamento nacional será ilusório e insustentável. É, obviamente, a nível europeu que será preciso desenvolver mais soberania econômica.
Durante esse período de confinamento, muitos expressam a necessidade de encontrar-se com outras pessoas. Para você, o que se aprende quando se está em isolamento físico?
Estamos redescobrindo que a sociedade é boa em si mesmo. É bom encontrar as pessoas. A vida social tem valor em si mesmo. Talvez tenhamos esquecido isso um pouco.
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“A crise revela desigualdades que eram invisíveis”. Entrevista com François Dubet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU