23 Abril 2020
Ainda nas primeiras semanas da pandemia no Brasil , no dia 19/3, o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) publicou a Portaria 1.122, priorizando apenas áreas de tecnologia e inovação nos projetos de pesquisa. Dias depois, o MCTIC publicou a Portaria 1.329, em 27/03, alterando o documento anterior e admitindo a importância das ciências sociais e humanas.
Entretanto, segundo a nota Precisamos das Ciências Sociais e Humanas para compreender e enfrentar a pandemia de Covid-19, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o reconhecimento “não se traduz em ato”, já que não existem temas ou linhas de pesquisas que contemplem as humanidades e ciências sociais na chamada para “Pesquisas para enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves”.
O documento da Abrasco expõe que as ciências sociais e humanas são imprescindíveis no processo de entender e lidar com o fenômeno, já que é necessário examinar, por exemplo, o impacto do sofrimento na saúde mental dos brasileiros, ou “As variadas formas de violência desencadeadas ou intensificadas nesse momento de agravamento da crise econômica, de distanciamento social e de confinamento”.
A nota é publicada por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco, 22-04-2020.
Em que pesem todas as repercussões sobre a saúde e as vidas das populações, a pandemia de Covid-19 tem provocado reflexões sobre as formas de viver e de produzir, assim como sobre os valores e as instituições que sustentam a organização da sociedade. Esta pandemia também é responsável por recolocar, no cenário nacional e internacional, os saberes científicos como recursos valiosos no enfrentamento do novo coronavírus.
No entanto, este contexto também demonstra que:
(i) a saúde, enquanto estado vital, setor de produção e campo de saber, está articulada à estrutura da sociedade através das suas instâncias econômicas e político-ideológicas, apresentando, portanto, uma historicidade; e
(ii) as ações de saúde (promoção, proteção, recuperação, reabilitação) constituem uma prática social e trazem consigo as influências do relacionamento dos grupos sociais.
Desta maneira, as consequências da pandemia de COVID-19 não serão interpretadas e compreendidas se, além da dimensão biológica, não houver um rigoroso exame dos diferentes grupos sociais. Nesse sentido, o caráter interdisciplinar desse objeto demanda uma integração no plano do conhecimento de profissionais com múltiplas formações, incluindo as ciências sociais e humanas (CSH).
Esta abordagem multiprofissional e interdisciplinar, que caracteriza a Saúde Coletiva, deve ser convocada neste grave momento. As CSH se somam a esse esforço de enfrentamento da pandemia, quando lhes cabe examinar um conjunto de novas situações sociais e suas dinâmicas, tais como:
• As múltiplas transformações sociais e a orientação tomada pelas mudanças sociais no pós‐pandemia;
• O impacto do sofrimento sobre a saúde mental de indivíduos e grupos;
• As diferentes repercussões sobre distintos segmentos sociais em função das desigualdades sociais internas aos países e entre as nações;
• A acentuação da vulnerabilidade de grupos sociais específicos que já viviam situações agudas de exposição a outros fatores de risco socioambiental e econômico (como as populações indígenas, os imigrantes, as pessoas em situação de encarceramento);
• As variadas formas de violência desencadeadas ou intensificadas nesse momento de agravamento da crise econômica, de distanciamento social e de confinamento (violências estruturais, violências intrafamiliares, os suicídios);
• Os desfechos sobre as classes trabalhadoras (maior exposição à própria contaminação ao coronavírus, o risco de perda importante de renda e do desemprego);
• A ameaça de decisões autoritárias e extraconstitucionais com base na excepcionalidade da pandemia.
Neste cenário em que fica destacada a importância estratégica dos saberes das CSH, no Brasil, observam-se ações que buscam desqualificar e alijar as CSH no interior do campo dos saberes científicos.
Ao publicar a Portaria 1.122, em 19/03/2020, o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) apresentou suas prioridades para projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações (2020-2023), enfocando apenas as áreas tecnológicas e de inovação. No entanto, a Portaria 1.329, de 27/03/2020, alterou a portaria anterior e reconheceu a “característica essencial e transversal dos seus projetos de pesquisa [de humanidades e ciências sociais]”. Esse reconhecimento, todavia, não se traduz em ato, como verificado na chamada para “Pesquisas para enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves”. Nela, não há temas ou linhas de pesquisas que contemplem a investigação dos aspectos acima mencionados.
Diante do exposto, a Abrasco vem a público alertar que este tipo de exclusão pode ter consequências gravíssimas para a adequada compreensão das consequências da pandemia de Covid-19. Com base em análises incompletas, imprecisas ou, até mesmo, equivocadas, o Estado brasileiro não terá condições de formular políticas públicas e implementar ações que sejam capazes de mitigar e reparar os danos provocados por esta pandemia.
Acesse o documento aqui.
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Precisamos das Ciências Sociais e Humanas para compreender e enfrentar a pandemia de Covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU