10 Abril 2020
"Hoje, o mundo é chamado a escolher entre dois caminhos muito diferentes: encontrar uma maneira de aproveitar a globalização para alcançar um objetivo compartilhado ou recuar para um isolacionismo e um nacionalismo que determinarão o colapso da economia mundial e aumentarão as tensões internacionais. Os Estados Unidos no passado foram o único país com a autoridade política e econômica exigida para organizar uma resposta global. Na ausência de uma liderança forte da parte deles, as perspectivas parecem muito mais sombrias".
O artigo é de Steve Schifferes, professor de jornalismo financeiro da Universidade de Londres, publicada por The Conversation e reproduzida por Business Insider, 08-04-2020. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.
Muitos estão convencidos de que nada será como antes da pandemia de coronavírus e de que a sociedade, a economia e o papel dos governos mudarão para sempre. Segundo alguns, veremos surgir uma sociedade mais solidária e um novo modelo econômico vantajoso para todos e talvez um maior espírito de cooperação internacional, por exemplo, em relação às mudanças climáticas.
Até agora, a discussão sobre os efeitos econômicos dessa emergência se concentrou em medidas nacionais sem precedentes, adotadas para suprimir o vírus e segurar a economia, na esperança de que permita uma rápida recuperação assim que a epidemia tiver sido superada.
Mas a queda acentuada na produção começa a parecer cada vez mais com o início da Grande Depressão do que uma recessão de curta duração. As evidências epidemiológicas levar a pensar que possam ser necessários até dois anos, em vez de semanas ou meses, antes que se possam revogar todas as fortes restrições à atividade econômica atualmente em vigor.
Não sabemos ao certo quanto tempo a epidemia levará para se atenuar, mas as lições que podemos tirar da história sugerem que a cooperação econômica em nível global é necessária para conseguir uma recuperação econômica significativa. Se os governos decidissem continuar a erguer barreiras para proteger suas economias, como fizeram na década de 1930, poderiam provocar recessões nacionais que resultariam em uma depressão global ainda mais duradoura no contexto atual, caracterizado por profunda integração da economia mundial.
A crise ligada à pandemia marcará talvez um ponto de virada para a globalização? E se esse sistema falhar, quais seriam as consequências econômicas e políticas?
A globalização econômica que ocorreu a partir de 1950 transformou a economia global; contribuiu enormemente para a melhoria da qualidade de vida, mas seguiu um processo não homogêneo no qual muitos países e muitas pessoas acabaram perdendo. A dimensão desse processo varia do comércio de bens e serviços à migração internacional de trabalhadores e, mais recentemente, às finanças.
Cada um desses aspectos exigiu a obtenção de acordos internacionais (no caso do comércio) ou de um consenso de que a redução das barreiras em relação à imigração e aos investimentos globais teria sido benéfica para todos. À luz da devastação ligada à Segunda Guerra Mundial, o apoio à globalização havia se baseado em uma forte convicção de que, graças à cooperação econômica internacional, a eclosão de outro conflito teria sido menos provável. E para a maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos, a abertura da economia mundial apareceu como o ponto fundamental para conseguir um crescimento econômico, a fim de se contrapor ao chamado do comunismo.
A globalização resultou em vencedores e perdedores. O milagre econômico da recuperação europeia nas décadas de 1950 e 1960 foi seguido, na década de 1990, por milagres semelhantes em vários países orientais, do Japão à Coreia e China, nos quais os residentes das zonas urbanas alcançaram uma qualidade de vida próxima à do Ocidente. O boom reduziu o número de pessoas pobres no mundo para um bilhão de pessoas, localizadas principalmente na China e na Índia. A globalização parecia ter conquistado o mundo.
No entanto, desde 2000, o impulso político para uma maior integração econômica global enfraqueceu-se, enquanto cresceu a preocupação sobre os efeitos dessa integração na desigualdade. As negociações comerciais em nível global iniciadas naquele ano não deram origem a acordos, enquanto as reações negativas aos fluxos migratórios na Europa e na América tiveram uma influência de maneira determinante sobre a ascensão dos partidos populistas de direita. E os custos da globalização financeira, além de seus benefícios, emergiram claramente na crise financeira de 2008.
Embora o ritmo da globalização tenha realmente diminuído e o apoio político em relação a ela tenha se enfraquecido, nosso mundo está mais conectado hoje do que nunca. Para os agricultores e fabricantes de automóveis dos EUA, a China é o principal mercado. O papel do Reino Unido como centro das finanças globais é a espinha dorsal de sua economia. Países em desenvolvimento como Bangladesh e Vietnã dependem cada vez mais da exportação de vestuário. E o dinheiro que os emigrantes enviam para sua terra natal é essencial para a economia de muitos países pobres, das Filipinas ao Nepal e América Central.
A forte desaceleração nas duas maiores zonas econômicas do mundo, Estados Unidos e União Europeia, terá repercussões em toda a economia global, atingindo provavelmente de maneira específica os países pobres.
Mas, enquanto a crise econômica global em curso se aprofunda, as perspectivas de cooperação global que possam mitigar seu impacto parecem remotas. Os Estados Unidos, por exemplo, recentemente rejeitaram um plano de recuperação proposto pelo G7 porque seus autores não estavam dispostos a usar o termo "vírus de Wuhan" para descrever o Covid-19. Na ausência de acordos desse tipo, a crise econômica será mais longa e profunda e levará a uma maior desigualdade dentro e entre os países.
A globalização não é uma fera fácil de domar. A lição da crise financeira de 2008 foi que poucos países estavam realmente preparados para a cooperação econômica global, apesar das tentativas de acordo sobre um pacote global de estímulo durante as cúpulas do G20.
A pandemia de coronavírus agora acentuou ainda mais as recriminações e barreiras entre os países. Na União Europeia, os estados membros revogaram a livre circulação e ergueram unilateralmente barreiras nacionais para proteger seus cidadãos. Não houve nenhuma tentativa séria de compartilhar o peso econômico da situação, e a saída do Reino Unido da União aumentará ainda mais as barreiras comerciais. Além disso, a crise exacerbou a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, pois cada um atribui ao outro a culpa pela epidemia.
As lições que podemos tirar da história não são animadoras. As sociedades durante as pandemias costumam usar determinados indivíduos como bodes expiatórios, já deram a culpa aos estrangeiros e ergueram barreiras para o mundo exterior. Mais do que com o espírito bélico da Segunda Guerra Mundial, um paralelo mais perturbador poderia ser traçado com o que aconteceu entre as duas guerras mundiais, após a última pandemia global de gripe de 1918-19.
Embora não tenha sido a causa da recessão econômica entre as duas guerras, a pandemia preanunciou o que aconteceria no futuro. A economia global devastada pelos conflitos ruiu à medida que a crise era agravada pelas barreiras ao comércio, pela desvalorização competitiva das moedas e pela periclitante estrutura das finanças internacionais. Agora que nossas economias estão ainda mais interconectadas, não podemos nos dar ao luxo de recuar, contando com a autossuficiência para reativar nossas economias nacionais, como fizeram os Estados Unidos e a Alemanha na década de 1930. Aliás, o resultado final dessa abordagem na época não seria desejável neste momento.
Hoje, o mundo é chamado a escolher entre dois caminhos muito diferentes:
- encontrar uma maneira de aproveitar a globalização para alcançar um objetivo compartilhado
- ou recuar para um isolacionismo e um nacionalismo que determinarão o colapso da economia mundial e aumentarão as tensões internacionais.
Os Estados Unidos no passado foram o único país com a autoridade política e econômica exigida para organizar uma resposta global. Na ausência de uma liderança forte da parte deles, as perspectivas parecem muito mais sombrias.
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O coronavírus marcará um ponto de virada para a globalização? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU