28 Fevereiro 2020
"Certamente, os cristãos são chamados a dar uma forma prática, concreta, à solidariedade, à igualdade e à justiça. A caridade cristã sempre exige uma opção de humanização em absoluta gratuidade, sem ânsias de evangelização ou autopreservação da Igreja", escreve Enzo Bianchi, monge italiano, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita pastorale, março de 2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O artigo anterior desta seção despertou muitas reações, ainda que positivas, ao meu pedido de urgência de uma nova forma de "viver a Igreja". Pareceu-me, portanto, necessário continuar aquele discurso, com algumas proposições ou propostas para a evangelização hoje. Graças à revelação de Deus feita por Jesus Cristo, nossa fé chegou a dizer, através do apóstolo João, que "Deus é amor, caridade" (1Jo 4,8,16). Portanto, a fé cristã sempre tem como rosto a caridade, o amor que os cristãos devem viver no mundo no meio de outros homens e mulheres. E a Igreja deve ser o local da caridade visível de Deus entre os humanos. É significativo que Jesus nunca tenha buscado o reconhecimento de sua missão e da missão dos discípulos, mas ofereceu um critério muito simples e fundamental: "Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros" (Jo 13,35).
O único sinal, o único signo de ser discípulos e discípulas de Jesus, é dado não por atitudes religiosas de culto, litúrgicas, não por declarações de fé, mas simplesmente pelo "novo mandamento" do amor pelos outros. Este é o mandamento derradeiro e definitivo: "Amem-se uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,34; 15,12). A lógica dessas palavras é paradoxal. Jesus não dizia "Como eu vos amei, vocês me amarão". Não, ele diz: "Se amem porque, ao fazer isso, vocês me amarão". Não basta invocar o Senhor, não basta invocar a Sua Palavra, não basta comer e beber com ele na Eucaristia para ser cristão; é necessário viver a caridade como Jesus a viveu, até o limite, até a doação de sua vida a serviço às outras pessoas. Uma caridade praticada nunca de maneira repetitiva e esquemática, mas sempre reinventada e renovada nos gestos e nas ações. Precisamente por esse motivo, o juízo do Filho do homem sobre a humanidade de todos os tempos será baseado nas ações que todo ser humano terá vivido para com os outros. Jesus não nos adverte com um juízo sobre nossas fraquezas, mas sobre nossas omissões, quando encontramos (ou não encontramos) o outro, o necessitado, o faminto, o sedento, o estrangeiro, o pobre, o doente e o prisioneiro. É uma questão de ir ao encontro do outro, tentando discernir a sua necessidade, ouvindo o seu sofrimento, a sua invocação, até cuidar dele em uma relação hospitaleira em nome da gratuidade. Essa caridade vivida decide a verdade do pertencimento a Cristo.
Certamente, os cristãos são chamados a dar uma forma prática, concreta, à solidariedade, à igualdade e à justiça. A caridade cristã sempre exige uma opção de humanização em absoluta gratuidade, sem ânsias de evangelização ou autopreservação da Igreja. A concepção cristã de caridade é subversiva e pode ser "anormal" (palavras de Paul Valadier, jesuíta ex-editor da revista Études), no sentido de que permanece surda às vozes mundanas, à miragem da audiência e se destaca do que na história é vencedor e mais facilmente atestado. Não, portanto, dos cristãos fora do mundo, mas no mundo de outra maneira, no mundo sem ser do mundo; sem medos e sem exigir ser vencedores. A Boa nova que os cristãos são chamados a dar à humanidade é apenas aquela do amor oferecido incondicionalmente, um amor que nunca deve ser merecido.
Mas na missão, que esperança existe? Talvez essa seja a coisa mais difícil para o cristianismo hoje. De fato, toda a história da Igreja é marcada pelo testemunho da caridade, em especial para os pobres e os doentes.
Ninguém jamais duvidou dessa capacidade de caridade, inclusive hoje e também em nossas igrejas. Mas que esperança damos aos homens e mulheres de hoje? Vivemos um tempo marcado por muitos medos, um tempo em que se extinguiram e anestesiaram as grandes esperanças das ideologias e utopias secularizadas. O nosso tempo é frequentemente colocado sob o signo da crise, ou até mesmo do fim. A precariedade do presente e a incerteza do futuro alimentam os medos que habitam a nossa convivência - "novos medos", como escreveu o sociólogo Marc Augé - enfraquecem a confiança, paralisam a insurreição das consciências. O Papa Francisco pede insistentemente para combater e superar os medos como decisivo antídoto para se fechar em um horizonte individualista, asfixiado, dobrado sobre si mesmo e, portanto, absorvido em um turbilhão de egoísmo.
Imerso nessa situação, o cristão hoje é tentado a se refugiar primeiro em uma espiritualidade sedutora, cativante e eficaz, uma espiritualidade que consiste em apresentar a salvação como bem-estar individual. Estamos diante de um teísmo ético e terapêutico, que busca harmonia e bem-estar cotidiano e aspira ao conforto interior. A primazia é concedida a um Deus "Energia", à oferta de um moralismo ditado pela antropologia, à salvação como paz e calma interior. E é assim que a esperança, precisamente por estar encerrada em dimensões individuais, não é mais esperança, muito menos aquela cristã: ou se espera para todos, ou não se espera! Mas, então, que esperança anunciar em nossa missão cristã?
Estou cada vez mais convencido de que devemos partir da narrativa cristã por excelência: o amor vence a morte. Em várias culturas humanas, sempre se pensou, de várias formas, em um duelo entre amor e morte, eros e thanatos, os dois inimigos por excelência. Não é por acaso que o Antigo Testamento no Cântico dos Cânticos chega a afirmar que o amor pode combater a morte, mesmo que não chegue ao ponto de dizer quem sai vencedor. Detém-se na expressão: "O amor é forte como a morte" (Ct 8,6). Mas o anúncio cristão atesta exatamente a novidade sem precedentes de Jesus Cristo: tendo amado ao extremo, tendo operado fazendo o bem e entregando a vida pelos pobres, pelos sofredores, pelos oprimidos e pelos descartados da sociedade e os pecadores, não foi presa da morte. Deus o ressuscitou porque não era possível que aquele amor vivido fosse perdido. Forte como a morte é amor, mais forte que a morte foi o amor vivido por Jesus. Esse é o anúncio cristão, que também podemos dirigir aos não crentes, fazendo-os entender que a ressurreição é verdadeiramente o núcleo incandescente de toda a nossa fé em Jesus Cristo. A morte não é a última palavra; é isso que precisamos saber comunicar dentro de nosso anúncio evangelizador. Somente assim tornamos ainda Cristo não um mestre da humanidade ou da espiritualidade, mas aquele que é capaz de realmente salvar as nossas vidas.
Aqui estão alguns traços radicais de como deveriam ser nossa fé, nossa caridade e nossa esperança, para que o impulso missionário possa germinar. Os problemas são muitos: a cidade é cada vez mais pós-cristã, somos uma minoria na sociedade, cercados pelo reino da indiferença em relação a Deus e à Igreja. O mundo mudou. E minha esperança é que o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia em outubro passado, junto com o que está sendo celebrado na Alemanha, possa fornecer trilhas para todas as Igrejas. O problema, de fato, não diz respeito apenas àquelas Igrejas, mas diz respeito a nós: como inculturar a fé neste mundo globalizado e pós-cristão? Responder a essa pergunta requer colocar em foco os elementos essenciais do cristianismo, sem temores nem medos.
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Que esperança damos às pessoas hoje? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU