15 Fevereiro 2020
O Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz é um forte crítico de instituições globais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, apesar de ter sido economista-chefe deste último (ou talvez justamente por isso). Em seu novo livro, Capitalismo Progresista: la respuesta a la era del malestar, propõe avançar em uma alternativa ao neoliberalismo como caminho necessário para reduzir a desigualdade e salvaguardar a democracia, restabelecendo o equilíbrio entre os mercados, o Estado e a sociedade civil.
Antes de sua participação no Hay Festival Cartagena 2020, conversamos sobre as motivações dos protestos na Colômbia, o governo de Trump frente às eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos e o que representa em termos econômicos a emergência climática (assunto que analisa desde que fez parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC, nos anos 1990).
A entrevista é de Carlos Martínez, publicada por El Tiempo, 06-02-2020. A tradução é do Cepat.
São cada vez mais evidentes os riscos da emergência climática para a vida no planeta. Quais os desafios e oportunidades que as transições verdes representam para a economia mundial?
Penso que os riscos de não agir para superar a crise climática são enormes e cada vez mais claros. A magnitude da mudança climática - e enfatizarei isso - terá efeitos bastante significativos em nossas economias e em nossas vidas. E, às vezes, as pessoas se concentram apenas na mudança de temperatura, mas é todo um conjunto de outras coisas.
Por exemplo, há alguns anos, nos Estados Unidos, perdemos quase 2% do nosso PIB em razão de eventos claramente relacionados à mudança climática, como furacões e incêndios. O que vemos na Austrália é um exemplo de que o mundo está pegando fogo. As consequências são bastante evidentes. Há também o aumento do nível do mar, que fará com que áreas litorâneas fiquem submersas. Os danos serão enormes, as pessoas terão que se mudar, e falamos de centenas de milhões de pessoas, com as implicações que isso terá nas migrações e na segurança.
Por isso, acho que o Novo Acordo Verde proposto nos Estados Unidos e outras ações fortes são factíveis, isso, para dizer que acredito que podemos controlar o problema. Outra ação importante é o Pacto Verde Europeu, com o qual a Europa se compromete a alcançar a neutralidade de carbono até 2050, que considero ser viável e seria bom para a economia. Sendo assim, é possível ter uma economia verde e vibrante. Mas, é claro, haverá custos. Os mineiros de carvão perderiam seus empregos, mas seriam criados mais empregos na instalação de painéis solares. A inovação que as transições verdes trarão será muito boa. Tem o potencial de incluir pessoas marginalizadas na força de trabalho e estimular a economia.
No final deste ano, acontecerão as eleições presidenciais nos Estados Unidos, fazendo deste um bom momento para avaliar. Que avaliação faz do Governo de Donald Trump?
Obviamente, Donald Trump foi um desastre em muitos, muitos aspectos. Minou a dignidade da figura presidencial, e não acho que essas palavras devam ser subestimadas. Minou os princípios da democracia, o Estado de direito e a separação de poderes. Não entende os fundamentos do processo democrático. Seu ataque à verdade e à imprensa é uma das coisas em seu legado que levará mais tempo para ser corrigido, além do ataque às instituições. Tudo isso enfraqueceu a confiança e a cooperação global necessárias em uma economia globalizada como a que estamos.
Contudo, a ironia disso tudo é que a economia estadunidense também não está muito bem. O crescimento foi menor do que durante o governo de Obama, a criação de empregos foi menor e a expectativa de vida diminuiu. O número de pessoas sem seguro de saúde aumentou para 2 milhões. O déficit está subindo para um bilhão e é o maior déficit da história durante tempos de paz, sem contar a recessão. Sendo assim, está quebrando recordes, mas não no bom sentido.
Mesmo assim, Trump continua dizendo que temos a melhor economia. Isso é um problema porque quando alguém repete uma mentira muitas vezes, alguns podem acreditar que é verdade. As pessoas acreditarão em Trump ou acreditarão no que acontece em suas vidas? Se acreditarem no que acontece em suas vidas, entenderão que nossa economia não está tão boa. É claro, Jeff Bezos está indo muito bem, mas como eu estou indo? Quero uma vida sem seguro médico? Quero uma vida na qual meus filhos não podem ir para a universidade? São perguntas que devemos fazer antes de votar.
Algumas políticas recomendadas pela OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] à Colômbia (como as reformas de flexibilização do trabalho, privatização dos fundos de pensão e redução de impostos para grandes empresas) provocaram enormes mobilizações de descontentamento, no ano passado. Qual é a sua posição sobre essas políticas?
Bom, não conheço os detalhes exatos do que recomendaram, mas, sim, conheço recomendações semelhantes da OCDE para outros países e compartilho a preocupação de muitos dos ativistas na Colômbia. Então, vamos falar sobre elas.
Se você tem direitos de negociação coletiva fragilizados e sindicatos fracos, se retira as proteções, os salários cairão e as desigualdades crescerão. E é interessante, porque a Europa está indo na direção oposta. A Comissão Europeia disse que estimulará mais a sindicalização e fortalecerá a negociação coletiva, não a fragilizará.
Esse é um ponto, qual é o outro?
A reforma previdenciária.
O Chile ilustra o que acontece com os programas de fundos de pensão privados. Foram anunciados como o maior sucesso até que se tornou o maior fracasso com a crise de 2008. Às vezes, isso é analisado como uma questão de equilíbrio entre os três pilares do sistema previdenciário. O primeiro pilar é o fundo público de pensões, que deve ser proporcionado pelo governo e deve ser forte.
A privatização dos fundos de pensão não teve êxito e a única coisa que tende a fazer é maximizar os lucros dos bancos e do setor financeiro. Acredito que há um consenso geral de que isso é um fracasso.
Qual é a terceira recomendação?
A redução de impostos para as grandes empresas.
Eu acho que também é um erro.
Vivemos em um mundo competitivo? Sim. Mas, mais importante do que ter baixos impostos é ter uma boa infraestrutura, uma força de trabalho instruída, um Estado de direito, e você deve pagar por isso. Sendo assim, é preciso equilibrar os impostos. Você preferiria viver em uma sociedade onde os impostos são baixos e não há crescimento econômico? Ou onde os impostos são altos e há crescimento? A resposta é óbvia. Por que as empresas vão para os Estados Unidos? Por que vão para a Califórnia, um estado com altos impostos? Porque contam com pessoas instruídas e porque existe o Vale do Silício. E o Vale do Silício não existiria sem a Universidade de Berkley e sem Stanford.
A visão de baixar impostos para grandes empresas é unilateral. Obviamente, se há a tributação e o dinheiro é desperdiçado, isso é ruim. Mas se há tributação e se investe, isso é algo bom.
Em relação à arquitetura dos impostos, minha posição é que, em geral, precisamos de um acordo global para aumentar a taxa de impostos das multinacionais e deter a evasão fiscal por parte delas. José Antonio Ocampo, economista colombiano, preside a Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT, na sigla em inglês), da qual participam economistas de primeiro nível, como Thomas Piketty, e recomendamos que em nível mundial a alíquota dos impostos aumente no mínimo 25% para as grandes corporações. Sendo assim, seguiria a ICRICT e não escutaria as recomendações da OCDE, ao menos não nessa matéria.
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“Eu não escutaria as recomendações da OCDE”. Entrevista com Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU