18 Janeiro 2020
Dois papas frente a frente: a ficção apropriou-se recentemente dessa situação em um filme e uma série, cada qual propondo uma visão original da Igreja e de seus mistérios.
A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 15-01-2020. A tradução é de André Langer.
Durante muito tempo, era apenas uma adivinhação inocente: “O que dois papas dizem um ao outro quando se encontram? – Nada, já que existe apenas um papa!” Desde 2013, não é mais uma piada, mas o fascínio pela situação permanece intacto. Nos jardins do Vaticano, dois papas podem se encontrar e conversar. A questão permanece: o que eles dizem um para o outro? E acima de tudo, o que pensam um do outro? Não demorou muito tempo para a indústria do entretenimento se apossar da imagem e de seu potencial de fascínio para oferecer variações iconoclastas na tela.
No final de dezembro, o brasileiro Fernando Meirelles desembarcou na plataforma Netflix o filme Dois Papas, uma crônica promissora, mas bastante decepcionante, que imagina um encontro entre um Bento XVI prestes a renunciar (Anthony Hopkins) e Jorge Mario Bergoglio, futuro Francisco (Jonathan Pryce). E desde o dia 13 de janeiro, o Canal+ está transmitindo na França – após uma grande campanha publicitária – a série O Novo Papa, do diretor italiano Paolo Sorrentino, que promete um duelo na cúpula da Igreja entre dois papas fictícios, Pio XIII (Jude Law, já presente na primeira temporada, The Young Pope, em 2016) e João Paulo III (John Malkovich).
Se o argumento de partida de cada uma das duas obras parece semelhante, o resultado final é diametralmente oposto. Dois Papas oscila permanentemente, e sem transição, de quase documentário para pura ficção, sem nunca decidir entre os dois, para a maior confusão do espectador. Isso se dá pelo desequilíbrio entre a interpretação, mimética e magistral, de Jonathan Pryce e de Anthony Hopkins, que passa inteiramente à margem da personalidade de Joseph Ratzinger. Sob suas feições, Bento XVI torna-se ambicioso e irritadiço, atormentado e sombrio, em vez de ser tímido, retraído, que sofre para decidir e se comportar como líder – traços de caráter aos quais atribuímos muitas das dificuldades do final de seu pontificado.
O filme atinge a nota certa, no entanto, em colocar em imagem a solidão e o diálogo que se desenvolve entre esses dois homens muito diferentes, unidos por um destino comum. Para Bento XVI, essa solidão é representada pela voz recorrente do marcapasso que, em silêncio, ordena que ele ande em intervalos regulares. Assim, nós o vemos curvado sob o peso dos problemas e escândalos atuais. A solidão de Francisco é antecipada no excelente flashback de seus anos de “deserto” em Córdoba, na Argentina, quando deixa suas responsabilidades como provincial dos jesuítas e se torna novamente um simples pároco, confessor, que questiona profundamente sua autoridade espiritual. Com certa cautela e uma distância crítica, as duas horas do filme compensam pelo olhar que elas possibilitam colocar nesse singular ofício de papa.
Diferentemente do filme de Meirelles, O Novo Papa não tem nenhuma pretensão de realismo. Este viés é plenamente assumido por Paolo Sorrentino. A intriga dessa sequência se abre com o coma em que se encontra o muito conservador Papa Pio XIII da primeira temporada. Sob pressão, um conclave foi finalmente convocado, que resultou na eleição de um Francisco II de inspiração franciscana. Qualquer semelhança... você sabe o resto. Adorado pela mídia e odiado pela cúria, ele morreu repentinamente algumas semanas depois, em circunstâncias misteriosas.
Um segundo conclave é convocado: desta vez é um aristocrata inglês que ascende ao trono de Pedro, sob o nome de João Paulo III. Intelectual mais do que político, esse papa que se recusa a sujar as mãos ao enfrentar as “coisas humanas” acaba sendo manipulado por cortesãos uns mais corruptos que os outros – “o verdadeiro papa é quem conhece os segredos do papa”, afirma cinicamente um deles. Enquanto aguarda o inevitável retorno de Pio XIII: muitos se balançam ao som de sua respiração, transmitida ao vivo pelo rádio, esperando seu despertar do coma...
Mas por trás desse desfile de batinas brancas, o verdadeiro tema do diretor é o mal. O mal que, se pode, às vezes, ser adornado com o traje da sedução, não pode esconder por muito tempo seu verdadeiro rosto atrás das maquiagens: triste, repulsivo, espantoso. Para isso, Sorrentino não hesita em puxar todos os fios do escândalo: algumas cenas são chocantes, mas as provocações mais delirantes contêm perguntas que parecem muito verdadeiras.
Um papa que não pode mais exercer seu ministério, porque é incapaz de fazê-lo, deixa de sê-lo? Até que ponto um santo pode ser um pecador? Qual é a fronteira entre o pecado e a corrupção? Deus “ama” alguns papas mais do que a outros? O que é a idolatria? Qual é o preço espiritual dos ajustes diplomáticos e políticos necessários no governo da Igreja? Paolo Sorrentino assina, mais do que uma grande série sobre os mistérios do poder no Vaticano, um mergulho metafísico nos abismos da alma humana, ofegante como um filme de suspense, servido por planos cuidadosos e um elenco dos sonhos.
Entre o semirrealismo e a ópera punk, os duelos de papas em pequenas e grandes telas são indubitavelmente inspirados na situação sem precedentes em que a Igreja Católica se encontra mergulhada desde 2013. E, paradoxalmente, não é de se excluir que esses confrontos, inundando a cultura popular e o imaginário coletivo, venham dramatizar um pouco mais os debates que agitam o menor Estado do mundo.
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“O Novo Papa” e “Dois Papas”: duelos de papas em séries - Instituto Humanitas Unisinos - IHU