19 Fevereiro 2017
Reproduzimos a seguir os comentários de Matthew Sitman, editor associado da Commonweal, e Dominic Preziosi, editor digital, sobre a minissérie The Young Pope, da HBO, publicados por Commonweal, 10-02-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
É possível ler a primeira discussão, dos episódios 1 a 4, aqui e a segunda (episódios 5 e 6), aqui.
Eis os comentários.
Então, Matt, desta vez começo perguntando o seguinte: É bom ou ruim a HBO liberar dois episódios do The Young Pope por semana? Por um lado, é muito pontificado jovem para aguentar; por outro, o final fica cada mais próximo.
Meu sentimento geral após assistir aos episódios 7 e 8 é que as partes não estão muito amarradas. Personagens, linhas narrativas e histórias secundárias continuam surgindo de maneira estranha, em uma camada estilística que parece mais fina e menos uniforme do que na análise inicial. (Quantas referências oníricas e alucinatórias à Pietà cabem em uma série de TV?!) Mas há quem veja algo a ser desenvolvido, que nos faz crer que The Young Pope traz um banquete atraente e super sexy de razões para retornar sem remorsos ao catolicismo "tradicional": os chinelos vermelhos, o saturno de abas largas, a tiara papal! Você entende? Você entende?!? E há quem pense que tudo isso é uma crítica desdenhando essa tradição: não é por acaso que toca "Sexy and I Know It", do LMFAO, enquanto Pio XIII se prepara para seu encontro com os cardeais; foi um show performático, não sinal de triunfo. Claro, isso sugere ainda que é inútil projetar esperanças no protagonista fictício da série, ou ver nele qualquer agenda política em particular. O diretor Paolo Sorrentino é italiano, e considerando a abordagem leviana e desdenhosa da Cúria e as incoerências teológicas da série, ele se assemelha a muitos italianos a respeito da religião de seu país: o que é que eu tenho a ver com isso? Da mesma forma, isso também pode explicar a popularidade de The Young Pope na Itália.
Ainda assim, seria bom se houvesse um pouco mais de coesão dramática e narrativa. Eu disse que gostaria de ver mais James Cromwell (Cardeal Spencer) em um comentário anterior, e no episódio 7 realizei meu desejo. O enigmático Voiello e o ofegante Caltanissetta aproveitam o conselheiro espiritual de Pio XIII, que teria sido papa se ele não tivesse assumido o posto, para se tornar pontífice após a iminente e inevitável renúncia de Lenny. Os cardeais italianos beijam seu anel, uma cena seguida pela fantasia de Spencer de receber calorosamente as multidões reunidas na Praça de São Pedro: "Ciao, Roma!" Não é preciso dizer que nada disso acontece e Cromwell/Spencer volta ao seu devido lugar de coadjuvante.
Isso é apenas um conflito que se apresenta e é descartado neste compacto episódio de quarenta e cinco minutos. Pio - ainda papa, apesar de tudo - curte o bebê Pio com seus pais no apartamento deles. Ele se dispõe a trocar a fralda do bebê para que eles possam continuar assistindo a um cover de "Hallelujah", de Leonard Cohen, em um reality show, que previsivelmente funciona como a trilha sonora da sequência a seguir. Então, Pio descobre que seus pais, que não o veem há muito tempo, entraram em contato com o Vaticano e querem conhecê-lo. Primeiro somos levados em um flashback a uma cena idílica com hippies vestindo fantasias de Halloween, desta vez em um pequeno lago em um lugar paradisíaco, obviamente, não é?! Em seguida, o casal conservador de cabelos grisalhos (depois de quarenta anos) que chega para encontrar o novo Papa literalmente não passa no teste de seu olfato: o cheiro da nuca da mulher revela que tratam-se de impostores. Enviados por quem, você deve estar se perguntando, e por quê? Tudo será revelado. (Foi Irmã Mary. Porque ela queria que Pio superasse seu passado e se tornasse o melhor papa possível.)
Enquanto isso, o cardeal Andrew, companheiro de orfanato de Lenny, está descontente com Pio, a quem ele culpa pelo suicídio do futuro seminarista. Sua desilusão se manifesta quando ele bebe até cair em uma festa da sociedade, onde ele gargalha por causa de uma tentativa de sedução e cai na piscina antes de ser quase estuprado pelo jovem que o levaria aos seus aposentos no Vaticano. É tudo ainda mais estranho do que parece, e ainda mais para Andrew, que parte para sua "casa" em Honduras - como culpá-lo? -, onde encontra sua amante no aeroporto. Ela tem uma má notícia: seu marido traficante sabe de tudo sobre eles e está lá, no carro. O que se segue, no entanto, é uma cena que aumenta mais um pouco essa atmosfera de novela, em que o bandido explica por que quer punir Andrew. "Eu teria lhe respeitado mais", diz ele, "se tivesse recusado os sacramentos para mim, que é o que um padre deve fazer". Isso é realmente o que os padres fazem e, na verdade, muitos pagaram por isso com suas vidas: somente no México, quase quarenta foram mortos desde 1990 por contrariar os líderes de gangues, seja por se recusarem a batizar algum de seus filhos ou a celebrar o casamento de alguma filha. Mas Andrew é culpado pela ofensa mais comum e previsível, e é por isso que ele deve pagar. É uma sequência tensa e até emocionante, em que a violência real do encontro fica fora do vídeo, sendo talvez ainda mais impactante por isso.
Depois, há indícios de um romance crescente entre Voiello e Irmã Mary. Nesta altura, por que não? Assim, eles podem santificar sua relação de pais adotivos do papa.
O episódio 8 nos leva a Castel Gandolfo e um pequeno país africano, parando a jornada de Pio XIII e, talvez, Matt, você consiga adivinhar o significado disso.
- Dominic
Bem, Dominic, eu não tenho certeza das minhas respostas sobre esta série cada vez mais doida e imprevisível. Como você disse, "as partes não estão muito amarradas", é verdade. Mas a própria estranheza disso tudo, os elementos excêntricos de The Young Pope, continuam me encantando. A série continua tendo um grande apelo visual e uma ótima trilha sonora. O que posso dizer? Simplesmente amei os episódios 7 e 8, especialmente o último, apesar de não saber mais para onde a série está indo. O que importa é a viagem, e não o destino,como diziam os pais hippies de Pio.
Grande parte dos primeiros episódios de The Young Pope significou esperar: esperar o Papa Pio abordar os fiéis na Praça de São Pedro; esperar que ele se dirigisse aos cardeais; esperar para ver o que viria de todas as confusões de que ficamos sabendo. E agora, de repente, veio uma enxurrada. Como você bem lembrou, Dominic, o episódio 7 teve assassinato e intriga, uma tentativa de estupro, notícias falsas de pais impostores, o "romance" entre Voiello e Irmã Mary, um plano para o Cardeal Spencer tornar-se papa, e muito mais!
No episódio 8, o papa viaja para a África; território novo para a série, digamos. Pio precisa de uma boa imprensa. Ele precisa chegar lá, mudar a conversa. Sofia - a consultora que por algum motivo tem acesso irrestrito ao papa - tem um plano: ele deve visitar Irmã Antonia, que está celebrando o trigésimo aniversário da primeira "Vila da Bondade" que ela fundou. Pio também vai à celebração, assim como os jornalistas,e o papa misterioso e reacionário finalmente é visto mais favoravelmente. Filantropia, crianças africanas, boa oportunidade para tirar fotos; o que poderia dar errado?
Eu também adorei o dublê de Philip Roth, que passeia com Pio: Elmore Cohen, o escritor favorito do papa. Cohen pensa que o que importa na vida é sexo - é a isso que ela se resume. Pio parece pensar que ele está no caminho certo. É uma cena ótima e inesperada. O papa tem um escritor favorito?
Ele se baseia no Philip Roth? Eles se encontram e passeiam juntos? Com certeza! Eu não sabia que Pio gostava de literatura, mas como cena cinematográfica eu adorei. O tema da conversa parece de grande importância, complexo até. Veremos. Talvez fosse para nos questionarmos se o cristianismo alguma vez realmente "entendeu" de sexo. Ou talvez seja uma cena descartável.
Agradeço pelo aviso, como Dominic escreveu, sobre a inutilidade "de projetar esperanças no protagonista fictício da série, ou ver nele qualquer agenda política em particular". Tentei entrar nessa um pouco na semana passada quando mencionei que as escolhas elaboradas de figurino a la Cardeal Burke não levariam de volta ao mundo desaparecido da igreja pré-Vaticano II. Eu não acho que devemos ver Pio nas vestes formais e levar isso a sério - como você diz, é mais uma questão performática do que qualquer outra coisa.
Apesar dessas razões de desconfiança - razões para não encontrar tanto significado nas ações deste papa -, o episódio 8 realmente fez com que eu me questionasse sobre o que exatamente está acontecendo com Pio. Embora o papa acabe na África, primeiro o encontramos no fundo de uma piscina orando por seu amigo agora falecido, Andrew. Quando Pio volta, eu não pude deixar de pensar no batismo - um óbvio símbolo cristão. Mas também temos outras razões para pensar que Pio pode estar começando de novo. Ele come uma banana em cena. Será que é a primeira vez em que ele come, Dominic? E, acima de tudo, em um diálogo que parece sério, Pio acaba buscando o conselho de seu velho mentor, Spencer. O papa precisa de aconselhamento espiritual, e Spencer afirma que há "outro caminho", diferente do que ele está seguindo. Ele diz que não é incomum para os sacerdotes perderem a sua fé e seu empenho na meia-idade. O segundo chamado, diz Spencer, é mais difícil do que o primeiro, mas essencial. Há um caminho a seguir, uma saída deste período espiritualmente ocioso. O velho cardeal - que está doente - dá um conselho: ir a Veneza e enterrar dois caixões vazios.
No final da viagem do papa à África - em que descobrimos que Irmã Antonia não é tão legal assim - há uma cena que eu ainda não sei como interpretar, mas que acabo conectando ao conselho de Spencer e à possível reviravolta de Pio. Como muitas outras coisas na série, é estranho: há personalidades no palco de um pequeno estádio e chega o líder do país africano (sem nome). Ao lado dele há uma cadeira vazia, e todos estão esperando por Pio, que não chega nunca. Mas ouve-se sua voz pelo alto-falante: "Aqui é o sacerdote de Cristo, Papa Pio XIII".
Então Pio descreve a guerra, a morte, a fome e a violência estragando a terra. E diz o seguinte:
Todos nós temos culpa. Todos nós temos culpa pela guerra e pela morte. Sempre. Da mesma forma como todos nós podemos ser responsáveis pela paz. Sempre. Pergunto a vocês de joelhos. Estou pronto para morrer por vocês, se vocês forem responsáveis pela paz. Eu sempre digo às crianças que me escrevem do mundo todo: pensem em todas as coisas que vocês gostam: isto é Deus. As crianças gostam de todos os tipos de coisas, mas nunca vi nenhuma dizendo que gosta da guerra. Agora olhe para quem está ao seu lado. Olhe com alegria nos olhos. E lembre-se do que Santo Agostinho disse: se você quiser ver a Deus, você tem os meios para fazê-lo. Deus é amor.
Eu, por outro lado, não vou falar sobre Deus enquanto não houver paz, porque Deus é a paz, e a paz é Deus. Dê-me paz e eu lhe darei Deus. Você sabe o quão maravilhosa é a paz - e não tem ideia do quanto pode ser desconcertante. Mas eu sei. Porque eu vi quando tinha oito anos, nas margens de um rio no Colorado. A paz.
Após o breve discurso, com o papa e o contingente de jornalistas já viajando no avião papal, Pio passeia pelo corredor escuro, onde a maior parte da imprensa está dormindo. Um jornalista, ainda acordado, vê o papa e comenta que sua fala foi linda.
Também achei." Mas será que foi mais do que isso? Uma parte de mim acha que devemos levar suas palavras a sério. Pelo menos estas.
Bem, talvez. O que era aquela música ao fundo? Um cover lento e inconstante de "Halo", da Beyoncé. E como acabou essa ladainha toda? Com um flashback onírico de seus pais hippies, quase cômicos. E eles realmente representaram Irmã Antonia como uma lésbica cruel que apoia a ditadura militar e junta a água potável do país? Sim, certamente.
Assista ao trailer:
Nota da IHU On-Line: A série pode ser vista clicando aqui.
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'The Young Pope' Episódios 7 & 8: uma nova esperança? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU