09 Novembro 2016
"Quem é você, Lenny?", pergunta o padre confessor. "Sou uma contradição: como Deus, uno e trino; como Nossa Senhora, virgem e mãe; como o homem, bom e mau". Bastaria essa troca de palavras para descrever Lenny Belardo, o papa imaginário interpretado por Jude Law em The Young Pope, série de dez episódios assinada pelo diretor Paolo Sorrentino, Prêmio Oscar, transmitida na Itália pelo canal Sky Atlantic desde o dia 21 de outubro passado.
A reportagem é de Andrea Franzoni, publicada por Settimana News, 03-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
The Young Pope conta as vicissitudes de Lenny Belardo, um jovem cardeal estadunidense de 47 anos eleito papa sob o impulso do secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal Angelo Voiello (Silvio Orlando), que viu em Lenny um homem facilmente manobrável.
Tendo subido ao sólio pontifício com o nome de Pio XIII, Lenny, no entanto, demonstra ser um homem controverso e pouco inclinado a se deixar mandar. O papa de Sorrentino é intransigente, irritável, vingativo e tem uma memória prodigiosa.
The Young Pope era um projeto muito aguardado e obteve um grande consenso por parte da crítica desde a sua apresentação de estreia no Festival do Cinema de de Veneza de 2016. Trata-se de uma produção de prestígio que vê esforços conjuntos de gigantes do entretenimento via cabo como Sky, HBO e Canal+.
A estreia de The Young Pope foi a melhor de todas no Sky, repetindo o sucesso de séries cult como Game Of Thrones e True Detective. As resenhas dos primeiros episódios falaram, por um lado, de uma "revolução copernicana no âmbito das séries de TV", enquanto, por outro – sobretudo no lado da informação católica –, o programa foi julgado "irritante e às vezes blasfemo".
Na verdade, The Young Pope não é nem um nem outro. No âmbito das séries de televisão, acima de tudo made in USA, muitas das séries de TV atuais já não têm nada a invejar dos filmes para a grande tela. Basta pensar em uma série como The Knick, do diretor Steven Soderbergh, também Prêmio Oscar. Por outro lado, em The Young Pope, a crítica à Igreja e ao seu sistema de governo são um elemento marginal, embora estando presentes.
A série é, principalmente, um ambicioso projeto comercial. Não por acaso foi produzida por redes como a HBO que, apesar da altíssima qualidade das suas produções, nos últimos anos, registrou quedas notáveis de audiência.
A partir desse ponto de vista, The Young Pope alcançou o seu propósito. A série foi vendida antes mesmo da sua estreia em mais de 80 países.
Do ponto de vista temático, é preciso esclarecer que a série de Sorrentino não é uma ficção religiosa e não tem ambições teológicas particulares. Ela pretende refletir sobre o poder e, em particular, sobre a sua visibilidade, e, para um cineasta atento à forma como Sorrentino, não podia haver sujeito mais estimulante do que a Igreja, o seu governo e a figura do papa.
The Young Pope põe em cena o desafio da representação do invisível. Pio XIII é a encarnação dessa contradição, um homem que prefere relações formais às amigáveis, porque onde há aquelas há ritos e onde há ritos reina a ordem terrena".
É revelador, nesse sentido, o diálogo entre o papa e Sofia Dubois, responsável pelo marketing e pela comunicação do Vaticano. A mulher tenta explicar ao papa a sua estratégia para empregar a sua imagem em diversos objetos de merchandising. O Papa Belardo a interrompe secamente, explicando que ele não tem imagem e que toda a sua vida foi gasta na tentativa de se tornar invisível: "Eu não sou ninguém. Só Cristo existe".
Como alguns importantes artistas do século XX, Pio XIII não quer ser visto, não pretende ser fotografado. Apenas a obra artística, que, neste caso, é a Igreja, deve prevalecer. Daí a ideia de proferir o seu primeiro discurso à Praça de São Pedro com luzes que deixam entrever apenas a sua silhueta, obscurecendo o seu rosto. A cena é muito eficaz e esclarece o projeto estético-filosófico de Sorrentino, que, na figura do Papa Belardo, busca uma coincidentia oppositorum entre preto e branco, interno e externo, visível e invisível.
Nesse sentido, The Young Pope é avaro em espiritualidade, mas muito lúcido e impiedoso na sua reflexão sobre a representabilidade e a credibilidade do poder, nas suas diversas encarnações históricas.
Portanto, não parece arriscado defender que The Young Pope continua o projeto estético-crítico iniciado com o filme "A grande beleza". A série de Sorrentino poderia ser, para todos os efeitos, um spin-off, uma peça do mesmo universo narrativo sobre o poder, sobre a sua vaidade e sobre a impossibilidade, para os homens, de abrir mão dele.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
The Young Pope: a estética do vazio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU