14 Janeiro 2020
Ratzinger se opõe ao Papa Francisco e se faz o porta-voz dos conservadores presentes na Igreja e do pior da Cúria Romana. A primeira reação às notícias que todos os meios de comunicação hoje trazem da intervenção de Bento XVI contra a abolição do celibato sacerdotal foi desconcertante. Ele quebra sua promessa inicial muito explícita de não interferir no trabalho de seu sucessor. O fato é grave também porque não fala coisas neutras ou faz reflexões sem referências à atualidade eclesial.
O comentário é de Vittorio Bellavite, publicado por Adista, 13-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, estamos aguardando as decisões do Papa Francisco sobre a proposta do Sínodo para a Amazônia a respeito dos viri probati que são necessários para a vida da Igreja naquela parte do continente sul-americano. Ratzinger se coloca do lado da ala mais atrasada presente no Vaticano: neste caso, com o prefeito da Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos Robert Sarah. Esse cardeal completa 75 anos em junho e não duvidamos que será dispensado pelo papa Francisco, como já fez com o prefeito do ex-Santo Ofício, cardeal Müller. Esperávamos, a seu tempo que, segundo o bom senso e a responsabilidade eclesial, Ratzinger-Bento XVI se retirasse em silêncio para algum mosteiro da Baviera. Isso não aconteceu e agora ele está perdendo, com essa intervenção e com a do abril passado, o crédito que adquirira, em grandes áreas de nossa Igreja, com sua aposentadoria. Principalmente, parece incorreto que o livro, que será lançado pela Fayard em alguns dias e é escrito com Sarah, seja assinado por "Bento XVI", como aparece na capa. Parece-nos que ele esteja abusando da sua autoridade anterior na Igreja. Dito isso, o que emerge do texto de Ratzinger/Sarah é uma concepção sagrada do "Sacerdote" (preferimos chamá-lo "presbítero"), que está em contradição com a melhor teologia, com o "espírito" do Vaticano II e com a prática de uma parte da vida cotidiana da Igreja. O sacerdote deve estar empenhado principalmente na oração e na celebração da Eucaristia. Além disso se afirma no livro: "Pode-se dizer que a abstinência sexual funcional se transformou em abstinência ontológica". O que significa? Que a consagração levaria a uma mudança na própria natureza do crente-padre?
Mas os padres casados que existem na Igreja Católica são de segunda classe? Eles não teriam essa mutação ontológica? Pensamos que o padre tenha um papel na Igreja apenas porque é reconhecido e aceito por sua comunidade, da qual é presidente da Eucaristia. Qualquer referência à relação presbítero-comunidade parece estar ausente no texto. Essa ideia do Sacerdote, além disso, congela a atual distinção rígida entre estrutura hierárquica e os "laicos". Ela é evangélica? Não se poderia pensar que o celibato seja compreensível com a vida monástica que tem tanta tradição, mas não para a normal vida das nossas dioceses e das nossas paróquias? E depois a negação da Eucaristia para uma parte dos crentes, porque é de fato impossível em algumas situações, talvez não constituiria um "pecado" da Igreja a que se pode facilmente pôr remédio modificando uma lei apenas eclesiástica? E por que parar agora uma reforma que será inevitável em um futuro nem tão distante?
O texto também afirma que "na Igreja antiga os homens casados podiam receber o sacramento das Ordens só se tivessem se comprometido a respeitar a abstinência sexual e, portanto, a viver uma vida matrimonial como irmão e irmã. Isso teria sido totalmente normal nos primeiros séculos". É possível que algo assim acontecesse? O que dizem os historiadores da Igreja?
Se realmente se quer falar sobre o celibato, deve-se falar sobre toda a situação dos presbíteros na Igreja, de sua formação para o celibato, da degeneração dos comportamentos de uma pequena minoria (abusos sexuais de menores e freiras), da dificuldade de ter uma dispensa do celibato e outras coisas (além de todos os aspectos positivos do clero), por exemplo, o fato de o padre, devido à sua posição na estrutura, nunca correr o risco de desemprego ou da verdadeira pobreza. Em seguida, o livro diz “Sem a renúncia aos bens materiais não pode haver sacerdócio”. Bela afirmação, mas deveria ser continuada com uma reflexão sobre os bens da Igreja, sobre a pobreza da Igreja e na Igreja. A pobreza do indivíduo, se existir, é acompanhada, às vezes e pelo menos em certos países, com a administração, com pouquíssimos controles, dos bens da Igreja, às vezes conspícuos; ele deveria ter a preocupação de um uso rigoroso e, acima de tudo, de seu efetivo destino "aos pobres" (como claramente dizia o próprio Código de Direito Canônico de 1917).
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Bento XVI contra Francisco. “Nós somos Igreja”, comenta o livro de Ratzinger e do cardeal Sarah - Instituto Humanitas Unisinos - IHU