11 Dezembro 2019
Em um ensaio cativante, o historiador Jean-Baptiste Noé expõe as grandes linhas da diplomacia do Vaticano e alguns dos desafios que a Igreja deve enfrentar: que perspectiva vai assumir em relação à globalização? E como defender uma visão cristã em instituições internacionais que não são mais cristãs?
Jean-Baptiste Noé é doutor em História e editor-chefe da revista de geopolítica Conflits. Ele acaba de publicar François le diplomate (Francisco, o diplomata, Salvator, 2019).
A entrevista é de Paul Sugy, publicada por Le Figaro, 06-12-2019. A tradução é de André Langer.
O Papa Francisco fez recentemente declarações muito controversas sobre a dissuasão nuclear. Ao ler seu livro, fica-se surpreso ao descobrir a influência do Vaticano e a importância de sua diplomacia. Isso é desconhecido?
O papel diplomático da Santa Sé é de fato desconhecido para os próprios católicos. No entanto, remonta às origens da Igreja quando os papas tiveram enviados (núncios) desde os tempos antigos. Em 1701, Clemente XI criou uma escola para formar futuros diplomatas, a qual ainda existe e que serviu de modelo para outros Estados europeus. No Congresso de Viena (1814), é reconhecido aos núncios o título honorífico de decano do corpo diplomático, título que foi confirmado em 1961. A Santa Sé é hoje um dos Estados com mais relações diplomáticas, sem mencionar os representantes nas Nações Unidas e seus satélites.
A Santa Sé teve um papel crucial ao longo do século passado. Durante a Segunda Guerra Mundial, Pio XII foi o pivô da resistência a Hitler, estruturando redes de espionagem e de fuga de prisioneiros, organizando, coisa inédita, vários ataques para matar o ditador; a mais conhecida delas é a Operação Valquíria. João XXIII interveio junto a Kennedy e Kruschev para evitar a tragédia do fogo nuclear durante a crise cubana. Quanto a João Paulo II, sua ação para destruir o totalitarismo comunista foi decisiva, como reconheceu o próprio Gorbachev.
A ação diplomática do Papa Francisco, contra todas as probabilidades, uma vez que este papa é conhecido por seu desejo de ruptura, parece, pelo contrário, em grande parte uma continuidade com a diplomacia de seus antecessores?
De fato, há uma considerável continuidade diplomática entre Francisco e Bento XVI. Nos assuntos do mundo, o Papa Francisco retomou e concluiu as questões abertas pelo Papa Ratzinger: aproximação com a Rússia, relações com os mundos muçulmanos, a questão chinesa, etc.
Bergoglio tornou-se papa não tendo nenhuma experiência diplomática, ao contrário de seus antecessores, que eram diplomatas (Paulo VI e Pio XII, por exemplo), ou tiveram uma intensa experiência do mundo (como Wojtyla e Ratzinger). Francisco se apoiou no Estado profundo do Vaticano e numa administração bem afiada. Os homens da Secretaria de Estado (que lidam com as questões diplomáticas) são notáveis a esse respeito: são poucos em número, mas conseguem realizar um trabalho intenso.
Francisco também conta com homens de alta qualidade, como os cardeais Tauran, Parolin e Mamberti, cujas principais qualidades são o silêncio e a discrição. Tudo isso proporciona um aparato diplomático que funciona bem, com pouquíssimos meios.
Você fala de uma “geopolítica do poliedro”. O que isso quer dizer?
Essa expressão é do Papa Francisco. Ele designa com isso a globalização. Ele explica que a globalização não é um círculo, onde tudo se uniria e onde tudo seria equivalente, mas um poliedro, portanto um mundo com muitas faces, muitas culturas, muitos interesses, onde todos veem as relações internacionais com seu paradigma.
O “poliedro da globalização” obriga a levar em conta a pluralidade das culturas e das especificidades humanas. Não existe um centro que possa decidir tudo, mas um conjunto de periferias, que são centros em sua própria escala e que vivem longe de outros centros. Francisco tem uma maneira original de pensar os espaços, as cidades, os ajustes de escala. Seu raciocínio é muito geográfico, o que o torna interessante para ser estudado por um geopolitólogo.
O Papa Francisco foi marcado pelo peronismo, um movimento político peculiar à Argentina. Ele é um papa populista?
“Populismo” é uma dessas palavras genéricas dos anos 2010 que acaba não significando nada por ser muito usada. Francisco está ligado à corrente espiritual da Teologia do Povo, desenvolvida na década de 1960 na América Latina. Essa corrente é inspirada na Teologia da Libertação, mas nunca mergulhou no materialismo. O povo não é visto como uma categoria social, como para os marxistas da Teologia da Libertação, mas como uma categoria mística.
Na sua opinião, o povo, sempre apresentado de forma holística, é um todo. É adornado com muitas virtudes e sabedoria, que se inscrevem nos territórios e lugares a serem defendidos. O espaço geralmente o engloba, em detrimento da singularidade das pessoas. Daí a atração do Papa Francisco pelas comunidades indígenas e os movimentos populares. É essa sabedoria do povo místico que ele gosta de encontrar e com quem gosta de estar, como ficou claro no recente Sínodo sobre a Amazônia. São eles que ele entende e é com eles que Francisco está à vontade.
Outro equívoco que você desfaz neste livro: a Europa, ao contrário do que muitos observadores dizem, não seria a grande esquecida do papa, que, pelo contrário, estabeleceu seus vínculos com a Rússia para dar ao velho continente um novo impulso espiritual?
Com a Europa, Francisco tem relações complexas. Seus continentes de coração são a América Latina e a Ásia, mas também tem uma proximidade com a Rússia e as regiões da Europa das quais nunca falamos: Bósnia, Albânia, países bálticos, ilhas esquecidas de Lesbos e Lampedusa. Seu encontro com o patriarca Kirill em 12 de fevereiro de 2016 permanecerá como um dos marcos de sua ação diplomática. Moscou rompeu com Roma por mais de cinco séculos e recusou qualquer encontro. O fato de esse encontro ter ocorrido em Cuba, uma ilha comunista onde o cristianismo foi durante muito tempo banido, também atesta que o fim nunca é escrito com antecedência e que a história pode reservar mudanças inesperadas.
Em seu discurso pronunciado em Estrasburgo, durante a sua visita em novembro de 2014, ele apresentou os eixos de um renascimento da Europa e um apelo para que ela se tornasse jovem novamente e não fosse mais uma “avó”. Ele tem uma grande exigência para a Europa, sobre o que ele não tem certeza se os deputados que o aplaudiram entenderam todo o sentido.
Como o Vaticano resolve esse paradoxo que você está abordando: o compromisso com a paz é baseado em uma filosofia política profundamente ocidental, enquanto a Igreja defende uma visão universalista das relações internacionais?
A nossa concepção das relações internacionais e da ordem do mundo é baseada em nossa concepção filosófica imbuída de helenismo e romanidade. A Igreja, como herdeira e continuadora de Roma, é a depositária e a propagadora da romanidade. Quando Roma encontra outras culturas, o que pode acontecer? Ou uma diluição na cultura encontrada ou uma aniquilação dessa cultura englobada pelo cristianismo. Essa é a difícil equação da inculturação. É toda a tensão da evangelização e a dolorosa contradição vivida pelos missionários. Em questões culturais, a bigamia é impossível, exceto para tornar-se esquizofrênico: não se pode ser, ao mesmo tempo, o esposo de duas culturas.
Disseminar o cristianismo é, portanto, necessariamente disseminar também a cultura romana ocidental, que é a base intelectual do cristianismo. Os missionários que o recusaram frequentemente caíram na adoração de ídolos e, in fine, na rejeição do cristianismo. Isso foi dramaticamente evocado durante o Sínodo sobre a Amazônia por vários missionários. Por recusar converter os povos indígenas à fé cristã, alguns se limitaram a um apoio puramente técnico e material. Depois chegaram os missionários evangélicos que falaram sobre Cristo e deixaram de lado a salvação política. Eles atraíram as massas e hoje a Igreja Católica está em grande dificuldade no mundo amazônico, presa entre as garras da primavera indigenista e o martelo do dinamismo evangélico.
O mesmo drama se apresenta na África, onde se enfrentam os três movimentos espirituais do islã, cristianismo e animismo. Nesse jogo a três, é bem possível que nas próximas décadas o animismo beba o islã e o cristianismo, como um borrão bebe a tinta, secando a presença cristã na África. Por medo de ser romano, a Igreja corre o risco de não mais ser.
Outra dificuldade: o Vaticano tem assento em organizações internacionais cuja filosofia dos direitos humanos parece ter se distanciado claramente da concepção cristã inicial...
É um belo desafio que se apresenta à Igreja: o de cristianizar as instituições internacionais que se afastaram da filosofia política cristã que lhes deu origem.
Por seus medos irracionais, por sua rejeição ao homem, por seu culto desproporcional à natureza, nosso mundo está se tornando novamente pagão: ele cede a novas divindades cuja liturgia empresta o mimetismo de divindades antigas. Philippe Nemo e Rémi Brague, em duas obras diferentes, La belle mort de l’athéisme (2013), Des vérités devenues folles (2019), respectivamente, demonstraram o impasse do ateísmo e seu desaparecimento. Esta morte do ateísmo desemboca, e estamos vendo isso agora na Europa, em uma nova forma de paganismo antigo, onde o ser humano é tão detestado que se pede para fazê-lo desaparecer. Esta é a via defendida pelos ecologistas radicais, cujo ódio ao homem levará aos mesmos desastres que o comunismo.
Com a Laudato Si’, Francisco tentou colocar a reflexão ecológica em uma perspectiva cristã, isto é, baseada na primazia da pessoa humana. De todas as religiões, o cristianismo é a única a ter uma filosofia personalista. E, assim, nas instituições internacionais que negam a dignidade da pessoa humana, desde a concepção até a morte, o papel dos diplomatas da Santa Sé é lembrá-la e defendê-la.
Em sua atitude em relação ao Islã, a Igreja foi criticada por sua ingenuidade. Você argumenta, ao contrário, que a “doutrina Tauran” é mais subversiva do que parece?
O cardeal francês Jean-Louis Tauran, que morreu em 2018, foi um dos grandes diplomatas das últimas décadas. Ele era o braço direito de três papas, João Paulo II, Bento XVI e Francisco, encarregado do diálogo com o Islã.
A “doutrina Tauran”, a expressão é de João Paulo II, consiste em obrigar os dignitários muçulmanos a sair da ambiguidade, colocando-os diante de suas responsabilidades. Se o Islã não são os ataques, os massacres dos cristãos orientais, a opressão das mulheres, eles devem dizê-lo de forma clara e em voz alta e devem tomar as medidas apropriadas para evitar essas violências.
O cardeal Tauran era muito lúcido em relação aos perigos do islamismo. Razão pela qual ele sempre procurou discutir com as autoridades esclarecidas, no Marrocos, no Irã, no Egito, e propor que bloqueiem o impulso extremista. Ele também desenvolveu a noção de reciprocidade, ou seja, permitir que os cristãos pratiquem livremente seu culto nos países muçulmanos. Apesar das incertezas que restam, foram realizados progressos claros, embora ainda haja muito a ser feito.
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Diplomacia. O que o Papa Francisco está fazendo? Entrevista com Jean-Baptiste Noé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU