29 Abril 2016
Contrariamente ao imaginário popular, dificilmente o Vaticano é uma burocracia comparável, digamos, aos aproximadamente três milhões de pessoas que trabalham para o governo federal nos Estados Unidos. No todo, estamos falando de uma força de trabalho de menos de 5 mil pessoas, o que significa que ele – o Vaticano – se assemelha mais a uma aldeia do que a um império.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 28-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Num universo tão pequeno assim, o departamento pessoal é quase sempre uma escolha problemática: as escolhas sobre quem fica com os postos mais importantes determinam, inevitavelmente, quais decisões vão ser tomadas.
Há três anos o Papa Francisco está à frente do Vaticano, e, num primeiro olhar, é tentador dizer que quase nada mudou no seu departamento de RH. Hoje, quase três quartos das autoridades eclesiásticas que presidem os departamentos mais importantes ainda são nomeações que foram feitas no reinado do Papa Emérito Bento XVI.
Se considerarmos o Vaticano como estando incluído na Cúria Romana (ou seja, no governo da Igreja universal), mais a Cidade do Estado do Vaticano (ou seja, o espaço físico de 108 acres onde o papa é o presidente), então talvez existam 33 departamentos que realmente importam: seja em termos de influência real, seja em presença pública, ou ambos.
Se excetuarmos os novos setores que o próprio Francisco criou (duas secretarias e uma comissão para a tutela dos menores), ficamos com 30 chefes de departamentos importantes que Francisco poderia já ter substituído a essa altura. Desses, 22 ainda estão sendo presididos pelas mesmas pessoas que estavam trabalhando no papado anterior, o que representa 73%, enquanto que 1 (o Pontifício Conselho “Cor Unum”) está atualmente vacante.
A seguir apresento os únicos sete casos até agora em que Francisco nomeou alguém para assumir o posto que, antes, era ocupado por uma nomeação de Bento:
• A Secretaria de Estado (o cardeal italiano Pietro Parolin substituiu o cardeal italiano Tarcisio Bertone).
• A Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos (o Cardeal Robert Sarah da Guiné substituiu o cardeal espanhol Antonio Cañizares Llovera).
• A Congregação para o Clero (o cardeal italiano Beniamino Stella substituiu o cardeal italiano Mauro Piacenza).
• A Congregação para a Educação Católica (o cardeal italiano Giuseppe Versaldi substituiu o cardeal polonês Zenon Grocholewski).
• O Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica (o cardeal francês Dominique Mamberti substituiu o cardeal norte-americano Raymond Burke).
• A Penitenciária Apostólica (o cardeal italiano Mauro Piacenza substituiu o cardeal português Manuel Monteiro de Castro).
• O Sínodo dos Bispos (o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri substituiu o cardeal croata Nikola Eterović).
Destas sete nomeações, cinco foram para autoridades italianas, aumentando em três o número de cargos importantes liderados por prelados nascidos na Itália. É de se observar que todos os sete cargos foram assumidos por autoridades vaticanas já reconhecidas, e não por pessoas de fora, incluindo quatro (Parolin, Stella, Mamberti e Baldisseri) que são consequências do serviço diplomático do Vaticano.
Nisso tudo, provavelmente a questão mais importante é que o Conselho dos Cardeais assessores do papa ainda está avaliando uma revisão das estruturas vaticanas. Vários departamentos (ou dicastérios) serão consolidados ou eliminados, enquanto outros casos terão suas missões revistas. Francisco pode estar pensando que, enquanto este processo não estiver finalizado, não faz muito sentido nomear novas lideranças.
Mesmo assim, apesar da impressão de que tudo está como sempre foi, é difícil não ter a sensação também de que algo importante de fato mudou. Com razão, o fundamental não é a forma como o papa está dando as cartas, mas a quem ele dá ouvidos e quem vem se destacando sob o seu olhar.
Em quatro casos, Francisco optou claramente por prelados moderados em detrimento de líderes conservadores: Stella em lugar de Piacenza na Congregação para o Clero; Versaldi em lugar de Grocholewski na Educação Católica; Mamberti em lugar de Burke na Signatura; e Baldisseri em lugar de Eterović no Sínodo.
Além disso, embora descrever Bertone como alguém “conservador” não seja algo exatamente correto a se fazer, ele não obstante está mais próximo do estilo do Papa Bento XVI, enquanto que Parolin lembra mais o estilo de Francisco, um religioso moderado em termos pastorais.
Estas trocas enviaram um sinal claro aos moderados em Roma de que este é o tipo preferencial do papa. Certamente existem autoridades que, antes, percebiam a necessidade de atuar com cautela: o Cardeal Peter Turkson (do Conselho Pontifício “Justiça e Paz”), o Cardeal João Braz de Aviz (da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada) e Dom Vincenzo Paglia (do Pontifício Conselho para a Família).
Talvez uma chave para entender como Francisco concebe a sua equipe que trabalha no Vaticano veio em sua felicitação de Natal à Cúria Romana, em 21 de dezembro de 2013. Na ocasião, o pontífice manifestou uma admiração pelos que “seguem o modelo dos antigos curiais”, descrevendo-os como “pessoas exemplares” que “trabalham com competência, precisão, abnegação, realizando cuidadosamente o seu dever quotidiano”. “Mas hoje também os temos!”, disse o papa.
Com efeito, poder-se-ia interpretar esta preferência papal por figuras carimbadas, em sua maioria italianos, como uma tentativa de empoderar pessoas que fazem Francisco se lembrar daqueles “que seguem o modelo dos antigos curiais”.
À parte das qualidades que o próprio papa mencionou, o perfil destas pessoas é bem conhecido, datando da era do Papa Paulo VI nas décadas de 1960 e 1970.
Este tipo de liderança tende a não ser ideológico, algo como um meio termo em política e em teologia. Em termos culturais, estas pessoas tendem a ser latinos ou europeus do sul céticos quanto à “eficácia implacável” associada aos modos anglo-saxões e alemães de fazer as coisas, pessoas que sempre ficam alertas para com o que vem da Igreja americana, em particular quanto ao que consideram uma tendência inspirada no calvinismo de ver o mundo em termos de preto ou branco.
Estes eram os tipos de autoridades eclesiásticas que, em geral, estavam sob o comando do Papa Paulo VI, e é difícil não achar que muitas das lideranças próximas ao Papa Francisco, hoje, não compartilham destes traços.
Em outras palavras, o fato de Francisco não ter se distanciado muito dos que aí estavam quando ele chegou não significa que nada mudou, pois o que importa, como sempre foi, é qual o tipo de liderança que possui os cargos de comando.
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O Papa Francisco marca um retorno dos que seguem o “modelo dos antigos curiais” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU