16 Outubro 2019
“A pobreza é acima de tudo uma questão que diz respeito às crianças (daí a sua atenção à escola) e às mulheres. Os pobres são principalmente meninas e mulheres. Hoje, não é possível lidar com a pobreza sem lidar, direta e prioritariamente, com mulheres e, mais ainda, com mães.”
A opinião é dos economistas italianos Luigino Bruni e Luca Crivelli. Bruni é professor da Universidade Lumsa, de Roma, e diretor científico do evento “A Economia de Francisco”, que irá ocorrer em março de 2020. Já Crivelli é diretor do Departamento de Economia Empresarial da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes do Sul da Suíça (Supsi) e professor da Universidade da Suíça Italiana. O artigo foi publicado por Avvenire, 15-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Nobel de Economia de 2019, concedido a Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Kremer, é realmente uma belíssima notícia e por muitas razões.
A primeira boa notícia é que Esther Duflo (nascida em 1972) é uma mulher e é a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel de Economia. Além disso, é esposa de Abhijit Banerjee, premiado junto com ela. Duflo, nascida e criada em Paris (a França, ao contrário da Itália, continua sendo um país de referência para as ciências econômicas), leciona hoje com o marido no MIT, enquanto Kremer leciona em Harvard.
Dos três, a Duflo era a mais conhecida e com “odor de Nobel”, também pela sua extraordinária e precoce carreira (ele já havia vencido o “Nobel” dos jovens economistas, a Medalha Clark) e, há anos, era um ponto de referência para quem lida com pobreza e desenvolvimento. Ela é a segunda mulher a receber o Nobel de Economia, dez anos depois de Elinor Ostrom, que foi premiada pelos seus trabalhos pioneiros sobre os bens comuns.
Essas duas economistas têm muito em comum. Pobreza (Duflo) e bens comuns (Ostrom) têm a ver com pessoas concretas, com relações sociais e com a luta contra formas de pobreza (a destruição dos bens comuns, como o ambiente, também é uma forma de pobreza).
Ambas captaram que, na redução das pobrezas e na proteção dos bens comuns, os bens cruciais são os bens relacionais. Economia é substantivo de gênero feminino. A gestão da casa (oikos nomos) é diferente quando vista por um homem ou por uma mulher. Muitas vezes, os homens veem coisas (renda, bens, investimentos), as mulheres veem relações, veem o detalhe, as pequenas soluções possíveis aqui e agora, as decisivas para o bem-estar verdadeiro das pessoas.
De fato, para além das importantes inovações técnicas e científicas dos três economistas premiados (incluindo a aplicação ao estudo das políticas de luta contra a pobreza e de promoção da educação entre as crianças dos países em desenvolvimento do método experimental e da análise contrafactual típica dos estudos da saúde, os chamados Randomized Controlled Trials), o trabalho de Duflo e colegas nos ensinou muitas coisas sobre as pobrezas que, infelizmente, ainda são, em grande parte, desconhecidas para quem lida com políticas públicas. Acima de tudo, eles nos disseram que a luta contra a miséria e a exclusão, para ter sucesso, requer a política dos pequenos passos.
Enquanto as políticas tradicionais de desenvolvimento, nos últimos anos, se concentraram na cooperação internacional, nos grandes capitais e nos investimentos em infraestrutura, Duflo e colegas tentaram, no campo e com paciência, convencer as ONGs e os líderes das aldeias sobre a importância de investir dois euros para comprar um mosquiteiro e de que esses dois euros salvavam da malária aqui e agora (especialmente as crianças), enquanto os governos não faziam as limpezas, e as empresas farmacêuticas continuavam não oferecendo soluções economicamente acessíveis.
A estratégia dos pequenos passos é mulher – porque são concretude, fazem parte do bom senso de quem gere, dia após dia, uma casa de verdade, e não de papel. Além disso, ensinaram-nos que a pobreza não é uma questão de fluxos, mas sim de estoques; manifesta-se com a falta de renda, mas a sua verdadeira natureza é uma falta de bens de capital - sociais, educativos, sanitários, familiares...
Portanto, cuidar das pobrezas, trabalhando na renda, sem cuidar dos capitais das pessoas e das comunidades (os capitais são quase sempre empresas coletivas) é ineficaz e muitas vezes aumenta as pobrezas que gostaria de reduzir.
Por fim, especialmente Duflo, nesses anos, lembrou-nos repetidamente que a pobreza é acima de tudo uma questão que diz respeito às crianças (daí a sua atenção à escola) e às mulheres. Os pobres são principalmente meninas e mulheres. Hoje, não é possível lidar com a pobreza sem lidar, direta e prioritariamente, com mulheres e, mais ainda, com mães.
Esse Nobel concedido a quem trabalha para reduzir as pobrezas concretas de pessoas concretas (que se reconecta ao concedido em 1998 a outro economista indiano, Amartya Sen) é também uma esperança para a profissão de economista. O economista é acima de tudo alguém que trabalha para reduzir as pobrezas e, portanto, a dor do mundo. Os economistas clássicos sabiam muito bem disso, pois, quando colocavam no centro da sua reflexão o trabalho, a riqueza e o desenvolvimento, faziam-no porque viam isso como o primeiro meio para reduzir as pobrezas e os sofrimentos das pessoas.
Por exemplo, Alfred Marshall escrevia em 1890: “É verdade que até mesmo um homem pobre pode alcançar a felicidade mais alta na religião, nos afetos familiares e na amizade. Mas as condições que caracterizam a extrema pobreza tendem a matar essa felicidade”. As leis da riqueza devem ser estudadas para reduzir as pobrezas e o sofrimento.
Uma última nota. Esse Nobel de Economia dado a uma mulher, a uma jovem, aos estudos sobre a pobreza é um ótimo presságio para a iniciativa desejada em Assis pelo Papa Francisco em março de 2020: “The Economy of Francesco”. Economia e pobreza não é um oxímoro, mas é chamar a economia de volta à sua raiz e à sua vocação.
Além disso, Assis poderá ajudar a economia e os economistas a distinguirem entre pobreza e miséria. Porque, enquanto miséria e exclusão são palavras más e sempre negativas, a pobreza é também uma palavra do Evangelho e conhece uma conjugação positiva, que é a bem-aventurança que ela reserva àqueles que – como Francisco – a escolhem para libertar os outros que não a escolheram, mas apenas a sofreram.
E, como nos lembrava outro grande autor e mestre de pobreza, M. Rahnema, é preciso derrotar a miséria para pôr as pessoas em condições de poder escolher livremente a pobreza; porque, quando se é “mísero” demais, não é possível escolher a pobreza. E porque, sem conhecer e estimar os valores que algumas formas de pobreza conhecem e vivem, não é possível derrotar realmente as pobrezas equivocadas.
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Nobel de Economia, mulheres e pobrezas: novas relações. Artigo de Luigino Bruni e Luca Crivelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU