10 Outubro 2019
O futuro, o passado e a história só são certos na medida em que acreditamos neles. E se não acreditamos, acontece como com as fadas de Peter Pan, que morrem. O futuro europeu está morrendo, explica o historiador Christopher Clark, da Universidade de Cambridge, porque estamos deixando que os populistas o substituam por passados, tão gloriosos como falsos, para transformá-los em votos reacionários.
Na medida em que perdemos a memória do horror das guerras, os populismos avançam em seu projeto de dinamitar a União Europeia por dentro e pelos extremos. Por isso, o historiador pede que confiemos no projeto europeu e na moderação política que possibilitou recuperar a fé no futuro que sempre caracterizou as democracias liberais.
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 09-09-2019. A tradução é do Cepat.
Você estuda a história da história?
Tento explicar que a história existe apenas na medida em que a inventamos e acreditamos nela. E que o tempo não é uma espécie de líquido neutro dentro do qual tudo acontece.
Também inventamos o tempo?
É apenas outra construção mental coletiva. E cada regime, cada ideologia fabrica um tempo e uma história sob sua medida.
Por exemplo.
Os nazistas apagaram toda a história da República de Weimar e da Alemanha democrática de uma só vez. De repente, falar sobre alguns anos atrás era como hoje falar do antigo Egito: algo remoto e irrepetível.
Todos os totalitarismos não fazem isso?
Mas, cada um do seu modo. Os fascistas italianos idealizaram o império romano, é claro, mas, acima de tudo, apostaram em seu futuro. Foram futuristas. Ao contrário, os nazistas se interessaram mais em reler o passado com uma chave purificadora.
Como?
Seu passado era como a arquitetura de Speer: neoclássica, mas imponente, avassaladora. Para os nazistas, o tempo era apenas purificação. Cada ano nazista era um passo a mais rumo à purificação de uma raça superior. Não foi assim para Franco?
Foi mais Vale dos Caídos que Speer.
Em geral, os populistas tendem a idealizar e reinventar o passado. Ao contrário, o passado para as democracias liberais costuma ser de desigualdade, tirania e opressão.
E não está correto?
Objetivamente, sim. Com as estatísticas em mãos, as democracias liberais são mais prósperas, igualitárias e inclusivas para as minorias que no passado.
Então, por que estamos em crise?
Porque paramos de acreditar no progresso. E o futuro é uma tenebrosa mudança climática. As pessoas começam a se preparar para a próxima recessão e o medo de perder o que têm obscurece a aspiração do que poderíamos alcançar.
Nosso futuro de ontem deixou de existir?
E os populismos substituem velhos futuros por novos passados. É o America first de Trump que apela para um passado que se inventa, assim como o dos brexiters com suas glórias imperiais, ou o de Orbán com as supostas glórias de sua Hungria medieval.
Os historiadores não os corrigem?
Posso dizer a você que Trump se refere a retornar para uma América gloriosa, a dos anos 1950, porque era dominada apenas por brancos ricos como ele. Por acaso, os negros não estavam sofrendo um apartheid vergonhoso? E as mulheres não estavam confinadas no lar?
Por que não reivindicamos progresso?
É mais importante reivindicar o futuro que nós, europeus, podemos construir juntos, a partir da moderação e do entendimento que nos tiraram do pântano da Segunda Guerra Mundial. Porque, se não conseguirmos fazer com que os europeus voltem a sonhar, os nacionalistas preencherão o vazio com seus passados gloriosos.
Perdemos a futurabilidade europeia?
Nós, europeístas, perdemos a bússola das aspirações: deveríamos estar construindo um projeto verde comum, por exemplo, para reocupar o futuro, como preconiza Emmanuel Macron.
Em vez disso, estamos chorando o Brexit.
E quando pergunto aos políticos alemães como o veem, respondem que o problema é dos britânicos.
Uma resposta muito míope.
Penso que a resposta correta é que o Brexit nos ensina que não podemos construir uma estrutura complexa como a União Europeia a partir da extrema esquerda ou da extrema direita. Sempre que os radicais se impuseram nos governos europeus, fomos à guerra.
Talvez a paz já não seja suficiente.
A moderação e o centro também não consistem em uma tecnocracia neoliberal.
Então, o que a União Europeia deveria ser?
Uma formidável máquina para gerar prosperidade e distribuí-la de maneira crescente, progressiva e visível para todos. Precisamos de um centro político europeu humilde, aberto a todos e integrador. E é urgente, porque agora todos estão lhe surrando, ao identificá-lo com a tecnocracia inútil de especialistas que favoreceram a última recessão.
Por que não o temos?
Nós o tivemos e foi assim que se construiu a União do Carvão e do Aço que, ao colocar em comum esses elementos, sem os quais a guerra era inevitável, começou a construir a paz na Europa.
Não será que, na medida em que esquecemos a guerra, nós a tornamos possível novamente?
A União Europeia foi construída sobre a memória do horror da guerra, razão pela qual é, acima de tudo, um mecanismo transnacional de prevenção de conflitos. O problema é que as pessoas a atacam por inação, na medida em que se esquecem que foram as guerras que a tornaram imprescindível.
Os últimos combatentes desaparecem.
E essa perda de memória explica o Brexit, Trump, Orbán ... Por isso, precisamos reagir de forma proativa e urgente para salvar a União Europeia e as democracias liberais.
Como?
Voltando a construir uma aspiração de futuro compartilhado na União Europeia que substitua as fantasias populistas do passado. E o transformando em prosperidade compartilhada.
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“O populismo substitui velhos futuros por novos passados”. Entrevista com Christopher Clark - Instituto Humanitas Unisinos - IHU