10 Setembro 2019
Sorri, Olivier Roy, quando pensa em Matteo Salvini beijando o crucifixo e apelando ao coração da Virgem Maria: "Ele faz folclore católico, uma exibição de sinais religiosos totalmente separados dos valores e normas cristãs. Como tinha feito folclore, aliás, na propaganda da Liga Norte. Sua iconografia, afinal, tem uma marca profundamente sexual e contrária aos princípios da Igreja, pois ele sempre aparece ao lado de uma bela loira que não é sua esposa, possivelmente em traje de banho”. Papeete, mojito, tanga e (falsa) espiritualidade.
Ele conhece bem os italianos, o cientista político e especialista das religiões francesas, com 70 anos recém completados, porque há dez anos é titular da cátedra Mediterrânea no Centro Robert Schuman de Estudos Avançados do Instituto Universitário Europeu, em Florença.
Matteo Salvini é um excelente paradigma de seu novo livro "L’Europa è ancora cristiana?” (A Europa ainda é cristã?, em tradução livre, Feltrinelli, 166 páginas 17 euros, nas livrarias a partir de 12 de setembro), onde o ponto de interrogação é absolutamente pleonástico porque sua conclusão é clara, não, não é mais cristã e é difícil, talvez impossível, que possa voltar a sê-lo no futuro.
A reportagem é de Gigi Riva, publicada por L'Espresso, 08-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A secularização do Velho Continente parece irreversível, um processo duradouro que para o estudioso seria injusto reconduzir, como muitas vezes acontece, ao Iluminismo e ao dualismo razão contra a fé: "As Luzes foram importantes, mudaram o modelo metafísico e ontológico" porque introduziram um novo esquema no qual basear a verdade e, no entanto, não mudaram o sistema moral. A laicidade nada mais era do que o cristianismo secularizado, os valores e a visão antropológica da família compartilhados". Tanto é verdade que, para dar um exemplo, os pais fundadores da Europa, Robert Schuman, Alcide De Gasperi e Konrad Adenauer (citados justamente no início da obra), não sentiram a necessidade de enfatizar, escrevendo, que as raízes de nosso mundo são cristãs. Teria sido redundante, a ênfase de uma evidência, "e se hoje queremos fazê-lo, é exatamente porque não é mais evidente".
No meio, há a grande fratura dos anos 1960, o verdadeiro período em que tudo muda de acordo com Roy: “É então que se rejeita a organização social como era concebida e se coloca em discussão o papel da família, da mulher. A revolução sexual começa. Uma virada tão profunda que poderia ser comparada àquela da Reforma do século XVI". Nada mais será o mesmo, a partir de 1968 em diante a liberdade da pessoa vence todas as normas transcendentes, não existe mais uma moral natural compartilhada, "e os novos valores fundados no indivíduo desejante não são mais valores cristãos secularizados". É o hedonismo que triunfa, para usar, ante-litteram, um termo que entraria em moda durante o reaganismo. A Igreja Católica será a primeira a perceber o perigo, já em julho do ano fatídico com a encíclica "Humanae vitae" de Paulo VI, que "defende uma posição maximalista ao proibir todas as práticas sexuais não destinadas à procriação. Não são mais nem comuns nem compreendidos, os valores cristãos retornam sob a forma de normas explícitas".
O Vaticano se entrincheira sobre a questão para ele fundamental da "defesa da vida", se opõe sistematicamente a contracepção, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, procriação assistida. E, no entanto, o espírito de 1968, um espírito bem mais invasivo que o comunismo, vagueia pela Europa e ganha prosélitos tanto nos países católicos quanto nos protestantes. Será João Paulo II a reconhecer isso quando argumentará que a cultura dominante no Velho Continente "é pagã". E Roy afirma: "O fato é que os próprios pagãos se chamam cristãos". Nas pesquisas, ele explica, frequentemente podem ser lidas respostas como estas: você é cristão? Sim. Você acredita em Deus? Não."
Aqui está, em contradição, o teste decisivo da suposição segundo a qual os símbolos religiosos assumem um valor puramente identitário. Como em Salvini, evidente. Mas não só. Os populismos de hoje, diz o professor Le Roy, também são filhos de 1968 e da cultura libertária. Prova disso é que até mesmo os parlamentos de direita, não apenas na Itália, mas também na França, na Espanha e em toda parte, aprovaras leis em favor do aborto, do casamento homoafetivo e assim por diante. Acenar a identidade cristã tem o único propósito de rejeitar o Islã.
Uma atitude que remonta ao final da década de 1980, quando surge na França o problema do uso do véu e começa a ser identificado um inimigo interno. E, mais ou menos no mesmo período, evoca-se um externo com a candidatura da Turquia para o ingresso na UE (1987), "e foi naquela época a Turquia kemalista e laica tinha proibido o uso do véu nas salas universitárias”. O grande mal-entendido é acreditar que os populistas sejam a favor da religião "quando, na realidade, falam da Europa cristã como se fosse um código para enfatizar que não são muçulmanos". E seria suficiente escutar Marine Le Pen, outra filha (inconsciente?) de 1968: "Eu disse a nossos amigos judeus e católicos que se, para impedir o véu, eles precisam renunciar a seus símbolos religiosos, que o façam". Frase que Roy traduz da seguinte forma: "Desde que seja para lutar contra o Islã a secularização pode ser acentuada". Afinal, ele explica, há menos distância entre crentes cristãos e islâmicos do que entre crentes e secularizados.
Portanto, a identidade cristã, resume com feliz slogan, nada mais é que a caricatura do cristianismo. "Uma parte da Igreja pensa: uma caricatura é melhor que nada". E, no entanto, é um cálculo errado: "As pessoas votam populista contra as elites, Bruxelas, o Islã, não pelo retorno à família tradicional". Sem mencionar que nem sequer seriam leis inspiradas mais ou menos em uma moral cristã que recolocariam em auge a religião porque "o espírito não segue a lei, eventualmente a precede".
E aqui ele chama em causa a Itália. "Os tribunais decidiram que a presença do crucifixo nas escolas é legítima, como símbolo puramente cultural, sem nenhuma intenção de proselitismo. O estado italiano venceu, mas os bispos têm boas razões para se preocupar com essa equiparação da cruz a uma espécie de dispositivo cultural”.
E apenas para dar uma volta no centro da Europa, ele ressalta: “O cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique, queria lembrar ao governo da Baviera que a cruz não é um símbolo cultural, mas um símbolo de fé quando decidiram impor sua presença nos prédios públicos". Uma posição expressa para evitar aquela folclorização que, para o estudioso francês, chegou às raias do ridículo não apenas com Salvini na Itália, mas em seu próprio país de origem: “Em Béziers, o prefeito Robert Ménard quis que fosse montado um presépio na prefeitura e que as touradas fossem abençoadas”.
O folclore religioso produz curtos-circuitos evidentes. Por um lado, o beijo às imagens de Nossa Senhora, pelo outro, a caçada aos migrantes, aliás fortemente condenada pelo Papa Francisco. E quanto mais o populismo se agarra às raízes cristãs, mais igrejas se esvaziam. No Velho Continente, com exceção da Polônia, os praticantes oscilam entre 5 e 10%. Fenômeno generalizado também em outros lugares. Nos Estados Unidos, antes do new-born christian George W. Bush e agora de Donald Trump, os "sem religião" declarados passaram de 6 para 14% em dez anos. Roy, que também é especialista no Islã, ressalta que a secularização também está avançando no mundo muçulmano e é muito clara no Irã, na Turquia, na Tunísia "e no Egito do presidente al-Sisi, caso contrário, não se poderia explicar como tenha decidido iniciar uma campanha de criminalização do ateísmo".
Naturalmente existem grupos que se organizaram para reafirmar sua fé depois que se encolheram seus espaços no comum sentir público. Olivier Roy identifica duas tendências. Aquela das organizações ultraconservadoras e aquela das comunidades carismáticas laicas.
Cita Santo Egídio, mas também Comunhão e Libertação, os Focolarini, "todas fundadas na ideia de testemunhar a fé vivida". Essas comunidades, segundo ele, têm duas opções: "Levantar a ponte levadiça e viver em mosteiros espirituais, esperando o retorno do espírito santo à terra. Ou seguir o exemplo do Papa Francisco e mirar na reconquista espiritual. Como essas comunidades se referem diretamente ao papa e não aos bispos, elas também contribuem para "desterritorializar" o catolicismo, outro dos problemas da queda do religioso".
De qualquer forma, a instituição Igreja tem vários problemas quando se atrela apenas a palavras de ordem normativas e não consegue mais incidir em questões mais pertinentes à fé. Roy confessa-se muito impressionado por um encontro que teve com o padre Paolo Dall'Oglio dois meses antes de ele ser sequestrado na Síria em 2013. "Ele me disse: nós religiosos não devemos parecer legisladores, mas sim profetas". Amplo programa se a identidade religiosa hoje usa o problema da relação com o Islã como "uma árvore que esconde a floresta". E se a Igreja atravessa uma crise moral "da qual a pedofilia e a corrupção são os aspectos mais visíveis, tanto que a levaram a perder a legitimidade de encarnar um magistério espiritual".
A conclusão, desconfortante, é que vivemos em uma sociedade onde não há mais nenhum debate sobre os valores, mas unicamente sobre as normas. Mas o ser humano não pode prescindir dos valores espirituais. E, portanto: “Quando se suprime a transcendência do debate público, esta corre o risco de sair da porta e voltar pela janela sob formas muito perigosas. Como o niilismo ou o radicalismo religioso violento”.
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Somente um Deus pode nos salvar do populismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU