18 Junho 2019
“As multinacionais, com seu imenso poder econômico, também possuem considerável responsabilidade ambiental. São obrigadas a se tornar atores principais na luta contra a mudança climática. Sua atuação trará vantagens, pois são capazes de cruzar fronteiras e influenciar em centenas de milhares de empresas que lhes fornecem mercadorias”, defendem Guadalupe Arce González, da Universidade Complutense de Madri, Luis Antonio López Santiago, Jorge Enrique Zafrilla Rodríguez e María Ángeles Cadarso, da Universidade de Castela-Mancha, em artigo publicado por Rebelión, 17-06-2019. A tradução é do Cepat.
“Segunda-feira sem carne”, “comer produtos locais e sazonais”, “reciclar”, “usar mais transportes públicos e viajar menos de avião”, “comprar um carro híbrido ou elétrico” e até “ter menos filhos”. Estas e outras mensagens similares são aquelas que, como cidadãos, e acima de tudo como consumidores, recebemos continuamente para que, através de nossas decisões, reduzamos nossa pegada sobre o planeta, e com isso lutemos contra as mudanças climáticas.
No entanto, os lares, especialmente através de transportes privados ou da calefação, geram diretamente apenas 26% das emissões de carbono da economia espanhola. Os restantes 74% são devidos a decisões de produção tomadas por empresas.
Ao final, são as empresas que decidem como produzir as mercadorias, onde localizam sua produção, quais fornecedores escolhem e se estes utilizam tecnologias com menor emissão de carbono. Sobre isto, responsabilidade, falaremos neste artigo.
Em nosso trabalho recente, publicado em Nature Communications, avaliamos a pegada de carbono das filiais de multinacionais americanas em todo o mundo.
Com essa pegada, quantificamos as emissões diretas e indiretas geradas pelas multinacionais na hora de produzir bens e serviços que são consumidos em qualquer país do mundo. Assim, obtemos uma pegada de carbono das filiais estadunidenses que representa um volume de emissões de carbono maior do que a de muitos países. Por exemplo, essa pegada é quase o dobro das emissões geradas em toda a economia espanhola e as colocaria em um hipotético 12º lugar no ranking mundial dos países mais poluidores.
Do espaço total da pegada destas multinacionais, 60% correspondem a produtos que são consumidos nos países onde as filiais desenvolvem sua atividade, os restantes 40% vão incorporados em bens e serviços que exportam para outros países. Apenas 8% se explica pelo consumo de bens e serviços por parte dos cidadãos dos Estados Unidos.
Esses processos de deslocalização representam um risco para a mudança climática, se ocorrem fugas de carbono. Ou seja, se as empresas decidem localizar parte de sua produção em países com legislações ambientais mais frouxas. No entanto, essa mesma deslocalização pode ser uma oportunidade de mitigação, se nas decisões de produção também se leva em conta os critérios de sustentabilidade ambiental.
Por exemplo, as empresas podem selecionar fornecedores com certificados com garantia de origem verde. Eles podem usar papel reciclado para suas embalagens ou transportar suas mercadorias usando transporte elétrico. Ainda mais em um contexto no qual a maior parte das emissões de CO2 não é gerada diretamente por essas filiais, mas pelas empresas que lhes fornecem bens intermediários e energia nesses países.
Podemos encontrar um bom exemplo de gestão sustentável se voltarmos a falar das "segundas-feiras sem carne". Como as empresas podem reagir ao fato de que parte de seus consumidores exigem um menor consumo de carne?
Por exemplo, a multinacional da cadeia de fast food Burger King está avaliando, em colaboração com a empresa Imposible Foods, a possibilidade de incorporar em seus menus hambúrgueres vegetais que se pareçam com os hambúrgueres de carne: o Imposible Wopper.
Na prática, a introdução dessa opção implica uma mudança na cadeia de fornecimento, ao se reduzir a demanda de carne e e aumentar a de proteínas de origem vegetal, o que geraria uma redução significativa na pegada de carbono.
No entanto, esta ação deveria ser complementada com outras na mesma linha para ser totalmente eficaz. Por exemplo, usando eletricidade em seus estabelecimentos que tenha um certificado verde de origem, optando por fornecedores e distribuidores com veículos elétricos e incentivando o uso de transporte público por seus trabalhadores quando se deslocam para o local de trabalho.
Os compromissos de mitigação realizados pelos 185 países que ratificaram o Acordo de Paris e as políticas que estão sendo realizadas pelos prefeitos de numerosas cidades do planeta se mostraram insuficientes, até agora. Assim, recentemente, vimos como a estudante Greta Thunberg foi capaz de sacudir as consciências do continente europeu e proclamar uma maior atuação política para frear a "crise climática".
As multinacionais, com seu imenso poder econômico, também possuem considerável responsabilidade ambiental. São obrigadas a se tornar atores principais na luta contra a mudança climática. Sua atuação trará vantagens, pois são capazes de cruzar fronteiras e influenciar em centenas de milhares de empresas que lhes fornecem mercadorias.
Além disso, os compromissos de mitigação da mudança climática pelos países serão mais facilmente adotáveis se as multinacionais perceberem os riscos que a inação significa para o seu negócio: desde a perda de consumidores até a dificuldade de acesso ao financiamento nos mercados de capitais .
Algumas empresas já estão assumindo um preço interno de carbono para avaliar como seus negócios serão afetados pela possibilidade de que sejam estabelecidos impostos sobre o carbono.
É mais provável que essas empresas tomem medidas para reduzir sua dependência do carbono, caso percebam os benefícios que podem obter: desde a redução dos custos de energia associados ao autoconsumo de energia renovável, até a lealdade dos consumidores cada vez mais conscientes da crise climática.
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Quem pode parar a crise climática: empresas ou consumidores? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU