24 Mai 2019
“As extremas direitas europeias contam com um sólido apoio exterior. Tornaram-se totalmente permeáveis a influências externas em sua corrida obsessiva ao poder. Antiliberais e opostas à globalização em suas narrativas, essas ultradireitas se tornaram um brinquedinho primoroso do confronto entre as potências. Por diferentes razões, Rússia e Washington convergem em suas tentativas de desestabilizar as democracias europeias e encontram no Velho Mundo partidos reciclados, prontos para disputar a partida”, escreve Eduardo Febbro, jornalista, em artigo publicado por Página/12, 23-05-2019. A tradução é do Cepat.
A extrema direita norte-americana coloniza os neurônios da extrema direita europeia e Vladimir Putin seu bolso. A retórica patriótica e nacionalista da ultradireita do Velho Continente soa mais como uma opereta eleitoral do que o início de uma política indestrutível. Dois episódios, um deles com um escândalo monumental, vieram semear dúvidas sobre a autenticidade da retórica ultranacionalista com a qual essas ofertas políticas cada vez mais seduzem o eleitorado.
Aconselhados por um dos cérebros da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, Steve Bannon, contaminados pelas redes trumpistas que alimentam os eurocéticos e financiados e influenciados pela Rússia de Vladimir Putin, os partidos ultranacionalistas da Europa são tudo menos "soberanos". Esta corrente que está se preparando para tomar de assalto o Parlamento Europeu nas eleições europeias, no próximo dia 26 de maio, teve um dia de glória e uma manhã de sombras. Sábado, 18 de maio, foi um dos momentos para lembrar.
Durante o fim de semana, em Milão, (a cidade italiana onde surgiu a Liga Norte), o líder da ultradireita A Liga e ministro do Interior, Matteo Salvini, reuniu uma dúzia de partidos da linha ultranacionalista europeia com o propósito de mostrar seu poderio e selar um sinal de unidade, quando faltava apenas uma semana para as eleições europeias.
Acompanhado por sua principal parceira nesta fase, a francesa Marine Le Pen (Reagrupamento Nacional), Salvini desfilou em Milão com Geert Wilders, chefe do Partido da Liberdade holandês e com representantes da Alternativa para Alemanha (AfD, na sigla em alemão), Verdadeiros Finlandeses, Partido do Povo Dinamarquês e o austríaco FPÖ [Partido da Liberdade da Áustria].
E deste último veio a tempestade. Um vídeo divulgado por Der Spiegel e pelo jornal Süddeutsche Zeitung veio para provar a suspeita de que existe uma interação real entre a ultradireita e Moscou. Ao mesmo tempo, outro estrangeiro, o ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon, viajou a Paris para distribuir seus conselhos à ultradireita francesa. A autenticidade do perfil ultranacionalista desses partidos ficou questionada pela interferência de representantes de duas potências mundiais nas campanhas nacionais.
O vídeo foi filmado em Ibiza, em 2017, e muito oportunamente se tornou público agora. A sequência mostra o vice-chanceler austríaco, chefe do FPÖ, Heinz-Christian Strache, enquanto oferece contratos públicos lucrativos ao representante de um oligarca russo em troca de apoio para sua campanha eleitoral. Desde 2017, Strache foi um aliado chave na coalizão governamental que se formou na Áustria com o líder democrata-cristão Sebastian Kurz (ÖVP), depois que este venceu as eleições sem obter a maioria.
O FPÖ detinha seis das 13 pastas daquele Executivo onde Strache era vice-chanceler. O vídeo acabou com a aliança, precipitou a queda do governo e a posterior convocação de eleições antecipadas. Na França, Marine Le Pen condenou o "grande erro" do líder ultradireitista austríaco. O episódio coloca em questão a própria identidade de um movimento político que fez da soberania e do nacionalismo seu grito de guerra.
O jornal Le Monde, num editorial, destacou que "propor vender secretamente os interesses nacionais ao representante de um país, cujas tentativas de interferir e manipular os processos eleitorais na União Europeia mobilizam todos os serviços de contraespionagem, corresponde a uma estranha concepção de patriotismo".
O escândalo confirma o que até então oscilava entre mito e realidade, isto é, a sombra da Rússia de Vladimir Putin nas democracias ocidentais. Moscou não é o único ator que move suas influências nas entrelinhas. A China e os Estados Unidos também fazem isso, mas Putin foi o mais eficaz. Do Brexit em 2016, passando por eleições na Suécia, Dinamarca, Finlândia, em alguns países do Leste Europeu, Itália, a eleição de Trump, nos Estados Unidos, em 2017, e a tentativa de desestabilizar a campanha de Emmanuel Macron, com a disseminação de milhares de informações privadas pelo grupo de espionagem cibernética APT28, controlado remotamente pela agência de inteligência militar russa GRU, a Rússia tem sido a mestre do mundo Ocidental.
Os trumpistas e sua cruzada mundial também não estão longe. Nesses dias, Steve Bannon esteve em Paris exibindo suas asas de pavão. O arauto messiânico da supremacia branca disse que vinha para "aconselhar" Marine Le Pen. Em seguida, desdisse e declarou que "Marine Le Pen não precisa de mim para vencer". Por sua vez, a interessada declarou que Bannon "não tinha nenhum papel na campanha do Reagrupamento Nacional". Hoje, esse partido é acusado de "inteligência com um poder estrangeiro" e até se evoca a criação de uma comissão parlamentar para investigar intromissões, que são muitas e não apenas metafóricas ".
No ímpeto de mostrar sua marca como ídolo mundial, Bannon acabou se tornando um aliado muito desconfortável. "É um perigo para nós", reconhecia ao jornal Página\12 um líder do RN francês. Na realidade, o eleitorado lepenista é ainda mais antiamericano que a própria esquerda. Por isso, em termos de imagem, a reiterada presença de Bannon na Europa acabou sendo contraproducente. Putin, como se pode notar, é um cavalheiro de fina estampa, que não faz barulho e quebra muitas nozes.
O presidente francês, Emmanuel Macron, chamou Bannon de "um lobista próximo ao poder norte-americano". Depois, o chefe de Estado se referiu à "Rússia e a alguns outros que nunca foram como agora tão intrometidos em financiar e ajudar os partidos extremistas", o que, avaliou, desemboca no fato de que, "pela primeira vez, vemos um conluio entre nacionalistas e interesses estrangeiros".
Esse é o detalhe mais contraditório. Não se trata de formar uma força comum dentro dos movimentos europeus de acordo com o objetivo declarado da extrema direita, mas, sim, de se abrir a uma espécie de internacionalismo que as coloca em total contradição com seus postulados patrióticos.
Dinheiro, manipulação da informação através de redes sociais. As extremas direitas europeias contam com um sólido apoio exterior. Tornaram-se totalmente permeáveis a influências externas em sua corrida obsessiva ao poder. Antiliberais e opostas à globalização em suas narrativas, essas ultradireitas se tornaram um brinquedinho primoroso do confronto entre as potências. Por diferentes razões, Rússia e Washington convergem em suas tentativas de desestabilizar as democracias europeias e encontram no Velho Mundo partidos reciclados, prontos para disputar a partida.
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Partidos europeus de ultradireita são nacionalistas vendidos. Artigo de Eduardo Febbro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU