09 Mai 2019
Jornada Nacional de Luta por Moradia denuncia como as mudanças nas políticas sociais operadas pelo governo federal precarizam a vida da população.
A reportagem é de Lizely Borges, publicada por Terra de Direitos, 08-05-2019.
Inscrita no calendário nacional e realizada nesta terça-feira (07), a Jornada Nacional de Luta por Moradia deste ano evidenciou como a fragilização da política habitacional para a população de baixa renda – articulada ao desmonte das políticas sociais – agrava, em maior profundidade, a realidade da população que necessita de assistência do Estado para acesso à moradia adequada.
Movimentos estimam que mais de 14 mil pessoas participaram de atos pela Jornada Nacional. (Foto: Cíntia Almeida Fidélis)
No anúncio do conjunto de mobilizações realizados nas capitais brasileiras, os coletivos e movimentos de luta por moradia denunciaram que “ao lado do desemprego que não pára de crescer, da ameaça à previdência e à seguridade social, milhares de brasileiros engrossam o déficit habitacional. Se pagar aluguel, não come; se comer, não paga o aluguel”, aponta trecho do texto de divulgação dos atos.
A disputa entre as necessidades humanas básicas é posta pelo próprio governo federal. Diante das críticas pelos movimentos populares à paralisação de cerca de 40 mil unidades habitacionais financiadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida e anúncio pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, em abril, de que não há garantias de verbas para o Programa no segundo semestre deste ano, o ministro da economia, Paulo Guedes, tem argumentado que o corte nas áreas é condicionado à aprovação da reforma da previdência. O condicionante de liberação de recursos para política habitacional apenas diante de cortes na seguridade social é apontado pelos movimentos populares como chantagem.
Em tramitação na Câmara dos Deputados, a medida inscrita na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019 – nome sob o qual tramita atualmente a matéria, afeta diretamente a população de baixa renda.
Somada a esta ameaça está posto um panorama social complexo para o trabalhador: a taxa de desemprego no Brasil subiu para 12,7% no trimestre encerrado em março, atingindo 13,4 milhões de pessoas (Dados IBGE) e os cortes orçamentários tem afetado diretamente o fornecimento de serviços públicos de saúde, educação e assistência social. Medidas como a ampliação da terceirização e informalidade também tem gerado impactos negativos na vida da população. “Os últimos dados tem indicado que há piora da qualidade de vida dos trabalhadores da cidade e deterioração das condições de vida pela empobrecimento associado ao desemprego e, em segundo lugar, pelos baixos salários. Em contrapartida há especulação imobiliária brutal nas cidades”, aponta o membro da coordenação da Central do Movimentos Populares, Benedito Barbosa.
Para Benedito, a associação da diminuição da renda e aumento do desemprego ao aumento os valores do aluguel tem se refletido diretamente na ocupação de espaços de infraestrutura mais precária, como cortiços e favelas, e o aumento da população em situação de rua. “Então a gente diz que se come não paga aluguel. Isto está associado à baixa ou nenhuma remuneração que as pessoas estão tendo na cidade. A pessoa não consegue custear transporte, comida e muito menos pagar aluguel. O custo da moradia é absurdamente alto em função da supervalorização da terra associada à especulação imobilizaria”, complementa.
De acordo com levantamento pela Pesquisa Fipezap, divulgada em abril, os valor dos alugueis subiram acima da inflação neste 1º trimestre do ano.
A fragilização dos serviços públicos e precarização das condições de trabalho têm contribuído para dificultar o pagamento das prestações do Programa Minha Casa Minha Vida pelas famílias de baixa renda. Contempladas pela Faixa 1, categoria para famílias de renda de até R$ 1800,00, elas se veem em processo crescente de endividamento no esforço em honrar a dívida assumida perante o Estado.
A Caixa Econômica Federal, responsável pelo recebimento e gestão do recurso para o Programa, informou que o número de atrasos no pagamento de contratos tem crescido vertiginosamente: se em 2015 havia 167 mutuários com atraso, em 2018 (de janeiro a agosto) os inadimplentes totalizam 351 mil. Na Faixa 1, ou seja, o grupo social de menor renda, cerca de 25% dos contratos estão com pagamento atrasado. Com a piora dos índices sociais no último período é possível que o percentual tenha crescido.
Se, de um lado, a população mais pobre é afetada pela diminuição da oferta de moradia popular devido ao severo corte orçamentário do Programa, de outro o grupo já atendido pelo Programa, mas que apresenta dificuldade em quitar as parcelas, sofre ameaça de exclusão do Programa
Dados revelados pela imprensa em 2017 apontam que 30 mil famílias foram retiradas do Programa e suas casas e apartamentos foram à leilão.
A política adotada pela Caixa, de exclusão do Programa das famílias de baixa renda com dificuldade em quitar as dívidas e pagar o conjunto de serviços que envolvem uma moradia, como luz e água, encontra sustentação nos municípios. Em Curitiba (PR), por exemplo, a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), empresa mista responsável pela execução da política habitacional em Curitiba e Região Metropolitana (RMC), e a Caixa Econômica Federal devem destinar os imóveis em situação de inadimplência, ociosidade ou uso irregular para a fila de inscritos na Cohab.
Sem ater-se às razões do não pagamento das parcelas, o presidente da companhia, José Lupion Neto justificou a retomada dos imóveis da famílias inadimplentes como ação para “moralizar o programa”.
"Associar o inadimplemento por parte da população mais pobre, que é um problema de fundo eminentemente econômico, a uma questão moral demonstra uma compreensão gravemente distorcida do que deve ser uma política social de moradia. Ora, ela deve servir justamente para a população mais carente, a qual, sem o auxílio do Estado, não teria condições de acesso à moradia digna”, aponta a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro.
De acordo com levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro, com base nos dados da Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, Curitiba possui um déficit habitacional de 79.949 domicílios.
Já a Região Metropolitana responde por déficit de 76.305 unidades, de maior parte concentrada em área urbana. Em diálogo com o cenário nacional, é o alto preço do aluguel que responde como principal componente do déficit habitacional para moradores da capital e região metropolitana. Em mais de 60% dos casos a dificuldade de acesso à moradia adequada é compartilhada por famílias urbanas que possuem renda familiar de até três salários mínimos, com destinação de mais de 30% da renda para pagamento de aluguel. O mesmo levantamento revela que o país possui déficit de 6,35 milhões de moradias.
De acordo com a integrante da União Nacional Por Moradia Popular (UNPM), Evaniza Rodrigues, os movimentos de luta por moradia tem acompanhado com preocupação o posicionamento do governo federal para o trato dos temas de habitação popular.
“Até agora nenhuma proposta foi apresentada [pelo novo governo] e o que tinha está sendo paralisado gradualmente, tanto pelo contingenciamento do recurso, ao dizerem que não vão contratar nada novo, quando pelas ameaças às obras em andamento”, destaca Evaniza.
Para os movimentos e coletivos, a fragilização das políticas e o não desenvolvimento de novos programas de atendimento à demanda por moradia ganham dimensão ainda mais preocupante pela pouca transparência das ações governamentais. “Nós ficamos sabendo das ações do governo ou pelo jornal ou pelo DOU [Diário Oficial da União]. Não há nenhuma transparência do conjunto das iniciativas administrativas que o governo tem tomado para a política habitacional”, destaca.
A paralisação das ações do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) e a não realização da Conferência das Cidades, espaços institucionais de participação popular na construção da política pública, tem tido impactos diretos no acesso à informação e interlocução entre governo e sociedade. “As ações demonstram um autoritarismo na forma de implementar a política, ou seja, qualquer política que for implementada ela não será debatida com a sociedade, tendo em vista que não há espaço para isso”, diz Evaniza.
Medidas sequenciais adotadas durante o governo Temer e não revistas no atual governo, como o Decreto Presidencial n° 9.076/2017, que extingue competências do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) e os transferiu para o Ministério das Cidades tem esvaziado as funções dos canais de participação.
No mesmo dia de realização da Jornada Nacional, o relator da Comissão Especial sobre a Medida Provisória 870/19, de reforma administrativa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), anunciou a recriação do Ministério das Cidades. Desde a extinção do Ministério das Cidades as competências da pasta foram transferidas para o Ministério do Desenvolvimento Regional.
“O Ministério [das Cidades] nunca deveria ter sido desmontando dada a importância para a pauta urbana. Não apenas as políticas de habitação, mas também as de saneamento, mobilidade, planejamento, etc. Com desmonte do ministério as políticas ficaram dispersas e a gente praticamente não estava conseguindo fazer rearticulação dessas pautas”, aponta Benedito.
Ainda que o cenário atual seja de ausência de diálogo e não priorização das políticas sociais, a liderança aponta que a recriação deve colaborar para fazer uma pressão ao Estado de forma mais direta. “Essa decisão é importante porque você reaglutina num ministério todas as pautas. Nada tem sido fácil neste governo, mas, do ponto de vista de articulação, há potencialmente possibilidade de que a gente possa, de fato, fazer maior pressão para ter agenda da pauta urbana”. Ele destaca também que a cobrança de informações ganha maior efetividade com a recriação. “Quando a gente contata a Secretaria Nacional de Habitação eles falam que não tem todas as informações [solicitadas]. Ficava neste jogo de empurra-empurra. Vamos ver se com essa decisão as coisas podem melhor”, diz.
Embora seja a existência de uma pasta que concentre as demandas urbanas seja uma reivindicação de movimentos de luta pela moradia, a recriação é apontada – nos bastidores políticos – como uma moeda de troca para manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob a alçada do Ministério da Justiça, de comando de Sérgio Moro.
No próximo dia 26 de maio, os coletivos e movimentos populares de luta por moradia devem se reunir, em Brasília, com representantes do Ministério Regional responsáveis pela política habitacional. A agenda é um dos saldos políticos das mobilizações realizadas em várias capitais brasileira nesta terça-feira (08). No centro da pauta seguem as reivindicações a liberação de recursos para o Minha Casa Minha Vida Entidades e retomada de novas contratações para a Faixa 1.
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Paralisia da política de habitação de interesse social: a escolha entre a comida ou o aluguel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU