02 Mai 2019
Não existe nenhum momento de tédio quando se trata da Igreja Católica na América Latina, o quintal do Papa Francisco e o lar de cerca de 40% do 1,3 bilhão de católicos do mundo.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 01-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa terça-feira, mais uma vez, foi um dia de revolta e de protesto na Venezuela, onde uma crise contínua levou um país com a 10ª maior reserva de petróleo do mundo para um lugar onde se estima que 96% da população vivem abaixo da linha da pobreza.
Com Juan Guaidó, líder da oposição e proclamado presidente pela Assembleia Geral que lidera a Operação Liberdade, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas com o apoio de pelo menos uma base militar que se revoltou contra o presidente Nicolás Maduro, que sucedeu a Hugo Chávez.
Maduro venceu as eleições no ano passado, mas o resultado foi rejeitado pela oposição, pela Assembleia Geral do país e por muitos países e instituições estrangeiras, incluindo a União Europeia. Guaidó foi empossado como um presidente rival temporário em janeiro, mas Maduro nunca renunciou.
Os bispos, que estão reunidos em sua assembleia nacional entre os dias 29 de abril e 1º de maio, devem divulgar uma declaração no último dia do encontro e, até agora, eles não haviam feito nenhum comentário oficial sobre a revolta de terça-feira.
No entanto, os bispos venezuelanos no passado foram muito expressivos contra Maduro.
Entre os que se pronunciaram, está o cardeal Jorge Urosa, arcebispo emérito de Caracas, que disse ao jornal francês La Croix que os bispos estão “chocados”.
“O governo arruinou a Venezuela com a aplicação de um plano totalitário de estilo econômico, político, estatista marxista que arruinou a agricultura e a indústria”, disse Urosa.
Dom Fernando Castro, bispo de Margarita, fez uma reflexão publicada pela Conferência em sua página no Facebook pouco antes do início da assembleia, comparando a Venezuela a Paris depois que a Catedral de Notre Dame foi engolida pelas chamas na Segunda-Feira Santa.
Os cidadãos da França e do mundo, escreveu o bispo, comprometeram-se a reconstruir Notre Dame depois que o fogo a “devorou”. O fogo, argumentou Castro, é um sinal do fogo que os fiéis e as pessoas de boa vontade têm ao devolver esse “ícone religioso” ao mundo.
“Um fogo lento consumiu [a Venezuela] durante 20 anos”, escreveu ele. “Restaram as cinzas de muitíssimas coisas: da eletricidade, do transporte público, da educação, da produção, do empreendedorismo. Crescem os obstáculos e as mentiras, verdadeiras barreiras de fogo que impedem trabalhar, comprar bens básicos, locomover-se.”
No entanto, escreveu Castro, há muitos venezuelanos dispostos a reconstruir o país a partir das cinzas e da destruição deixadas por um “mau governo populista e castrador”.
“Temos hoje uma oportunidade de patriotismo”, escreveu ele. “Notre Dame vai ser reconstruída, a Venezuela também. Estou seguro e esperançoso. Paris e Venezuela: há paralelismo.”
Dom Silvio Jose Báez, bispo auxiliar de Manágua, Nicarágua, chegou a Roma na terça-feira depois de ser “exilado” pelo Papa Francisco, que solicitou a mudança do prelado para a Cidade Eterna no dia 4 de abril.
Embora nenhuma explicação oficial tenha sido dada pelo Vaticano, Báez é conhecido por ser uma das vozes mais críticas dentro da Conferência dos Bispos local contra o presidente Daniel Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo.
Falando à revista Vida Nueva em sua chegada a Roma, Báez disse que saiu por obediência ao papa, mas não tinha certeza do que ele fará enquanto estiver em Roma nem por quanto tempo ficará.
A situação na Nicarágua, disse ele, “é muito complexa”, e a única saída que ele vê é convocar eleições.
“O governo atual é ilegítimo, governa só pela força das armas e da repressão violenta”, disse Báez. “Assim não é possível sustentar um Estado.”
No domingo, durante uma missa que ele celebrou em Miami antes de ir a Roma, Báez disse que os nicaraguenses são um povo “ferido pela injustiça, pela ambição, pela corrupção e pela repressão indiscriminada”, referindo-se ao fato de que mais de 500 pessoas foram mortas pelas forças do governo no ano passado e mais de 800 permanecem na prisão ou estão “desaparecidas”.
Ele também disse que a ferida acabará sendo curada e serão “feridas de glória”.
Falando sobre a sua saída da Nicarágua, Báez disse que foi embora porque “me pediram para fazer isso”, mas, como ele disse antes, está aflito com esse pedido feito por Francisco, porque o país “continua crucificado”.
Ele também disse que a Igreja Católica deve manter as suas portas abertas para a sociedade, permanecendo do lado dos pobres, “sem ter medo de deixar os poderosos infelizes e sem se curvar a eles”.
Enquanto isso, outras notícias vindas da Nicarágua informam que os esforços de diálogo entre o governo e a oposição, incluindo o representante papal, o arcebispo polonês Waldemar Stanislaw Sommertag, mais uma vez estagnaram na segunda-feira.
O cardeal Leopoldo Brenes, de Manágua, que fez parte da rodada inicial de diálogo, disse no domingo que o adiamento das eleições nacionais terá que fazer parte da solução.
Durante o fim de semana, domingo da Divina Misericórdia, a Diocese de Metagalpa organizou sua tradicional procissão para marcar essa festa.
O Mons. Edgar Sacasa, vigário pastoral da diocese, disse que “não podemos celebrar a missa sem pensar nos muitos jovens, nos muitos heróis e mártires da nossa terra que deram suas vidas pela liberdade da Nicarágua”.
Ele também disse que a Igreja está unida aos jovens que estão “injustamente presos, àqueles que sofreram na prisão, àqueles que foram exilados, às mães daqueles que morreram, a esse povo de amor que peregrina na Nicarágua, que ama a Igreja, ama Maria, ama Jesus e crê na misericórdia do Senhor”.
A missa foi celebrada por Sommertag. Dirigindo-se a ele, Sacasa pediu que o núncio papal diga a Francisco que “nós o amamos, que o esperamos na Nicarágua e que, quando o senhor estiver em Roma, saúde Dom Báez por nós, enquanto o trazemos nos nossos corações”.
Sommertag, durante a homilia, disse que a misericórdia de Deus põe fim aos conflitos e divisões, e que “todos sonhamos com a paz e a justiça, mas não temos apenas que sonhar, mas sim, de verdade, buscar essa paz e justiça nos nossos corações”.
Na segunda-feira, a leiga chilena Marcela Aranda disse ao Ahora Noticias, um programa de TV, que ela havia sido abusada sexualmente na juventude pelo Pe. Renato Poblete, um jesuíta visto por muitos como o sucessor de Santo Alberto Hurtado, que dedicou sua vida aos pobres e foi canonizado em 2005.
O que ela contou ao programa, disse ela, foi a mesma coisa que ela contou a uma Comissão de Escuta lançada pelo arcebispo Charles Scicluna, de Malta, que foi enviada pelo Papa Francisco ao Chile no ano passado para investigar a situação da Igreja local depois que acusações de abuso e de acobertamento continuaram surgindo.
Aranda denunciou que ela foi abusada por Poblete durante oito anos. “Foi um estupro, violência desde o início”, disse ela. Ela tinha 19 anos quando os abusos começaram e estava estudando teologia na Universidade Católica local.
Ela disse que o padre, que faleceu em 2010, também a levou para outros homens, que a estuprariam e a espancariam enquanto ele observava. Quando ela tinha 20 anos, Poblete forçou-a a fazer o primeiro de três abortos. Ele a dopou para o primeiro procedimento, de modo que ela nem soube o que tinha acontecido até voltar para casa.
Poblete supostamente mantinha Aranda sob ameaça e tinha dito a ela para se calar, porque ninguém acreditaria nela a respeito ele. No fim, ele encontrou outra garota, “foi como se eu me visse quando tinha 19 anos”, disse Aranda, e perdeu o interesse por ela, o que lhe permitiu escapar do seu controle.
No início de abril, a comunidade jesuíta local anunciou que estava investigando várias acusações contra Poblete e que apoiava a decisão do governo de remover uma estátua dedicada ao padre em um parque local devido às várias acusações públicas contra ele. A investigação canônica contra o padre ainda está em andamento.
As acusações de Aranda contra Poblete acrescentam mais um capítulo àquela que parece ser uma série interminável de denúncias contra padres no Chile.
Estes levaram a Câmara dos Deputados do Chile a aprovar por unanimidade uma medida no dia 23 de abril que acrescentaria o clero e religiosos e religiosas à lista de policiais, membros das Forças Armadas, professores e funcionários públicos que são obrigados a denunciar todos os crimes previstos no artigo 175 do Código Penal do Chile.
A medida levantou preocupação entre os bispos locais, pois poderia levar à violação do sigilo sacramental da Confissão. Entre os que protestaram está o bispo Celestino Aos, recentemente nomeado por Francisco como chefe temporário da Arquidiocese de Santiago.
Na segunda-feira, ele disse que forçar os padres a romper o sigilo do confessionário violaria a consciência, e esse é “o pior dos abusos”.
“Cada pessoa, quando vai se confessar, tem o direito de [esperar] que o que se diz na Confissão seja absolutamente secreto”, disse Aos.
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Igreja na América Latina enfrenta crises externas e internas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU