16 Fevereiro 2019
“Após aceitar a derrota de 1990, a Frente Sandinista perdeu a oportunidade de recuperar os espaços eleitorais, lutando sob regras democráticas para conquistar novamente a maioria dos eleitores. O critério obsoleto de vanguarda dona da verdade, que representa o povo, ainda que a maioria fosse contra, voltou a se impor”, escreve Sergio Ramírez, escritor premiado e protagonista da revolução nicaraguense, quando encabeçou o Grupo dos Doze, formado por intelectuais, empresários, sacerdotes e dirigentes que apoiaram a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). O artigo é publicado por La Jornada, 15-02-2019. A tradução é do Cepat.
Após resolver muitos impedimentos, os 11 membros de uma missão do Parlamento Europeu puderam finalmente concluir sua visita à Nicarágua, proposta desde novembro do ano passado.
O presidente da missão, eurodeputado Ramón Jáuregui, apresentou antes de partir as conclusões finais sobre a necessidade urgente de cessar a repressão, a liberdade dos presos políticos, a restauração da liberdade de informação e a restauração da democracia por meios de escolhas confiáveis.
E em suas declarações, Jáuregui disse algo que parece óbvio, mas na Nicarágua é essencial: a democracia tem uma regra que é aceitar a possibilidade de derrota.
Foi isso que a Frente Sandinista fez após as eleições de 1990, quando os eleitores decidiram confiar a presidência à senhora Violeta de Chamorro: aceitou a derrota, e isso então lhe conferiu imenso prestígio por haver entregado pelos votos o poder conquistado pelas armas uma década atrás.
Até então, a filosofia dominante tinha sido a do poder popular confiado à vanguarda por um tipo de vontade divina. Revoluções também eram invencíveis. Onde se viu que as próprias pessoas iriam derrotar uma revolução popular forjada com sangue? Mas, isso aconteceu.
Em janeiro de 1988, Carlos Fuentes fez uma visita à Nicarágua. Ele foi acompanhado pelo jornalista Stephen Talbot, que escreveu uma história sobre o escritor mexicano para a revista Mother Jones.
Em uma das conversas que Fuentes manteve com os líderes sandinistas, falou-se das possibilidades que os contras tinham de vencer a guerra, recorda Talbot, e o comandante Tomás Borge "disse decididamente que algo assim era impossível, porque os contras vão na contramão a história".
Fuentes interrompeu para perguntar: "E qual foi a experiência da Guatemala em 1954 e do Chile em 1973? Não provou que a esquerda pode ser derrotada?" Não, respondeu Borge, secamente. Eles não armaram a cidade, é por isso que eles perderam.
Posteriormente, a questão das eleições e partidos de oposição foi discutida. "Borge disse que sua opinião pessoal é de que nenhum partido da oposição poderia chegar a ganhar dos sandinistas nas urnas. "Não agora", concordou Fuentes, "mas no futuro, por que não?" "Só se forem anti-imperialistas e revolucionários", proclamou Borge, "se um partido reacionário vencesse, deixaria de acreditar nas leis do desenvolvimento político". "Eu não teria tanta certeza sobre essas leis", avisou Fuentes.
Após aceitar a derrota de 1990, a Frente Sandinista perdeu a oportunidade de recuperar os espaços eleitorais, lutando sob regras democráticas para conquistar novamente a maioria dos eleitores. O critério obsoleto de vanguarda dona da verdade, que representa o povo, ainda que a maioria fosse contra, voltou a se impor.
E quando Daniel Ortega, após três derrotas, finalmente conseguiu vencer em 2006, não venceu porque tinha a maioria novamente, mas porque selou um pacto com Arnoldo Alemán, então líder do Partido Liberal, por meio do qual a Constituição foi reformada para que pudesse ganhar no primeiro turno com 35% dos votos, o máximo que o eterno e insubstituível candidato conseguiu obter.
Pelo que aconteceu desde então, estou convencido que Ortega prometeu nunca mais perder, razão pela qual, ao longo desses anos, em seu esquema de preservação do poder a todo custo, está ausente a vontade de aceitar que a derrota é uma regra essencial da democracia.
E há outra coisa que, em sua visita, Jáuregui acrescentou às regras do jogo democrático: o poder não é um fim em si mesmo, mas um meio de realizar um programa de governo. Assegurar a permanência no poder a qualquer preço somente é capaz de provocar crises tão profundas quanto as que a Nicarágua está experimentando hoje.
O poder não pode ser colocado em jogo, a derrota não é uma opção. É por isso que as reivindicações por um diálogo nacional não são ouvidas, porque um diálogo necessariamente leva a falar sobre eleições limpas e justas, com juízes imparciais e honestos, monitorados internacionalmente. Esse é o atoleiro que deve ser deixado para trás.
É necessário entender como Ortega ouve todos aqueles que lhe dizem, como o eurodeputado Jáuregui, que a democracia tem uma primeira regra, que é aceitar a possibilidade da derrota. Porque eleições unilaterais, com o mesmo vencedor, não são mais possíveis na nova realidade que a Nicarágua está experimentando. Isso só ajudará a ir mais fundo no abismo.
A crença de que o poder é um fim e não um meio é, neste ponto, catastrófica. E a exigência de que o país comece o quanto antes a viver sob um regime de democracia aberta, de livre opinião e eleições transparentes é o que a grande maioria dos cidadãos deseja.
Não devemos desvanecer com essa insistência, porque o diálogo e as eleições justas são a única saída possível.
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Nicarágua. Lições não aprendidas. Artigo de Sergio Ramírez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU