28 Março 2019
A denúncia dos abusos sexuais cometidos por padres e bispos contra as freiras teve o seu peso? “Na verdade, nós incomodávamos ainda antes. As mulheres pensantes incomodam. Depois, é claro, com a história dos abusos, demos a eles a prova de que eles tinham razão em desconfiar...”
Lucetta Scaraffia sorri. Ela aprendeu a levar tudo com ironia. Depois do Sínodo sobre a família, ela escreveu um livro, “Dall’ultimo banco” [Do último banco], que contava a sua experiência de mulher às margens da assembleia, sem direito a voto.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 27-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por que isso aconteceu?
Porque eles não nos queriam. Eles só querem pessoas que controlam. No início, houve uma tentativa de nos supervisionar, de colocar Monda também como diretor do ‘Donne Chiesa Mondo’, para que ele participasse das reuniões. Dissemos que, se isso acontecesse, nós nos demitiríamos. Quando o projeto voltou, eles nos deixaram livres para trabalhar, mas começou uma forma de deslegitimação sub-reptícia.
Você escreveu sobre a vontade de controle dos homens que querem “mulheres confiáveis”.
Eles nos deixaram livres para trabalhar, mas, no L’Osservatore, apareceram artigos sobre os nossos temas que seguiam uma linha oposta. O nosso jornal nasceu de uma iniciativa de mulheres, foi um laboratório intelectual, uma experiência belíssima. Criaram uma segunda voz das mulheres, mas amestrada. Colocaram mulheres contra mulheres.
Você falou a esse respeito com o prefeito para a Comunicação, Paolo Ruffini?
Sim, no começo. Eles queriam que a comunicação vaticana fosse compacta e unívoca, disse-me ele. E eu: tudo bem, deixe-me participar das reuniões.
E ele?
Ele começou a rir. Como se fosse uma pretensão inédita.
Como as mulheres são consideradas no Vaticano?
Muito mal. Elas não existem.
No entanto, o papa repete que “a Igreja é mulher”.
Bonito, mas é um modo de nos transformar em uma metáfora. Queremos ser ouvidas, contraditas, discutidas, como se faz com os homens, não nos tornamos metáforas. Sermos reconhecidas como interlocutoras na nossa diversidade: eu, por exemplo, sou contrária ao sacerdócio feminino.
Resiste a mentalidade segundo a qual as freiras devem lavar as meias dos padres?
Ah, sim, ela permanece intacta. No ano passado, publicamos uma investigação sobre a exploração das religiosas. Chegaram até nós muitíssimas mensagens de freiras. Sem dizer quem eram, elas escreviam: obrigada. Algo comovente.
Em Loreto, o papa falou de Maria como “filha, noiva, esposa e mãe”, ponto.
Era uma mulher de grande coragem que, muito jovem, desafiou a sociedade. Uma jovem que aceitou esse filho e corria o risco de ser apedrejada. Ninguém fala disso.
As mulheres poderiam ajudar a Igreja a sair da crise dos padres pedófilos?
É claro, um verdadeiro envolvimento das mulheres é o único modo de sair disso.
Quão generalizados são os abusos das freiras?
Muito. Eu acreditava que fosse apenas em alguns continentes, na América Latina, na Ásia, na África, mas ocorre também na Europa.
A vaticanista Valentina Alazraki disse aos bispos no Vaticano: “Eu gostaria que a Igreja jogasse no ataque, e não na defesa, como ocorreu no caso dos abusos de menores”.
Não sei o que ela fará. Por enquanto, a Igreja não joga, decidiu não jogar.
Como ela reagiu até agora?
Com o silêncio. Porque existe a questão do aborto que torna tudo ainda mais complicado e dramático em relação à pedofilia. Há bispos e padres que fizeram com que as mulheres que abusaram abortassem.
Como o caderno mensal de vocês foi acolhido no Vaticano?
Tivemos o apoio dos papas, de Bento XVI e Francisco, e também da Secretaria de Estado. Quanto ao resto, não nos liam. Ou, pelo menos, diziam que não o liam, que nos consideravam uma leitura para garçons.
Quem disse isso?
Deixemos isso de lado... Eles vivem em um mundo masculino no qual não se concebe que as mulheres entrem. Não conseguem sequer pensar nisso. Para eles, as mulheres não existem.
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''O problema foi o relato das freiras vítimas de abuso de padres. No Vaticano, só querem pessoas que possam controlar.'' Entrevista com Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU