24 Janeiro 2019
À espera da reunião de todos os presidentes das Conferências Episcopais sobre o tema dos abusos (Roma, 21 a 24 de fevereiro), está se movimentando o magma das violências contra as freiras por parte de padres e bispos. Particularmente na África, mas não só. A erupção é previsível quando o contexto civil ou midiático for favorável.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada em Settimana News, 18-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 23 de novembro, foi divulgado um comunicado da União Internacional das Superioras Gerais (UISG): “Pedimos que toda mulher religiosa que tenha sido vítima de abusos denuncie o ocorrido à superiora da própria congregação e às autoridades eclesiais e civis competentes”. O comunicado, compartilhado em sua essência, não foi apreciado por todos, dado o momento e por não ter escolhido canais mais internos. Poucos institutos o divulgaram.
O surdo murmúrio está em andamento há anos. “Teólogos morais e mães espirituais infelizmente conhecem essa realidade que hoje explode. Seria grave enfatizar unicamente aquilo que acontece na África, Chile, Índia, Filipinas etc. Sou testemunha de mulheres mais velhas do que eu que foram abusadas por padres na sua juventude também aqui, na nossa velha Europa. Mulheres jovens foram abusadas mais recentemente nos anos 1980, em pleno desenvolvimento das novas comunidades ligadas a movimentos carismáticos ou a correntes mais tradicionais.” As palavras da Ir. Geneviève Medevielle, professora honorária de teologia moral no Instituto Católico de Paris, enquadram e ligam as informações já conhecidas.
Em 2016, foi publicado na Itália o livro de Anna Deodato, “Vorrei risorgere dalle mie ferite” [Gostaria de ressurgir das minhas feridas] (EDB), em que se relata o caminho de resgate de algumas freiras vítimas de abuso.
Em julho de 2018, dentro de uma investigação mais ampla da Associated Press, foi denunciada uma violência em Bolonha. Na França, foi publicado em 2017 o testemunho de uma ex-religiosa, Marie-Laure Janssens (Le silence de la Vierge), e, no ano seguinte, o de Claire Maximova, ex-carmelita (La tyrannie du silence).
Em julho de 2018, seis religiosas chilenas denunciaram abusos de um padre visitador. No mesmo ano, na Índia, uma irmã Missionária de Jesus denunciou seu bispo (Dom Franco Mulakkal). Outro bispo indiano, Prasad Gallela, foi demitido por Roma devido a graves comportamentos econômicos e morais.
Em 30 de julho de 2018, a conferência que representa a maioria das irmãs norte-americanas pediu para denunciar os abusos sofridos. A lista poderia continuar.
Resta uma atenção particular à África, onde se multiplicam as pequenas fundações diocesanas. Em meados dos anos 1990, a Ir. Maura O’Donohue, responsável pela Cáritas em relação à pandemia da Aids, depois de uma sondagem com religiosas em 23 países, apresentou às autoridades romanas um estudo de denúncia que não teve continuidade.
Quatro anos depois, a Ir. Marie McDonald levou a Roma um relatório em que enfatizava não só as violências infligidas às freiras pelos “predadores”, mas também as cometidas pelos institutos que as abandonam.
Os textos foram publicados pelo National Catholic Reporter em março de 2001. De Roma, foi enviada uma carta aos bispos africanos, mas sem qualquer resultado visível.
As violências podem ser imediatas e gratuitas, mas normalmente nascem dentro de relações de poder e de autoridade espiritual e cultural. Uma cortina de silêncio quase insuperável, tanto dos autores quanto das vítimas, as manteve escondidas até agora. Parece que os países mais envolvidos são o Congo e o Quênia.
Em 2002, foi publicado um livro de um padre estadunidense, Donald Cozzens, “O silêncio sagrado: negação e crise na Igreja”, em que foram retomadas algumas denúncias.
Mais recentemente, a Ir. Mary Lembo preparou uma tese de doutorado no Instituto de Psicologia da Gregoriana, abordando 12 casos de agressão sexual e enfatizando o papel particular do padre: “É uma figura respeitada e temida. As vítimas tendem a se culpabilizar. Nos casos examinados, é frequente a religiosa que é questionada. Foi ela quem atraiu olhares e atenções: e muitas vezes ela é diretamente condenada”.
A Congregação para a Vida Consagrada, graças ao impulso dos atuais dirigentes, há tempos busca uma saída para uma matéria que envolve não só os religiosos e as religiosas, mas também a Congregação do Clero e a dos Bispos. É possível que, após a reunião prevista para o fim de fevereiro, algumas decisões sejam tomadas.
Não se trata apenas de problemas complexos de maturidade psicológica do clero e de relação entre as diversas responsabilidades dos órgãos vaticanos. Há elementos sobre os quais se pode agir, tanto no âmbito das estruturas locais, quanto naquelas, muito menos condicionáveis, das culturas.
A multiplicação, nas últimas décadas, de pequenas congregações femininas das quais o bispo é superior faz com que não haja controles internos adequados, e, em sua morte, as religiosas são abandonadas a si mesmas.
Os institutos internacionais que têm mais competências e autonomia financeira decidiram não pedir mais que as noviças obtenham uma carta de apresentação do pároco, mas que façam isso através da religiosa que entrou em contato com a interessada. Assim também se pede hoje do bispo que quer fundar uma congregação um parecer obrigatório (mas infelizmente não vinculante) do dicastério romano.
O impulso em relação a órgãos representativos em nível nacional deveria dar mais garantias aos institutos mais frágeis, e a insistência sobre as formadoras e a sua qualificação tornou-se geral.
A parte mais difícil é modificar as culturas e a relação entre homens e mulheres nelas. No Sínodo Especial para a África de 2009, havia sido sugerido um debate sobre o celibato dos padres, mas muitos bispos africanos se opuseram fortemente. Eles se sentiam ofendidos, porque os africanos eram considerados menos capazes de cumprir o celibato do que os outros.
Uma responsável internacional das religiosas me contou sobre o seu espanto diante de uma irritada reação de freiras negras em relação às denúncias sobre os abusos: “Vocês os chamam de abusos, mas vocês não entendem a relação entre mulheres e homens na nossa tradição cultural”.
O exercício da autoridade também é diferente. O padre é frequentemente considerado o chefe do vilarejo, com todos os comportamentos que isso envolve. Não estamos distantes da denúncia contra o Ocidente de impor as suas referências, com uma espécie de nova colonização interna ao cristianismo. Como se, depois da democracia na política e do mercado na economia, quisessem decretar o mesmo sobre a cultura moral. Uma passagem delicada, que, entre as agências mundiais, só a Igreja Católica é capaz de enfrentar hoje, mas cujo resultado não será nem fácil nem imediato.
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Freiras e abusos: a erupção de um vulcão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU