26 Março 2019
"A ascensão das gerações humanas ocorreu às custas da involução da biodiversidade, da diminuição da riqueza natural e da degradação dos ecossistemas", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 25-03-2019.
“Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”
Greta Thunberg
A população humana vem crescendo de geração em geração. Calcula-se que no início do Holoceno (há cerca de 12 mil anos) o número de pessoas no mundo não ultrapassava 5 milhões de habitantes, mas cresceu e chegou em torno de 250 milhões no ano 1 da Era Cristã, saltou para 1 bilhão de pessoas em 1800 e deve atingir 8 bilhões de habitantes em 2023. Segundo estimativas do Population Reference Bureau (PRB), já nasceram no Planeta, desde o surgimento do Homo sapiens, algo em torno de 108 bilhões de pessoas.
Em geral, as gerações mais velhas deixaram uma herança positiva para as gerações mais novas, tanto em termos materiais, quanto em termos espirituais. Nos últimos 200 anos, houve uma expressiva redução da mortalidade infantil, um aumento significativo da esperança de vida ao nascer e uma melhoria das condições de vida da população mundial, com avanços na educação, saúde, moradia, etc. Isto é o que se chama de mobilidade social ascendente ou ciclo intergeracional ascendente, já que, na média, a vida dos filhos melhora em relação à vida dos pais.
Contudo, a ascensão das gerações humanas ocorreu às custas da involução da biodiversidade, da diminuição da riqueza natural e da degradação dos ecossistemas. Enquanto a humanidade enriquecia o meio ambiente empobrecia. A ECOnomia avançou degradando a ECOlogia, mas é a primeira que depende da segunda e não o contrário. Ou seja, o ser humano depende da natureza e a natureza floresce melhor com mais abelhas e insetos e com menos seres humanos.
O fato é que o Planeta caminha para um colapso ambiental que pode se transformar em um colapso civilizacional. Como diz o jornalista David Wallace-Wells, caminhamos para uma “Terra inabitável”, pois além dos diversos elementos de degradação (como a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres climáticos extremos: secas, chuvas, furacões e inundações de grandes proporções), o aquecimento global vai ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar no futuro e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental.
O padrão de vida adotado nos últimos 200 anos (desde o início do uso generalizado dos combustíveis fósseis e do consumismo extremo) está provocando a 6ª extinção em massa das espécies, reduzindo a biocapacidade da Terra, aquecendo o Planeta e levando a humanidade para o rumo do abismo.
Evidentemente, são as novas e a futuras gerações que irão pagar o maior preço pelo irresponsável estilo de vida das antigas e atuais gerações de humanos.
Desta forma, torna-se impactante quando uma estudante sueca de 16 anos, Greta Thunberg, lidera um movimento global contra as mudanças climáticas e chama a atenção dos adultos para o caos climático que já provoca tantas destruições e que deve se agravar nos tempos vindouros. O evento de caráter revolucionário ficou conhecido como: “Greve Global pelo Futuro: um movimento de estudantes contra a inércia dos adultos”.
As manifestações da sexta-feira, dia 15 de março de 2019, foram as maiores mobilizações globais contra as mudanças climáticas antropogênicas de todos os tempos. Ao todo, aconteceram pelo menos 2 mil eventos, em mais de 1.300 cidades, ocorridos em 123 países, envolvendo milhões de estudantes.
Greta Thunberg (que foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz) disse: “Precisamos urgentemente de uma visão holística para lidar com a crise de sustentabilidade total e o desastre ecológico em curso. E é por isso que eu sempre digo que precisamos começar a tratar a crise pelo que ela é. Porque só assim – e só guiados pela melhor ciência disponível (como está claramente afirmado em todo o Acordo de Paris) – é que podemos começar a criar juntos uma saída global”. Mas ela reclama dos críticos que dizem que os jovens não oferecem soluções para a crise ecológica: “Como vocês podem jogar esse fardo sobre nós?”.
Mas o que ecoa mais forte por parte de todo este movimento da juventude mundial contra o desastre ecológico é a frase de Greta direcionada às gerações ascendentes: “Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”.
Este alerta vem modificar a relação existente entre as gerações, base de um relacionamento que prevaleceu nos últimos 12 mil anos (quando havia estabilidade homeostática do clima durante o Holoceno). No passado, os filhos agradeciam aos pais por terem nascidos e davam crédito e reconhecimento por receberem um herança positiva.
Mas atualmente, os filhos questionam os pais pela bagunça onde eles nasceram. As crianças e adolescentes estão começando a perceber que estão recebendo uma “herança maldita” e que vão ter que pagar pelo passivo ambiental deixado pelas gerações mais velhas. A crise ecológica e climática está acirrando o conflito intergeracional e agravando o mal-estar civilizacional.
Os 108 bilhões de humanos que já passaram pela Terra – onde quer que estejam – vão ter que pedir desculpas para as futuras gerações. E algumas pessoas já estão fazendo cobranças. O indiano Raphael Samiel, de 27 anos, decidiu entrar na justiça contra os próprios pais, que o conceberam sem o seu consentimento. Ele disse: “É errado trazer crianças ao mundo porque elas têm que tolerar o sofrimento ao longo da vida”. Os movimentos GINK (Green Inclination, No Kids) e “BirthStrike” (greve de nascimento por causa do aquecimento global) já compreenderam que o ambiente não é favorável às gerações descendentes.
É complicado e embaraçoso os país sentirem culpa pela geração de filhos. Mas esta é a tristonha realidade global. Por isto, a esperança contra o apocalipse climático está depositada nas “Sextas-feiras pelo futuro”.
David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
Redação. Indiano de 27 anos processa os pais por ter nascido, Galileu, 13/02/2019
Lisa Hymas. The GINK (Green Inclinations, No Kids) manifesto. Say it loud: I’m childfree and I’m proud. 30/03/2010
Elle Hunt. BirthStrikers: meet the women who refuse to have children until climate change ends, The Guardian, 12/03/2019
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O conflito intergeracional, as mudanças climáticas e a Terra inabitável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU