12 Março 2019
Por que os partidos costumam investir em eleitores já convencidos? Quais são, neste sentido, os benefícios estratégicos que o clientelismo supõe aos políticos tradicionais? Como explicar sua sobrevivência e consolidação durante o último período? Estas foram apenas algumas das perguntas que motivaram Thad Dunning a vir ao país [Argentina], em 2010, para encarar uma extensa pesquisa de campo.
Apoiando-se no desenvolvimento de teóricos como John Rawls e com a colaboração de outros colegas, o trabalho desembocou em uma publicação realizada pela Universidade de Cambridge, onde através do caso argentino – mas também de outros países como México e Venezuela – são analisadas as lógicas distributivas que regem o mercado eleitoral e sua relação com os processos democráticos. Pesquisador e professor na Universidade de Berkeley, especializado em política comparada, Dunning, na realidade, há vários anos, vem estudando a região a partir de diversas dimensões. De passagem por Buenos Aires e convidado pela Universidade de San Andrés, compartilhou algumas de suas conclusões e inquietudes.
A entrevista é de Carolina Keve, publicada por Clarín-Revista Ñ, 08-03-2019. A tradução é do Cepat.
Por que se interessa tanto pela América Latina?
Aos 18 anos fui ao Equador e, desde então, sempre me interessou a política da região. Além disso, Berkeley tem uma grande tradição nestes estudos, sobretudo nos processos democráticos e as diversas formas de pensar o tema da inclusão... Nos anos 1990, estava ocorrendo um momento de inflexão na região. Ao não se ver ameaçada por golpes militares, era possível começar a pensar nos processos de inclusão social. Hoje, acredito, estamos vivendo outro momento.
Justamente a esse respeito, em 2017, divulgou um trabalho sobre os processos eleitorais no Brasil. Como pensar essas conclusões após o triunfo de Jair Bolsonaro?
O Brasil está vivendo um momento muito particular na política. Para entendê-lo, acredito que é preciso fazer uma distinção entre raça e povo. Talvez na favela exista mais uma mistura, com gente que veio do Nordeste, filhos de descendentes europeus e os negros. Ali, sim, ocorre uma democracia racial. Mas, não é o que acontece no resto do enorme país que é o Brasil, e talvez esse resto explique o voto em Bolsonaro. O caso coloca em questão justamente o mito da democracia racial.
Em que consiste?
O caso do Brasil me interessou porque se costuma dizer que lá as fronteiras são muito mais fluidas ou heterodoxas. Por exemplo, o censo sobre a população tem 5 categorias étnicas: “Branco – Pardo – Negro – Indígena – Amarelo”. Pois bem, em nosso trabalho de campo, como primeiro ponto, pudemos documentar que existe uma sobrerrepresentação de brancos brasileiros na classe política. Isto vai contra esse mito que supõe relações fluidas entre as raças.
Uma questão interessante com a qual nos deparamos foi ao analisar a relação entre as raças dos políticos e as preferências dos eleitores. Para isso, apresentamos aos entrevistados dois candidatos hipotéticos em um vídeo que usavam o mesmo discurso, apenas variava a raça deles. Fizemos o estudo no Rio de Janeiro e em Salvador, na Bahia. E foi uma surpresa, porque descobrimos que não tinha nenhum efeito. A preferência do eleitor não parecia, então, ser um fator determinante para explicar a sobrerrepresentação dos brancos, o que alimentava nosso quebra-cabeça...
E que fatores encontraram?
A sobrerrepresentação se dá a quem chega às eleições. Os brancos contam com outros recursos e também atraem mais investimentos por parte das elites.
Como estes comportamentos se conjugam ao observado na Argentina?
Na realidade, o trabalho nos interessou porque nunca se havia teorizado sobre as implicações na relação entre os líderes dos partidos – candidatos, servidores, dirigentes, etc. – e os punteros de base [figura que controla um determinado território e que trava uma relação clientelista com os líderes, oferecendo seus serviços em troca de cargos no governo ou no partido]. Talvez fosse um pouco óbvio, mas nos pareceu ser necessário pensar esse vínculo. Nas ciências políticas, existe um debate permanente sobre como os líderes dos partidos potencializam seus recursos aos eleitores do centro, que são os indecisos e, portanto, os mais influenciáveis. Desta perspectiva, nos perguntamos por que gastar dinheiro com aqueles que já estão convencidos, porque o objetivo do puntero local é mostrar a seu líder que possui uma massa do povo que o segue. Neste sentido, não distingue quem é um convencido e quem não. Ou seja, esse trabalho de campo nos permitia colocar em questionamento algumas premissas muito instaladas nas ciências políticas.
Outro fator que estudou são os recursos naturais. Por que escolher essa dimensão para abordar a emergência ou o funcionamento dos autoritarismos?
Fundamentalmente, interessava-me colocar em questão outra premissa que costuma se escutar muito nas ciências sociais, que considera que o petróleo costuma estimular regimes antidemocráticos. Acredito, ao contrário, que a relação é mais complexa. Ou, ao menos, é o que surge da evidência empírica.
Por exemplo?
E na Venezuela, de fato, ocorreu tudo ao contrário. Durante os anos 1970 e inícios dos 1980, a Venezuela oferecia uma situação muito diferente da América Latina, onde havia regimes militares autoritários. Neste sentido, a renda petroleira havia contribuído para suavizar os conflitos sociais. Acredito que a América Latina, na realidade, apresenta diferenças em relação às proposições de toda a literatura gerada em torno do Oriente Médio. E o que explica isto é que essa renda permite diminuir os custos redistributivos. Hoje em dia, é diferente na Venezuela porque justamente essa renda caiu bastante, devido ao mal desempenho da PDVSA e também pela queda internacional do preço do petróleo.
Um dos pontos que destacou em seus trabalhos é como a rentabilidade pela matéria-prima produz uma falta de diversificação das economias, animando a formação de poderes muito concentrados.
Sim, o que conhecemos como dutch disease (n. da. R.: conhecido como a “doença holandesa”, refere-se aos efeitos nocivos que o ingresso acelerado de divisas pode produzir em um sistema econômico). Por isso, interessou-me estudar casos onde o petróleo é a única dimensão econômica que importa, e ver como se comportam os efeitos autoritários.
A esse respeito, menciona o caso da África do Sul como um exemplo de uma economia que soube se diversificar. No entanto, isto não se traduziu em maior democracia. O Apartheid pode ser definido como uma das cristalizações mais acabadas das desigualdades.
Sim, mas desde o início, já com a colonização britânica, na África do Sul houve setores que funcionaram como uma espécie de contrapeso daqueles dependentes da renda mineira. Trata-se de um caso bastante diferente em relação ao de outros países nesse mesmo continente. E isto teve suas consequências na resposta frente às sanções impostas contra o Apartheid, onde houve um voto a favor da democracia e a transição. Se o poder tivesse ficado concentrado nessa renda mineira, acredito que a resposta teria sido outra.
E onde está a solução para aqueles países que persistem em uma estrutura econômica unificada?
Acredito que para os países muito dependentes destas rendas, a solução está chegando. O mundo está entrando em uma transição energética a partir do aumento de fontes alternativas e, a longo prazo, necessariamente isto irá significar uma grande mudança.
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Democracia e eleitores em tensão. Entrevista com Thad Dunning - Instituto Humanitas Unisinos - IHU