14 Fevereiro 2019
Em uma semana, os presidentes das conferências de bispos do mundo iniciarão um encontro de 4 dias, em Roma, para discutir a resposta da igreja diante dos abusos sexuais do clero. O que nós podemos, razoavelmente, esperar de um encontro tão curto sobre um problema tão complexo?
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 13-02-2019. A tradução é de Natalia Froner dos Santos.
Muitos prognósticos apontam que o encontro será bem abaixo das expectativas. Acredito que dependerá de como são essas expectativas. Por exemplo, meu colega jesuíta Tom Reese deu cinco razões pelas quais acredita que o encontro fracassará, sendo a última delas: "No entanto, o encontro falhará porque, para ter sucesso, Francisco terá que estabelecer a lei e apenas dizer aos bispos o que fazer, ao invés de consultá-los. Ele terá que apresentar uma solução para a crise e dizer-lhes que a implementem".
Francisco não fará isso. Ele não se coloca como CEO da Igreja Católica. Ele possui um grande respeito pela colegialidade, a crença de que o Papa não deve agir como um monarca absoluto. Em seu primeiro sínodo de bispos, ele encorajou os bispos a falarem ousadamente e não terem medo de discordar dele.
Acredito que a difícil decisão que Reese apresenta erra como resultado mais provável do encontro. Sim, o Papa exigirá que todas as conferências episcopais promulguem políticas semelhantes à Carta de Dallas para Proteção de Menores, de 2002, que os bispos dos EUA já haviam adotado, exigindo tolerância zero para este crime e pecado. Mas, eu também antecipo que o Papa Francisco entenderá a necessidade de cada conferência episcopal desenvolver suas próprias políticas, de acordo com as variantes legais e culturais de cada país. Essas políticas vão provavelmente precisar de uma assinatura de Roma para garantir que sejam completas o suficiente, da mesma forma que o Vaticano assina em traduções litúrgicas e outros assuntos.
Além das diferenças legais e culturais de cada país, igrejas locais estão em diferentes estágios quanto ao confronto dos abusos sexuais cometidos pelo seu clero. Nós nos EUA estamos lidando com esse problema há mais de três décadas. Em alguns países os bispos talvez nem pensem quem têm um problema. É provável que o problema em culturas esmagadoramente católicas se manifeste diferente dos EUA – onde a cultura é calvinista e católicos são a minoria. Quando igrejas católicas chefiam grande parte dos serviços sociais de um país, incluindo orfanatos, um pedófilo pode fazer mais mal em um orfanato do que em uma paróquia, e para quem um órfão pode recorrer buscando proteção? Eu espero que, independente do que aconteça semana que vem, cada país esteja pronto para dar um grande passo a frente de onde está agora, comprometendo-se a confrontar esse pecado e crime.
Ao escrever essa última frase, primeiro eu usei o verbo “erradicar” ao invés de “confrontar”. Nós americanos gostamos de nossas soluções, mas a iniquidade do coração humano é um dos mistérios da Criação. O Papa Francisco reconheceu isso quando ele disse em seu voo de volta do Panamá, “As expectativas precisam ser esvaziadas. O problema do abuso continuará. É um problema humano, em todo lugar.” Mais uma vez, indico ao leitor minha citação favorita sobre humildade, de Winston S. Churchill, Marlborough: His Life and Times (“Marlborough: Sua Vida e Época”, em tradução livre), ao revisitar os eventos extraordinários do ano de 1706:
As vitórias de Ramilies e Turin: o alívio de Barcelona; a captura de Antuérpia e uma dúzia de famosas fortalezas nos Países Baixos; os franceses expulsos da Itália; a entrada de Carlos III em Madrid; a supressão completa da França sobre mares e oceanos – tudo isso preparou um caminho amplo e fácil ao longo do qual os estados signatários da Grande Aliança, que haviam lutado tanto contra o infortúnio, podiam andar em paz. Mas pela misteriosa lei que talvez, em maiores interesses, limita a realização humana e barra ou salva o mundo de soluções claras, esse segundo reavivamento da causa aliada levou apenas a um segundo declínio.
Talvez sejamos perdoados por querer uma “solução clara” para o flagelo do clero, ou para adultos abusando sexualmente de crianças, mas a urgência por soluções “totais” é a fonte dos maiores crimes da história da humanidade.
Antecipo que haverá algumas discussões na próxima semana sobre o grau em que a homossexualidade seja uma causa do abuso sexual do clero. Não é, mas algumas pessoas seguem espalhando o mito de que isto é um problema. Meu colega Jesse Remedios relatou numa conferência sobre a crise, na semana passada, na Catholic University of America. “Acredito que o assunto mais profundo, além da questão restrita do abuso sexual infantil, é em que grau o abuso sexual infantil, ou o que aconteceu com o cardeal McCarrick, reflete uma cultura maior de ‘não pergunte, não conte”, disse o professor de teologia da universidade, Michael Root. “Os leigos, se esse é o caso, precisam dizer que isso realmente necessita acabar.”
De todos os exemplos de hipocrisia sistêmica a serem invocados, por que Root escolheu um que envolve a homossexualidade? Na conferência episcopal dos EUA do ano passado, me impressionou que os bispos conservadores estivessem confusos sobre McCarrick, mas estavam menos confusos ao se tratar do relatório do grande júri da Pensilvânia. Ainda assim, nenhum deles quis citar a fonte muito óbvia do problema de McCarrick, o fato de que São João Paulo II e seus colaboradores mais próximos olhavam para o outro lado enquanto promoviam McCarrick. Santo troppo subito, como me disseram na semana passada.
A real fonte da crise é a cultura do clero que nos leva à questão relacionada, mas distinta, que será abordada, mas não resolvida, no encontro da próxima semana, a questão da responsabilidade episcopal. Todos nós usamos a frase “crise de abusos sexuais do clero” ao nos referirmos aos eventos de 2018, porém isso não é preciso. Nós não soubemos que haviam milhares ou até mesmo centenas de novos casos de abusos pelo clero. O que nós soubemos é que alguns bispos ainda não sentiam a necessidade de minimamente se responsabilizarem pela publicação dos nomes desses acusados de abuso, para que outras vítimas pudessem ser encorajadas a se apresentarem.
Outros não podiam falar sobre o dano sacramental que sua negligência causou na comunidade de crentes, ou tentaram culpar outros bispos, como se os bispos americanos perdessem apenas para oficiais do Exército e Marinha ao se tratar de manter um senso de identidade corporativa. Por que foi necessário para jornalistas católicos sugerirem rituais de arrependimento? O que nós descobrimos é que muitos bispos ainda estão bem mais preocupados com a reputação da Igreja – ou com sua própria reputação – do que com qualquer outra questão. 2018 expôs em que grau a cultura clerical ainda permanecia focando nas coisas erradas. 2018 não foi um ano sobre a crise dos abusos sexuais, mas sim sobre uma crise eclesiológica.
Aqui o problema não são quais protocolos as várias conferências episcopais irão adotar, mas quais procedimentos a Cúria Romana irá promulgar. Papa Francisco em sua motu proprio “Como uma Mãe Amorosa”, deixou bem claro que pretendia responsabilizar os bispos por negligência na proteção das crianças, e retiraria aqueles que foram tão negligentes de seus cargos. “O bispo ou eparca diocesano só pode ser removido se ele faltar objetivamente, de uma maneira muito grave, a diligência que seu ofício pastoral lhe exige, mesmo que não tenham ocorrido grandes faltas morais de sua parte”, alega o documento.
Eu não sei porque as congregações relevantes da Cúria não publicaram seus procedimentos para investigar casos de negligência. Não sei porque não houve desenvolvimento canônico nesta área, mesmo que pareça que o Papa esperava por tal legislação quando disse, na mesma conferência do voo de volta do Panamá, que ele queria que os protocolos relativos à vigilância fossem claros. No mais notório caso de negligência, que não foi para uma congregação, mas chegou diretamente à mesa do Papa, sabemos o quanto ele foi decisivo: ele exigiu a renúncia de toda a hierarquia do Chile.
Há uma maneira pela qual ele pode convencer os dicastérios relevantes a conseguirem a liderança de seus esforços para desenvolver tais políticas. O Papa poderia dizer que até que tais políticas sejam adotadas, ele e o Conselho dos Cardeais examinarão todos os casos de negligência episcopal. Se você sabe alguma coisa sobre burocracias, sabe que elas são conscientes, e o pensamento de perder o controle sobre algo tão importante estimularia os dicastérios a elaborar os procedimentos necessários.
Minhas expectativas para a cúpula, então, não são ruins, mas também não são grandiosas. Eu espero que cada bispo vá para a casa com uma noção clara do que precisa ser feito a nível local para proteger as crianças, e mais ainda, convencido da necessidade de reexaminar a cultura clerical que serviu como uma “placa Petri” para esse pecado e crime. Os sucessores dos apóstolos não podem passar adiante a tarefa de revitalizar essa cultura de uma maneira que a aproxime do que Cristo pretendia quando ele constituiu o colégio apostólico. Eles devem, como o Mestre disse, pegar sua cruz e segui-lo.
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Não há uma solução clara sobre os abusos, mas o encontro da próxima semana não será um fracasso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU