16 Fevereiro 2019
“Se a missão da teologia moral é contribuir para que o humano possa alcançar a plena floração e seja capaz de produzir e difundir amor, então o seu ensinamento não pode deixar de indicar percursos de crescimento que levem os futuros ministros a uma relação harmoniosa com a própria sexualidade.”
A opinião é do teólogo e sacerdote italiano Roberto Massaro, professor da Teologia Moral Sexual na Facoltà Teologica Pugliese, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 08-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há poucas semanas, durante uma aula do curso de moral sexual, enquanto eu abordava as problemáticas relacionadas com a educação sexual nos percursos pré-matrimoniais, reconhecendo aí muitas lacunas, um aluno interveio dizendo: “Professor, nós, nestes anos de seminário, abordarmos apenas do tema do celibato, mas nunca um percurso sério sobre os temas sexuais”.
Tal afirmação, certamente fruto também do esquecimento do aluno, contrasta fortemente com o apelo à responsabilidade formativa decorrente da inundação de casos de abusos sexuais perpetrados por homens da Igreja (uma recente pesquisa realizada na Austrália constata que 7% dos padres australianos foi acusado de pedofilia).
Muitas vezes, a opinião pública extra ou intraeclesial apontou o dedo contra o celibato ou a formação do clero. Perguntamo-nos se o ensino da teologia, no caso específico da teologia moral, também pode ser “culpada” e quais caminhos ela pode indicar para uma renovação global.
A teologia moral recebeu do Concílio uma tarefa árdua:
“Ponha-se especial cuidado em aperfeiçoar a teologia moral, cuja exposição científica, mais alimentada pela Sagrada Escritura, deve revelar a grandeza da vocação dos fiéis em Cristo e a sua obrigação de dar frutos na caridade para vida do mundo” (Optatam totius, n. 16).
Ela, portanto, não é chamada apenas à transmissão de conteúdos, nem somente à formulação de teorias assépticas, mas sim a contribuir para que o humano possa alcançar a plena floração e seja capaz de produzir e difundir amor.
Se essa é a missão da teologia moral, então o seu ensinamento (muitas vezes dirigido a jovens que se preparam para viver o ministério presbiteral) não pode deixar de indicar percursos de crescimento que levem os futuros ministros a uma relação harmoniosa com a própria sexualidade.
Resulta daí que a abordagem didática dos cursos de teologia moral também deveria estar mais atenta a suscitar perguntas, que levem a assumir um estilo renovado à luz daquilo que o mistério de Cristo sugere ao homem que deseja responder ao seu chamado.
Uma tríplice conversão poderia ajudar.
Uma certa forma de ascetismo desencarnado muitas vezes leva à ideia de que a escolha celibatária deve eliminar toda forma de erotismo, para acolher e viver um amor agápico, totalmente gratuito, à imagem do amor totalmente oblativo de Cristo pela humanidade.
Isso foi ensinado por uma teologia moral elaborada frequentemente por homens celibatários, com o risco de formar “voyeurs desencarnados, olhos sem rosto, padres que julgam o comportamento sexual de outras pessoas sem conhecer o que é a sexualidade ou como ela potencializa positivamente as relações humanas e as experiências de vida” [1].
- Uma teologia moral que se converte ao eros é capaz de mostrar a sexualidade como algo belo e bom e, assim, pode ensinar a se acolher como como pessoas sexuadas, portadoras de uma energia positiva, que sabem se orientar ao outro com a capacidade interpretar o próprio corpo sem serem aterrorizadas pela sua linguagem particular e difícil.
- Pode ajudar ainda a enfrentar e dar um nome à própria orientação sexual, em um clima eclesial sereno e acolhedor que não demoniza a homossexualidade e não a considera um distúrbio comparável à pedofilia.
- Pode reconhecer e valorizar o papel da mulher, escutando também o novum que a sua “voz diferente” pode trazer para a teologia, favorecendo as condições para que mulheres e leigos casados aprofundem e ensinem a ética teológica.
- Enfim, pode sustentar no reconhecimento das dificuldades que o compromisso do celibato envolve, sem ter o temor de defini-lo como uma falta, um “luto” na vida do presbítero, indicando na fraternidade sacerdotal, nas amizades paritárias, no empenho pastoral ou em outros caminhos aquelas sadias sublimações que permitam elaborar um vazio tão grande.
Uma pergunta que aflige muitos fiéis e todos aqueles que estão empenhados em erradicar o fenômeno dos abusos é: como foi possível que o fenômeno da pedofilia também se assentasse no clero católico? Provavelmente, uma das possíveis razões deveria ser buscada além – como já mencionamos – de uma visão distorcida da escolha celibatária, também na configuração a-histórica do poder clerical (sobre isso, veja-se o amplo ensaio de Hervé Legrand em Il Regno Attualità [disponível aqui, em italiano]).
De fato, o pedófilo – de acordo com estudos com autoridade – seria uma pessoa incapaz de estabelecer relações afetivo-sexuais com um igual e encontraria na criança um parceiro sexual remissivo e passivo a ser dominado. Em nossa opinião, não é difícil compreender que uma Igreja excessivamente clerical pode ser um refúgio excelente para pessoas afetadas por tal desordem.
Nisso, talvez, a teologia moral também tem as suas culpas. O antigo e sábio adágio afonsiano, segundo o qual o confessor é pai, médico, juiz e doutor, teria criado a imagem de um padre-dono da consciência dos fiéis.
Uma reavaliação do papel da consciência moral, já admiravelmente aberta pelo Concílio, ajudaria a redimensionar esse papel onipotente, em favor de uma ministério diakonico, que cuida, “perdendo tempo”, e escuta a voz dos fiéis para encontrar juntos possíveis percursos de redenção.
Por fim, a teologia moral – pelo menos até a virada do magistério do Papa Francisco – se centrou demasiadamente nas problemáticas sexuais, fazendo-as se tornar o único problema de verdade da reflexão ética. De fato, retomando a dura expressão de Gorrel, às vezes os teólogos morais também se pareceram a “voyeurs desencarnados”. Demasiada atenção às questões sexuais pode gerar quase uma obsessão que não pode deixar de ter repercussões no indivíduo, principalmente se já estiver marcado por fragilidades e inconsistências pessoais.
Pense-se que – como recorda Marciano Vidal no seu recente livro-entrevista – “Santo Afonso dedica apenas 40 páginas à moral sexual e 240 à moral social”.
Com efeito, parece que a teologia moral trata de modo diferente as questões sociais e as sexuais. As primeiras são tratadas de modo suave; as segundas, de modo rígido. Para as primeiras, tende-se a oferecer juízos morais articulados e voltados ao discernimento dos casos particulares; para as segundas, ainda vigora o mantra da “non parvitas materiae in rebus venereis” (expressão que indica que, no âmbito do sexto mandamento, não há matéria leve, mas apenas matéria grave) e uma linguagem normativa rigidamente colocada no esquema binário do lícito e do ilícito.
Uma teologia moral que olhe para as questões sexuais sob o paradigma da complexidade e dê a mesma importância às questões sociais seria capaz de fazer com que se acolha a globalidade do humano em todas as suas facetas, curando a mórbida e doentia relação com o eros.
Não devemos esquecer isso! A teologia moral deve ser uma disciplina libertadora! Quem nos recorda isso é um dos grandes gigantes da matéria, Bernhard Häring, que, em um livreto dedicado justamente ao ministério presbiteral, escrevia:
“A teologia moral deve tornar livres e capazes de se alegrar em Deus, de se alegrar a serviço de Deus e do próximo. Deve indicar e abrir os caminhos que levem a relações pessoais e a estruturas saudáveis e sanadoras.”
1. P. J. Gorrel. “The Roman Catholic pedophilia crisis and the call to erotic conversion”, in Theology and sexuality 3 (2006), 265.
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Clero e abuso: culpas e remédios da teologia moral. Artigo de Roberto Massaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU