13 Fevereiro 2019
“O dinheiro está tentando comprar parlamentos, governos, juízes, jornalistas e diplomatas. E agora o dinheiro católico está tentando comprar a hierarquia da Igreja, cujo preço se tornou muito mais barato como resultado do escândalo dos abusos clericais.”
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA. O artigo foi publicado em La Croix International, 11-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há exatamente 90 anos, a Itália fascista e a Santa Sé assinaram o Tratado de Latrão, resolvendo assim a “questão romana” que havia sido criada pela perda dos Estados Papais e a conquista da Cidade Eterna pelas tropas italianas em setembro de 1870.
O tratado de 11 de fevereiro de 1929 foi um triunfo diplomático tanto para Benito Mussolini quanto para o Papa Pio XI.
O regime fascista recebeu a confirmação do apoio político dos católicos italianos, e a Santa Sé recebeu uma soberania territorial mínima, mas essencial.
Isso daria ao papado a liberdade necessária para governar a Igreja Católica universal, após a humilhante exclusão da Santa Sé das negociações de paz de 1919.
Há 90 anos, a liberdade da Igreja estava essencialmente assegurada e ameaçada pelo poder de um Estado-nação que então tentava controlar e subjugar o poder espiritual.
Hoje, a liberdade da Igreja ainda está em risco. Isso é verdade em alguns países ao longo do chamado “paralelo 10” na África e na Ásia, onde os cristãos enfrentam uma crescente ameaça à sua liberdade religiosa. Essa ameaça é visível e é um sinal dos nossos tempos.
Mas a Igreja enfrenta outro sinal dos nossos tempos, que é mais sutil e insidioso. É a ameaça que o dinheiro representa para a liberdade da Igreja, apresentando-se na linguagem das ofertas de “proteção”.
Pelo menos desde o século VIII (com a aliança entre o Papa Estêvão II e os Francos), todo poder que já ofereceu “proteção” à Igreja sempre cobrou um preço: a “sujeição” da Igreja a esse poder.
Ao longo dos séculos, a Igreja procurou diferentes formas de administrar a sua coexistência terrena essencial com o poder político secular.
O resultado foi a elaboração de uma lógica teológica e magisterial para as relações entre a Igreja e o Estado: da “teoria das duas espadas” do Papa Gelásio (fim do século V), passando pela “controvérsia das investiduras” (séculos XI e XII), até a “potestas indirecta” do cardeal Roberto Bellarmino (início do século XVII) e até os dois Concílios Vaticano (1869-70 e 1962-65).
A questão do dinheiro sempre foi uma parte importante dos acordos. Mas a fonte dessas finanças sempre foi o poder político.
O dinheiro manda, como diz o ditado. E graças a uma concentração sem precedentes de riqueza nas mãos de muito poucas pessoas, o dinheiro tornou-se um poder em si mesmo, capaz de possuir e de substituir o poder político.
Isso também pode estar acontecendo na Igreja Católica, especialmente naqueles países onde o dinheiro já possui políticos. Há alguns católicos abastados que não veem nenhuma razão para não poderem fazer com os órgãos governamentais da Igreja aquilo que já fazem com as autoridades públicas eleitas.
Isso muitas vezes afeta a liberdade das lideranças da Igreja, tanto dentro do clero quanto entre os leigos. Embora o Estado também faça isso por meio de leis e políticas públicas, os autoproclamados “bons católicos” de grandes meios financeiros estão fazendo isso de uma forma mais silenciosa e menos evidente.
Por exemplo, é bem sabido que uma Cúria diocesana tem maior probabilidade de retornar um telefonema do que um grande doador financeiro.
E, nos níveis nacional e internacional, as iniciativas de evangelização e de assistência dependem cada vez mais de doações de caridade de católicos individuais ricos. Essas doações geralmente vêm com condições.
Isso é verdade no campo da educação católica, onde os benfeitores ricos dão fundos em troca da possibilidade de orientar a pastoral em uma direção específica.
Isso é verdade não apenas para a pastoral universitária em pequenas faculdades católicas sem dinheiro, mas também em universidades de prestígio, como a Universidade Católica da América, em Washington.
E todos sabemos como algumas mídias católicas conservadoras com sede nos EUA são fortemente influenciadas por ricos doadores católicos.
A influência do dinheiro é uma questão bipartidária.
Mas é inegável que, nos últimos anos, tem sido um grupo de bilionários de direita que tentou uma tomada hostil da Igreja Católica dos EUA, como Tom Roberts recentemente argumentou.
A extrema riqueza desses católicos conservadores faz parte da atual oposição ao Papa Francisco. Mas também é uma ameaça de longo prazo que requer ação e um novo pensamento.
Na tradição católica, há muito tempo existe uma reflexão sobre o poder político. O que é necessário agora é uma eclesiologia do dinheiro.
É necessário abordar a relação entre a Igreja Católica e as finanças em uma época em que o dinheiro se tornou capaz de governar e dominar tudo: da escolha e eleição de políticos à ciência e educação.
Obviamente, em uma Igreja global, as relações entre catolicismo e dinheiro sempre serão influenciadas por situações históricas, políticas e sociais muito diferentes.
É impensável, por exemplo, que a Igreja Católica na Itália e na Alemanha, com suas concordatas e a quantidade de dinheiro que detêm, possam adotar o sistema estadunidense, em que a Igreja Católica continuará precisando do apoio do dinheiro privado.
O modelo australiano e canadense, em que o dinheiro do governo ajuda a apoiar o sistema escolar católico, não pode e não deve ser desestabilizado em nome de um novo tipo de puritanismo que prejudicaria a missão da Igreja.
Isso significa que a relação entre Igreja e dinheiro terá que se ajustar às tradições e circunstâncias locais.
O Concílio Vaticano II começou a falar sobre “a Igreja dos pobres”, e Francisco adotou essa intuição teológica de mais de 50 anos atrás em uma direção ligeiramente diferente: “uma Igreja pobre” e uma “Igreja para os pobres”.
A Igreja, em seu proverbial pragmatismo, não é ingênua sobre isso. Mas às vezes há um excesso de pragmatismo.
Em alguns países onde a Igreja depende muito de doadores privados, as lideranças eclesiais simplesmente não podem dizer em voz alta o que pensam, se querem que suas Igrejas continuem ministrando através de uma grande variedade de instituições (paróquias, escolas, hospitais etc.) que não podem sobreviver sem grandes doadores.
Por que a influência de católicos ricos é particularmente insidiosa hoje em dia? Eu diria por pelo menos dois motivos.
A primeira razão é que alguns bispos que são particularmente francos (e muitas vezes com boas razões) sobre as ameaças contra a liberdade religiosa são claramente relutantes em afirmar a liberdade da Igreja em relação ao dinheiro ligado a interesses especiais.
O dinheiro hoje não flui para a Igreja a fim de comprar influência ou financiar as artes com o objetivo de que um filho ou um sobrinho se torne bispo ou cardeal, como costumava ocorrer durante séculos.
Hoje, trata-se de obter da Igreja uma bênção para uma teoria econômica libertária que é exatamente o oposto da doutrina social católica.
Hoje, tornou-se mais difícil do que nunca ouvir a voz das lideranças da Igreja onde o capitalismo passou a controlar o processo democrático a fim de ter mais individualismo, mais capitalismo irrestrito e mais diminuição dos serviços públicos.
Essa bênção do atual sistema do capitalismo está revestida de uma teologia neotradicionalista, muitas vezes com claras tendências anti-intelectuais e um foco neodevocional, que está preparando um desastre intelectual para as gerações mais jovens de católicos.
Em outras palavras, muitas vezes o dinheiro vem para a Igreja com amarras ideológicas – amarras que só podem ser ignoradas da mesma forma que alguns ignoravam que o comunismo soviético também significava o sistema Gulag.
É uma cegueira ideológica que funciona de maneira semelhante, embora escravize de modo diferente.
O dinheiro sempre tentou corromper a Igreja. Mas a segunda razão pela qual ele é tão insidioso hoje é que os doadores ricos querem nos fazer acreditar que, em sua generosidade, estão tentando salvar a Igreja da corrupção.
Vemos isso na cobertura midiática do cartel EWTN e nos eventos patrocinados por católicos ricos em Washington no segundo semestre de 2018, como o “Red Hat Report” e o “Better Church Governance”.
Mais uma vez, “protectio trahit subjectionem” – a proteção através do dinheiro envolve sujeição ao dinheiro.
A Igreja Católica precisa de uma eclesiologia do dinheiro porque o dinheiro está tentando comprar parlamentos, governos, juízes, jornalistas e diplomatas.
E agora o dinheiro católico está tentando comprar a hierarquia da Igreja, cujo preço se tornou muito mais barato como resultado do escândalo dos abusos clericais.
Essa é pelo menos uma das razões pelas quais o escândalo dos abusos não pode ser abordado apenas em termos moralistas, mas deve ser visto no contexto de uma crise sistêmica na Igreja Católica.
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A compra de influência na Igreja: uma oferta que devemos recusar. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU