09 Fevereiro 2019
Enquanto o Comité de la Jupe criado por ela junto com Christine Pedotti comemora seus dez anos, Anne Soupa constata até que ponto a situação das mulheres dentro da Igreja regrediu. Em "Consoler les catholiques" (ed Salvator, fevereiro de 2019), denuncia uma sectarização e uma política de dissimulação.
A entrevista é de Marjorie Charpentier, publicada por Le Monde, 14-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Comitê de la Jupe comemorou seus dez anos. Em 2008, o que levou vocês a lançá-lo?
Um choque de consciência após as declarações do Cardeal Vingt-Trois na Rádio Notre-Dame: “a coisa mais difícil é ter mulheres preparadas. O importante não é ter uma saia, é ter algo na cabeça". Não se pode falar assim das mulheres. O sentimento de injustiça quanto ao espaço que lhes é atribuído chegou depois.
Dez anos depois, você está satisfeita com o progresso feito pela Igreja Católica?
Não foi feito absolutamente nada, a situação até mesmo piorou. A Igreja está tomada por uma corrente conservadora. Vimos as meninas coroinhas serem relegadas à nave, a tarefas subalternas, não mais inseridas na liturgia eucarística. Isso significa restaurar a noção de impureza das mulheres, o que as tornaria inadequadas para o acesso ao presbitério. Está cheio de obscurantismo. Estes últimos dez anos viram o triunfo do clericalismo, da exaltação do papel do sacerdote e de sua masculinidade. Recusar as mulheres significa rejeitar a reforma, justamente quando a situação se torna escandalosa em relação à sociedade. Nossa pequena associação conseguiu pelo menos impor a prudência verbal aos padres e aos bispos. A indicação foi comunicada: as mulheres reagirão.
Os anúncios progressistas do Papa Francisco sobre as mulheres e sua presença nas instituições religiosas não constituem um progresso?
Todos os lugares para os quais as mulheres foram nomeadas são puramente consultivos. Elas são controladas por alguém que pode afastá-las, se necessário. O papa tenta acalmar as águas, mas o problema não desaparecerá sem uma reforma radical. Sem pôr em discussão o privilégio masculino do ministério da Eucaristia, o papa poderia melhorar a presença das mulheres na governança. Seria necessário fazer com que fosse dissociado canonicamente a função de sacerdote do ato de governar a Igreja. Isso seria menos difícil do que reformar o presbiterado. A reivindicação presbiteral é, na minha opinião, uma estrada sem saída. Seja qual for o caso, a profissão está em crise.
Um artigo italiano, também repercutido pela imprensa francesa no ano passado, denunciava as condições de trabalho das religiosas, na esteira do movimento #metoo.
Deu mais visibilidade à vossa luta?
O artigo de Marie-Lucile Kubacki, publicado por Mulheres Igreja Mundo, o suplemento mensal feminino do L'Osservatore Romano, foi muito comentado e veiculado, mesmo no noticiário da France 2. Infelizmente, as religiosas tendem a ter um reflexo de obediência: calam. Elas não aproveitaram a ocasião e a questão fechou-se novamente. A editora-chefe, Lucetta Scaraffia, foi convocada pela secretaria de Estado, onde foi ameaçada com o fechamento do jornal, se tivesse continuado a trabalhar naquele tema. Pelo fato de o movimento não ter se imposto, as autoridades esperam reprimi-lo.
Você acredita que o clero tenha se tornado consciente da importância da libertação da palavra feminina?
É provável que os sacerdotes digam que eles não têm a possibilidade de resolver o problema, pois é Roma que decide. Aqueles que o querem, fazem o que podem na sua paróquia. E são principalmente os padres mais velhos, enquanto os padres mais jovens tendem a seguir uma prática reacionária. Por outro lado, nas ordens religiosas dominicanas e jesuítas, por exemplo, há um desejo real de associar as mulheres tanto à liturgia quanto às posições de responsabilidade. Existe uma diferença entre as ordens religiosas e o clero diocesano. No conjunto, os religiosos têm uma escuta mais atenta ao mundo moderno e são um pouco mais impermeáveis às correntes reacionárias atuais.
O que você acha das pessoas que pensam que o feminismo e a religião são antinômicos?
Tudo depende da interpretação que é feita das Escrituras. Eu trabalhei muito sobre a Bíblia e posso afirmar que não é sexista nem machista. Existe uma igualdade fundamental de todos perante Deus, Jesus nunca fez diferença entre os sexos nas suas andanças ou nos seus ensinamentos. Não relegou as mulheres a um papel pré-estabelecido. Nenhum representante da Igreja tradicional pode questionar isso. Jesus nos mostra que podemos ser feministas e religiosos. Se ele faz isso, daí em diante devo tentar fazer isso também. Já no Gênesis, quando Deus cria o casal, existe uma profunda igualdade entre os dois. O ser humano genérico adquire seu status masculino apenas no momento da criação da mulher.
A situação de menor representação de mulheres é intrínseca a todas as instituições religiosas?
O mundo judaico, como o mundo muçulmano, não é monolítico, mas as mesmas discriminações são encontradas em todos os lugares. No judaísmo liberal, as mulheres são reconhecidas e inseridas; mas é o judaísmo ortodoxo que é majoritário na França. No mundo muçulmano, o islamismo moderado começa a apoiar o imamato feminino. Eu tenho o projeto de escrever junto com uma mulher judia e uma mulher muçulmana para dizer que tipo de discriminação as mulheres sofrem. Esperamos, também, poder trabalhar com a associação Voix d'un islam éclairé (Vozes de um Islã iluminado), que gostaria de criar a imamato feminino.
Pensa que a presença de mulheres e leigos possa incentivar uma modernização da Igreja?
A Igreja está desconectada e crítica sobre as evoluções. Veja como administrou a questão da PMA (procriação medicamente assistida). Os bispos praticam a comunicação descendente: difundem a "boa palavra", mas não ouvem. Se houvesse laicos e mulheres, seria diferente. Agora, é preciso perceber que há também uma tendência inversa na sociedade civil, uma necessidade de sacralidade. O padre deve ser diferente dos demais. Esses movimentos contrários estão ligados por um medo, por uma falta de referência, talvez por uma busca de significado. Ainda não surgiu uma figura espiritual forte entre os laicos.
Na sua opinião, existe uma correlação entre a ausência de mulheres na Igreja e a pedofilia?
O mundo fechado em si mesmo dos padres favoreceu a pedofilia. É um lugar de refúgio para pessoas com psiquismo pedófilo que esperam encontrar ali uma impunidade. Se a Igreja tivesse se feminizado, não teria havido uma crise pedófila de tal magnitude.
Você tem preocupações sobre o futuro da Igreja católica depois desses escândalos?
Esses escândalos estão dando início a um processo de declínio da instituição. A Igreja vendeu seu tesouro: a confiança. Ela é recriminada mais por querer dissimular do que por ter errado. Este é o tema do meu último livro, Consoler les catholiques. A instituição, na forma em que a conhecemos, desaparecerá. Em 2009, Hans Küng, teólogo, falava sobre o risco de ver a base sociológica da Igreja encolher e limitar-se refletir uma única opinião, tornando-se uma espécie de seita. Todos os dias recebemos mensagens que nos pedem para sair, para nos juntar aos protestantes. Quanto mais a igreja for sectária, mais pessoas irão embora, porque a pluralidade de opiniões é rejeitada.
Qual é a luta que pode ser atuada neste contexto?
Publicamos uma declaração de 10 anos da associação, intitulada "Nós escolhemos tudo". Acabou o tempo de negociar migalhas. O problema está na visão ontológica que a Igreja tem das mulheres. Na concepção do magistério, as mulheres são instrumentalizadas, são objetos. Mas um ser humano é como a rosa de Silesio: nem a mulher nem o homem têm um por quê. É preciso uma afirmação de igualdade forte e maciça. Algumas mulheres internalizam a situação de segundo plano e são cúmplices do sistema que as nega. A prioridade é se considerar iguais. Somos uma pequena associação, mas muitas mulheres poderiam se juntar a nós. Podem tomar iniciativas. Poderíamos sonhar com um projeto inter-religioso entre mulheres, baseado na modernidade e na escuta do outro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Feminismo: "Estes últimos dez anos viram o triunfo da masculinidade". Entrevista com Anne Soupa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU