16 Janeiro 2019
Uma proeminente sobrevivente e defensora dos que foram afetados pelos abusos clericais pediu que o Papa Francisco dê o nome publicamente dos bispos que foram considerados culpados de negligência pelos tribunais da Igreja.
A reportagem é de Michael Kelly, publicada em Catholic News Service, 14-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Marie Collins – que foi membro da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores de 2014 a 2017 – também disse que, durante a cúpula vaticana sobre a salvaguarda em fevereiro, o papa deveria estabelecer procedimentos abrangentes para responsabilizar os bispos.
Falando em uma palestra pública em Dublin no dia 14 de janeiro, Collins disse que a reunião no Vaticano – que incluirá os presidentes das Conferências Episcopais do mundo, assim como de altas autoridades vaticanas – deveria priorizar a adoção de políticas e procedimentos de proteção à criança.
“A experiência daqueles países onde a crise dos abusos foi enfrentada não está sendo usada para implementar políticas universais nos países onde ela ainda está por acontecer”, disse ela durante a reunião, organizada pelo Nós Somos Igreja Irlanda.
“Vocês podem ter certeza de que há abuso de menores em todos os países onde a Igreja está presente, assim como em todas as sociedades. No entanto, os mandarins adormecidos da liderança da nossa Igreja parecem sentir que, se fecharem os olhos, isso permanecerá oculto, e eles não terão que lidar com isso”, disse.
Collins, que se reuniu com o Papa Francisco durante sua viagem à Irlanda em agosto, disse acreditar que as tentativas de combater os abusos estão sendo prejudicadas, porque não existe nenhum acordo universal claro sobre o que constitui um abuso sexual de menor.
“O Vaticano não definiu claramente o que realmente constitui um abuso sexual de um menor segundo a visão da Igreja oficial”, afirmou. “Neste momento, a imprecisão da lei canônica em relação aos abusos muitas vezes leva ao fato de que os tribunais canônicos não são capazes de chegar a um veredito de culpabilidade em casos em que a maioria das pessoas veem claramente que houve abuso.”
“Se não há nenhum acordo consistente em toda a Igreja sobre o que é um abuso sexual de um menor, então como podemos ter alguma esperança de enfrentar a questão de forma consistente?”, perguntou.
Collins também expressou a opinião de que o termo “tolerância zero” significa coisas diferentes para pessoas diferentes dentro da Igreja. Ela disse que a reunião de Roma, em fevereiro, deveria chegar a um acordo sobre uma definição clara do termo “e se comprometer com a sua implementação”.
Ela disse acreditar que a “tolerância zero” aos abusos precisa ser acrescentada ao direito canônico e que isso deveria ser acordado pelas Conferências Episcopais.
“Isso traria uma consistência à forma como o abuso sexual de menores é tratado, onde quer que seja no mundo, em vez da atual situação ad hoc. Qualquer liderança de Conferência Episcopal que se recuse a cumprir deveria ser identificado, e sua explicação deveria ser tornada pública.”
Sobre a questão da responsabilização dos bispos acusados de não responder adequadamente às acusações de abuso, Collins disse acreditar que “o papa deveria fazer uma declaração clara nesta reunião, delineando qual é o processo de responsabilização que está sendo usado pela Igreja para responsabilizar os bispos, quando acusados de negligência, proteção de abusadores ou encobrimento. Quem está investigando? Quem são os juízes? Quais são as penalidades?”
“O Papa Francisco também me disse que houve vereditos de culpabilidade contra os bispos e que ele havia removido os infratores. Ele precisa, nessa reunião, dar o nome daqueles que foram culpabilizados, qual foi a ofensa e qual foi a pena deles.”
“Ele também precisa se comprometer em tornar públicos esses vereditos de culpabilidade no futuro”, disse.
Collins disse que não está otimista de que a reunião irá atingir o que ela acredita ser necessário.
“Meu medo é de que o que vamos ouvir é que houve muita oração, reflexão e ‘discussão fecunda’”, disse.
“Teremos a garantia de que as coisas estão avançando e que haverá promessas para o futuro. Mas veremos pouco em termos de planos de ação por escrito, concretos e comprometidos”, afirmou.
Collins renunciou ao seu cargo na Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores em 2017, alegando que havia experimentado uma falta de seriedade na questão por parte das autoridades vaticanas. No encontro em Dublin, ela disse acreditar que parte do motivo pelo qual a questão não está sendo tratada melhor é porque o Vaticano é “disfuncional”.
“Algumas das razões para isso estão no modo como o Vaticano realmente faz o seu trabalho. O clericalismo está imbuído em seu tecido. Ele é ineficiente, cheio de burocracia pesada, marcado por ciúmes entre os dicastérios, o que leva a uma falta de cooperação.”
“Eu não acredito que a mudança acontecerá se esperarmos que ela venha de dentro. Os leigos têm que se manifestar fortemente pelas mudanças e não serem desviados. A necessidade óbvia de envolvimento dos leigos, incluindo das mulheres, em todos os níveis, deve acontecer se a Igreja quer entrar no século XXI junto com o seu povo.”
“Persistência e paciência são necessárias. Não há soluções rápidas, mas nenhuma mudança virá a menos que trabalhemos por ela. A única alternativa é ir embora, e essa não é a resposta”, disse ela no encontro.
Entre os dias 21 e 24 de fevereiro, a reunião dos presidentes das conferências episcopais do mundo todo, é a primeira vez que um grupo global de bispos é convocado para discutir os abusos na Igreja.
Falando em novembro, o ex-porta-voz vaticano, Greg Burke, descreveu a medida como “sem precedentes”.
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Marie Collins, irlandesa sobrevivente de abuso, quer que o Vaticano reforce a responsabilização dos bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU