O jesuíta Benoît Vermander, que há mais de vinte anos mora na China, explica ao jornal La Croix os desafios do acordo assinado em 22 de setembro entre a Santa Sé e o governo de Pequim.
A reportagem é de Claire Lesegretain, publicada por La Croix, 05-10-2018. A tradução é de André Langer.
“Este acordo era indispensável, mas a parte difícil começa agora”. De passagem por Paris, o jesuíta francês Benoît Vermander, 58 anos, professor de ciências religiosas na Universidade Fudan, em Xangai, e que há vinte e seis anos mora na China, concordou em responder a algumas perguntas do La Croix sobre o acordo assinado em 22 de setembro entre o Vaticano e a China.
Indispensável? Segundo ele, este acordo era para “unir diferentes frações episcopais que não se falavam mais entre si”. Porque existem na China, de acordo com o padre Vermander, pelo menos quatro tipos de bispos: “aqueles muito próximos do governo de Pequim, aqueles que eram patrióticos mas em diálogo com o Vaticano, os clandestinos que estavam em diálogo e os clandestinos que se marginalizam cada vez mais, com o risco de um cisma”. Procurar a unidade entre essas frações, para avançar, passou por um acordo com o governo chinês e “o Papa era muito claro sobre esse ponto”, estima o pesquisador.
Mas a parte mais difícil começa agora, “porque será preciso chegar a acordos caso a caso para a nomeação de cada bispo, continua o padre Vermander. E aí vamos ver se o acordo vai funcionar ou não”.
De acordo com o sinólogo, neste acordo, é Pequim quem fez a maior concessão; e fala inclusive de um esforço “muito grande”. Porque “o governo reconheceu que a nomeação de bispos pelo Vaticano não é uma ingerência nos assuntos internos chineses. Algo inédito desde 1951”.
Formados para o martírio, mas não para o discernimento
Não há dúvida, portanto, de acordo com Benoît Vermander, que este acordo histórico pode “facilitar enormemente a vida dos católicos chineses”, mesmo que sejam muito diversos. “Os católicos mais idosos, que sofreram muito sob a Revolução e se mostram mais desconfiados, se formaram para o martírio, mas não para o discernimento. Ao passo que os jovens católicos, que muitas vezes se converteram nas paróquias urbanas – em Xangai existem 110 paróquias abertas –, querem viver como cidadãos chineses”.
No entanto, este acordo desafia, e não apenas os católicos chineses, porque acontece em um momento em que o regime se mostra particularmente duro, até “autista”, com as religiões, diz o jesuíta francês.
“Tudo vai depender agora da atitude do governo chinês, prossegue o padre Vermander. Se ele recrudescer a perseguição aos cristãos, perderá muito crédito internacional. Mas ele não tem nenhum interesse em perder a simpatia do Vaticano”.
Concluído um pouco tarde demais
No entanto, Benoît Vermander lamenta que este acordo tenha sido concluído “um pouco tarde demais”. De fato, ele acontece no momento em que Pequim está construindo o que chama de “uma religiosidade cívica”, uma forma de religião substituta que permite enquadrar “a carga sagrada das identidades coletivas”. (1) Na China, “o partido é como uma Igreja. Como era muito secularizado, o partido pretende recriar a influência mental. Mas as gerações mais jovens não são tolas e aceitam essa influência apenas até certo ponto”.
Com este acordo, “a mensagem do Papa é clara, conclui o sinólogo: não se trata de esquecer o passado, mas de seguir em frente. Ora, seguir em frente é o movimento do Evangelho”.
Nota:
1. Sobre este tema, o padre Benoît Vermander acaba de publicar Versailles, la République et la nation, Éd. Les Belles Lettres, 510 p., 29 €.
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O acordo China-Vaticano, indispensável mas delicado, analisa jesuíta há mais de 20 anos no país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU