21 Setembro 2018
O crescimento da extrema-direita no Brasil acompanha uma tendência mundial, alimentada pelas dificuldades econômicas e pelo aprofundamento das desigualdades, inclusive nos países em que a democracia está mais avançada.
A reportagem é de Adriana Moysés, publicada por Radio France Internationale, 19-099-2018.
A socióloga Esther Solano, professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Unifesp, está lançando o livro “O ódio como política” (editora Boitempo), fruto de suas pesquisas com movimentos neofascistas e com os eleitores do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto no primeiro turno.
Segundo Esther Solano, os eleitores de Bolsonaro têm em comum um sentimento de rejeição da política. “É um voto de frustração, de cansaço e inclusive de desabafo contra a política. Representa aquela ideia de politização da antipolítica, que o Bolsonaro capta tão bem, transformando esse mal-estar e o descontentamento num grande capital eleitoral”, afirma a especialista.
Nesta entrevista à RFI, ela analisa o contexto que alimentou a radicalização de parte do eleitorado brasileiro.
Jair Bolsonaro tem simpatizantes em todas as classes sociais e de todas as idades?
O pico maior de intenções de votos em Bolsonaro vem fundamentalmente de homens, porque ele tem uma rejeição muito forte entre as mulheres, por causa de seu discurso misógino. Também entre eleitores de classe média e mais escolarizados, o que é muito interessante de analisar.
O maior índice de votos em Bolsonaro é entre pessoas que têm ensino superior completo. São pessoas que já passaram pela universidade e que possuem alta escolarização, mas que decidem votar nele. Então, eu diria que o eleitor típico de Bolsonaro é um homem branco, de classe média, com ensino superior completo e das regiões sul e sudeste do País.
Como se explica que os eleitores de Bolsonaro minimizem a gravidade do discurso de ódio, misógino, que o candidato emprega, dizendo que “é só um jeito tosco e grosseiro de se expressar”?
Isso é um processo de banalização do discurso de ódio. Esses eleitores não enxergam, não identificam um discurso de ódio e, sim, um exagero, até uma coisa folclórica do candidato. Eles inclusive falam que Bolsonaro é um candidato honesto, que não se deixa levar pelo marketing eleitoral, pela roteirização da política. "Ele fala o que quer e tem liberdade de expressão", alegam.
Esse eleitor rejeita a tirania do politicamente correto. Temos aí uma trivialização do discurso de ódio do Bolsonaro. Não podemos também esquecer que estamos num país que tem uma sociedade muito racista e muito machista. O Brasil é o país que mais mata pessoas transgênero no mundo, tem uma alta taxa de feminicídio, o homicídio contra a mulher. Então, infelizmente, é um país que está construído sobre uma base de discurso e de prática de ódio contra o diferente.
Isso reforça a própria imagem desse eleitorado?
Tudo isso reforça a imagem desse eleitorado e ainda mais: como você tem pela primeira vez um candidato que se coloca como antissistema, anti-establishment, isso de alguma forma faz com que um discurso de ódio que era malvisto, que estava muito mais escondido – e Bolsonaro trouxe esse tom para a rede nacional, para os principais jornais –, isso ficou agora totalmente despudorado. Essa extrema-direita saiu do armário e pode fazer circular livremente seu ódio, porque parece haver um carimbo dizendo “agora é correto falar isso, pode-se falar à vontade”.
Bolsonaro representa o mesmo extremismo fascista que vemos na Europa e em outros países do norte?
Sim, eu diria que é o mesmo extremismo fascista com uma diferença fundamental: tanto o extremismo na Europa quanto nos Estados Unidos se constrói na ideia do inimigo externo. Então, é o imigrante, é o refugiado, é aquele que vem de fora. Como existe uma islamofobia muito forte, é aquele que ameaça a identidade europeia e norte-americana. No caso do Brasil, não temos essa ameaça externa, então o inimigo é interno.
Pode ser o inimigo clássico, que é o jovem, negro, pobre, da periferia. Ou pode ser a figura da pessoa de esquerda, porque tem um antiesquerdismo muito forte, contra os professores e contra o PT. O antipetismo é muito forte. É toda uma construção de grupos indesejáveis dentro do próprio país. A construção de um inimigo interno, mas com a mesma dinâmica: a ideia de um discurso muito intolerante, raivoso, bélico, de aniquilamento do inimigo, tanto que é antidemocrático, porque a democracia é o convívio justamente dos diferentes, não é esta questão do inimigo.
Enquanto partidos de centro-direita governaram o país isso esteve latente?
Efetivamente, esteve latente porque o Brasil é um país muito conservador, esta retórica não nasceu ontem, é uma questão histórica. Mas uma coisa muito importante é que durante os governos petistas, você encontra um fator muito explicativo, que é a mobilidade social ascendente dos mais pobres.
Os pobres ganharam a possibilidade de ter uma renda maior, trabalho melhor, de consumir mais. Isso provocou medo e rejeição fundamentalmente das classes médias. É o que a gente denomina classicamente de ódio ao pobre.
Eu sou de classe média e vejo aquele pobre, favelado e periférico chegando perto de mim, crescendo na hierarquia social. Isso provocou um conjunto de reações classistas, xenofóbicas e com um conteúdo racial muito importante. Houve uma rejeição muito grande às políticas de inclusão petistas, que foram muito fortes.
Esta eleição parece que não irá resolver de maneira alguma esta questão da polarização. Existem caminhos para apaziguar uma sociedade quando ela chega a tal ponto de polarização?
Existem caminhos, mas não a curto prazo. A tendência nesta eleição – ou pelo menos o que as pesquisas eleitorais estão dizendo – é que pode haver um segundo turno entre Fernando Haddad (PT) e Bolsonaro (PSL).
Basicamente, vai ser uma eleição do petismo contra o antipetismo. O grau de polarização que já tínhamos na época do impeachment, que já era muito forte, veremos isso à máxima potência. O que acho complicado em tudo isso é que essa polarização tem uma carga emocional muito grande. O debate é muito infantilizado, muito empobrecido, praticamente não tem propostas programáticas e depois o que você instaura é a dinâmica do ódio do outro.
Parece que o outro não é um adversário político, é o inimigo que tem de aniquilar. Essa configuração provoca muita raiva no cenário político. Movimentos com um tal grau de emotividade são sempre muito típicos de momentos de crise político-econômica. Quando se tem uma crise do neoliberalismo como a atual, que é na verdade global, com desemprego muito alto, uma grande vulnerabilidade e precarização, existe uma tendência de aparecimento de movimentos populistas, que conseguem captar essa emoção das pessoas.
O regime nazista na Alemanha nasceu assim, de um enorme descontentamento político, social, de uma enorme crise econômica. Existem dois fatores no mundo atual que convergem para isso: a crise econômica no mundo todo e uma grande crise de representação que potencializa figuras populistas. Por isso, vemos isso pipocando em tantos países. Temos uma diminuição das políticas em termos programáticos, racionais, e um aumento da política demagógica, populista e emocional.
Você vê o petismo com interesse em superar esta polarização, em introduzir um elemento novo, ou o partido também se apropriou desse dado para se manter forte?
Esta é uma questão que muita gente se pergunta agora. O PT fez uma opção até agora de apostar na polarização, no discurso do golpe, da perseguição política, de Lula se posicionar como um perseguido. Mas isso representa uma encruzilhada perigosa.
Ao mesmo tempo em que isto está servindo positivamente para que Fernando Haddad vá aumentando seu percentual de voto muito rápido, por outro lado alimenta muito o antipetismo. A gente tem de ver até que ponto o PT vai medir essas forças: no petismo que alimenta muito a candidatura do Haddad e no antipetismo que aumenta a candidatura do Bolsonaro. Talvez, depois do primeiro turno mude um pouco o cenário. São tantos fatores novos que temos de ver como o PT vai construindo sua estratégia.
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'Eleitor típico de Bolsonaro é homem branco, de classe média e superior completo' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU