07 Agosto 2018
"A única mudança que Francisco fez na semana passada foi dizer que a exceção permitida por João Paulo II, ou seja, proteger a sociedade de mais violência por uma pessoa cuja culpa foi determinada além da dúvida, não existe mais", escreve Michael Sean Winters, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Papa Francisco (dir.) em Genebra em junho (Foto: CNS / Paul Haring); Papa João Paulo II em St. Louis, em 1999 (Foto: CNS / Nancy Wiechec)
A decisão do Papa Francisco de completar o desenvolvimento da doutrina sobre a pena de morte iniciada por São João Paulo II causou grande agitação entre aqueles que já se opunham a ele. Mas quem pode duvidar que esse desenvolvimento seja legítimo?
A mudança fundamental na doutrina católica foi efetuada por João Paulo II. Primeiro, o texto do catecismo aprovado em 1992 mudou de foco apenas para a punição e, em vez disso, permitiu a pena de morte apenas naquelas circunstâncias em que não havia outro meio de proteger a sociedade de mais violência. "Assumindo que a identidade e responsabilidade do culpado foram plenamente determinadas, o ensinamento tradicional da Igreja não exclui o recurso à pena de morte, se esta for a única forma possível de defender efetivamente vidas humanas contra o injusto agressor", declarava o catecismo.
Em sua encíclica Evangelium Vitae de 1995, o pontífice repetiu a mudança e concluiu que a pena de morte era desnecessária na prática. Ele escreveu: "[punição] não deve ir ao extremo de executar o infrator, exceto em casos de absoluta necessidade. Em outras palavras, quando não seria possível defender a sociedade. Hoje, no entanto, como resultado de melhorias constantes na organização do sistema penal, tais casos são muito raros, quase inexistentes".
Novamente, quando o Papa veio a St. Louis em 1999, disse aos fiéis na Missa: "Um sinal de esperança é o crescente reconhecimento de que a dignidade da vida humana nunca deve ser tirada, mesmo no caso de alguém que fez um grande mal. A sociedade moderna tem os meios de se proteger sem negar definitivamente aos criminosos a chance de reforma. Renovo o apelo que fiz recentemente no Natal de um consenso para acabar com a pena de morte, que é cruel e desnecessária".
Em vez de confiar no ensino tradicional de que alguns crimes justificam a pena de morte, que foi explicitamente reconhecido na Bíblia, João Paulo II se baseou no ensino de papas anteriores e especialmente no Concílio Vaticano II. Assim, viu a dignidade inviolável da pessoa humana como um fundamento do ensino social católico.
A única mudança que Francisco fez na semana passada foi dizer que a exceção permitida por João Paulo II, ou seja, proteger a sociedade de mais violência por uma pessoa cuja culpa foi determinada além da dúvida, não existe mais. Disse também que nós católicos devemos agora trabalhar para abolir a pena de morte como uma afronta à dignidade humana, e que sua aplicação pelo Estado é considerada moralmente "inadmissível".
Em uma incrível coincidência de agenda, no dia 02 de agosto, mesma data em que Francisco anunciou a mudança no catecismo, o Cardeal de Chicago Blase Cupich falou na American Bar Association sobre o tema da pena de morte. Ele reconheceu que os defensores de tal ato concebem que confere uma espécie de justiça, mas que um entendimento cristão da santidade e dignidade da vida humana não pode ser comparado.
Cupich disse:
“Em um nível humano profundo, tendemos a acreditar que, ao executar um assassino estamos de alguma forma ajudando a reequilibrar as escalas da justiça. Mas há uma falha nessa maneira de pensar, pois a verdadeira tragédia do assassinato é que não há como reequilibrar a balança da justiça. Não há como devolver a vida àqueles que foram mortos ou restaurá-los às suas famílias de luto. Quando o Estado impõe a pena de morte, proclama que tirar uma vida humana contrabalança a tomada de outra vida, está profundamente errado. Se há alguma lição que precisamos aprender, é que tirar uma vida humana em nome da retribuição não traz justiça, mesmo que possa parecer assim no momento. Em vez disso, a pena capital apenas continua o ciclo de violência e vingança. A verdade trágica é que nada pode restaurar uma vida humana”.
Cupich também identificou outra razão pela qual os católicos devem se opor à pena de morte: “O problema com a pena de morte não é apenas o que ela faz à pessoa executada, e sim o que ela faz conosco, como nossos cálculos morais. Um estado que rejeita, em princípio, a execução até mesmo daqueles indivíduos cujos crimes são indescritíveis, tem um poderoso testemunho de natureza incondicional do direito à vida", disse ele. "Cada membro da comunidade humana compartilha uma dignidade que não é cancelada por defeitos de saúde, idade ou moralidade. Um estado que se recusa a usar a pena de morte avança culturalmente, pois protege a vida daqueles que foram julgados menos dignos de seu direito à ela".
Isso é tão óbvio. É chocante que todos os católicos, especialmente aqueles que se dizem "pró-vida", não vejam.
No entanto, é inestimável ver o site chamado "LifeSiteNews" lançar um ataque a Francisco, publicando um ensaio argumentando que o Papa contradizia a lei natural e o depósito da fé.
Raymond Arroyo, da EWTN, tuitou: "A mudança do ensino do Catecismo sobre a pena de morte desencadeou muita ira entre os católicos nas redes sociais. Em meio as revelações sobre abuso sexual, o momento é curioso. Fúria não é o que a Igreja precisa neste momento".
Alguém deveria dizer a ele que as mídias sociais dos Estados Unidos não fazem parte do desenvolvimento da doutrina.
Em seu programa na noite de quinta-feira passada, Arroyo, Robert Royal da Catholic Thing, e Pe. Gerald Murray, da Arquidiocese de Nova York, disseram que o Papa mudou o ensino da Igreja - algo que não poderia ser feito.
Eu tenho uma pergunta para Arroyo: a Igreja mudou seu ensino sobre a escravidão? E, se não, você acha que ainda é moralmente aceitável possuir escravos? A Igreja mudou seu ensino sobre a liberdade religiosa ou eles ainda acreditam que "o erro não tem direitos" e que a separação constitucional da Igreja e do Estado pode ser meramente tolerada? A falta de sofisticação teológica na exibição de Arroyo é angustiante.
Nosso testemunho em nome da dignidade humana se estende aos mais vulneráveis, seja o feto no útero, o refugiado em nossa fronteira ou o prisioneiro no corredor da morte. O que Francisco está nos dizendo é o que os Evangelhos nos diz: nós humanos somos todos pecadores, todos necessitados da misericórdia de Deus, mas que possuímos uma dignidade inalienável, que nem mesmo um crime hediondo está sujeito. Uma cultura que entende isso e toma medidas para que suas leis se adaptem a essa visão será uma sociedade mais humana e civilizada.
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Após mudança na pena de morte, Papa Francisco segue o ensino de João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU