10 Julho 2018
O Presidente da Comissão da Verdade recebeu de familiares de líderes assassinados o relatório Defender a Vida, que reúne os casos de agressões contra defensores de direitos humanos.
O padre jesuíta Francisco De Roux afirmou, ao receber o relatório, que os líderes assassinados eram “extraordinariamente frágeis” porque não acreditavam nas armas. “Em outros países, em outros lugares da terra, estas mulheres e estes homens seriam heróis nacionais. Aqui, os matamos”, afirmou.
A mensagem de Francisco De Roux é publicada por Semana, 06-07-2018. A tradução é do Cepat.
Eu gostaria de lhes dizer que nós sentimos muito profundamente o que vocês trazem aqui na dor de seus parentes, de seus entes mais queridos assassinados. Primeiro porque era gente boa que amávamos nas comunidades, que admirávamos em suas famílias, que seus pais sonharam que seriam o futuro e para seus filhos eram o símbolo de grandeza de suas famílias, gente boa.
Não somente eram bons. É que ser bons, às vezes, é fácil ser boa pessoa. Era gente justa, que estava atuando para que a justiça fosse séria, que se respeitasse a vida dos camponeses; que fôssemos sérios com a paz, que fôssemos sérios com o respeito à mulher e que não cediam quando a justiça era impedida, quando o Estado ou qualquer organismo de qualquer classe ia contra a justiça.
Eram protagonistas e isto, sim, incomoda um Estado que não é democrático. Eram protagonistas que se colocavam à frente dos que tinham armas para fazer respeitar a dignidade de sua gente. E se colocaram à frente de paramilitares, à frente da guerrilha e à frente de qualquer coisa para fazer sentir que o ser humano não abaixa a cabeça diante de nada e que a dignidade de cada um de nós e na defesa dessa dignidade está a dignidade de todos.
Era gente que lutava de forma não violenta contra estas realidades tão difíceis. Vocês têm mais informação, mas eu não conheci estas 311 pessoas às quais estamos fazendo referência, mas que de nenhuma delas se possa dizer que pegou em uma arma para enfrentar à bala quem vinha para lhe matar. Não. Apresentavam o peito, apresentavam o rosto, tinham a coragem de dizer com a palavra e com seu trabalho o que valiam suas comunidades. Eram homens e mulheres de paz. Estavam convencidos que a solução não estava nas armas e justamente por isso eram extraordinariamente frágeis e imensamente valiosos do ponto de vista ético. Em outros países, em outros lugares da terra, estas mulheres e estes homens seriam heróis nacionais. Aqui, os matamos.
Em nome da Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Convivência e a Não Repetição, quero lhes agradecer a confiança que depositam em nós e quero lhes pedir que nos ajudem. Somos somente um pequeno grupo de cinco mulheres e seis homens com uma responsabilidade imensa, vocês sabem muito mais que nós. Nós não podemos pretender conhecer a verdade das lutas do povo nasa, nem a luta dos camponeses do Vale do rio Cimitarra, nem conhecer as profundidades da luta do povo chocoano. Necessitamos não somente do testemunho de suas vítimas porque parte da verdade que iremos fazer é honrar as memórias destas vítimas, fazer valer diante do país essa simples verdade de terem sido assassinadas por lutarem pela vida, a dor de suas famílias e o impacto que causaram em seus territórios. Essa simples verdade. Mas, é claro, temos que ir muito além. Como vocês fizeram, temos que compreender os padrões, os comportamentos que deram lugar a estas barbáries e para além: penetrar nas profundas razões econômicas, políticas, culturais e conhecer a história que nos levou a esta realidade.
Ajudem-nos! Nós onze, sozinhos, não podemos. A verdade não é nossa, é de todo o povo colombiano porque as vítimas foram de todas as partes. Também temos que esclarecer a verdade do sequestro, a verdade das minas antipessoais, assim como temos que esclarecer, é claro, a tremenda verdade dos falsos positivos, das execuções extrajudiciais, do desaparecimento forçado, dos presos políticos e da tortura. Temos que entrar em tudo isso e necessitamos de sua ajuda e também necessitamos que nos acompanhem com a análise das coisas. Nós nos consideramos simplesmente parteiros e parteiras de uma verdade que é dos colombianos.
E isto que reuniu vocês, aqui, hoje, que é a repetição do que pensávamos que havia terminado, coloca-nos em um desafio muito difícil que queremos enfrentar, mas que necessitamos de sua ajuda. É nossa responsabilidade contribuir para os caminhos de não repetição na Colômbia e a repetição continua. Nestes três anos que estaremos lado a lado, ajudem-nos a encontrar quais são os pontos de fundo que é preciso apresentar no país. Mas, que digamos todos: não nós onze, que não teria força alguma, mas que todos pudéssemos apresentá-lo com rigor, defendê-lo com decisão e o converter realmente em uma prática e em resultados efetivos.
Novamente, muitíssimo obrigado e, por favor, ajudem-nos porque temos que fazer isto entre todos. É a nossa dignidade como povo colombiano que está em jogo. Obrigado.
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Colômbia. “Em outros países seriam heróis nacionais. Aqui, os matamos”, manifesta-se o jesuíta Francisco De Roux acerca do assassinato de lideranças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU