03 Março 2018
Jesuíta e cientista. Publicamos trechos da homilia pronunciada pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em 26 de fevereiro, durante a missa celebrada em memória do padre Angelo Secchi, na igreja de Santo Inácio de Loyola, em Campo Marzio. Entre os concelebrantes, o reitor da Universidade Gregoriana, Padre Nuno da Silva Gonçalves, o superior da comunidade, padre Massimo Nevola, e o reitor da igreja, padre Vitale Savio. Secchi faz parte de uma longa tradição de cientistas jesuítas que se formaram e trabalharam no Colégio Romano, e é o primeiro representante daquela escola que ainda hoje está ativa, na Itália e no mundo, no campo da moderna pesquisa astrofísica. (Luis Ladaria)
A reportagem é publicada por L'Osservatore Romano, 28-02/01-03-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
(Foto: William Maury Morris, Wikipédia)
Para começar a delinear os traços de personalidade do padre Angelo Secchi eu gostaria de citar as palavras proferidas pelo Papa Francisco a seu respeito para os participantes no simpósio promovido pelo Observatório do Vaticano em 18 de setembro de 2015: "Foi um exemplo importante até hoje para todos os religiosos que dedicam a própria vida para ficar justamente naquela fronteira entre fé e saber humano, fé e ciência moderna".
Padre Secchi nasceu em Reggio Emilia, em 28 de junho de 1818 e foi batizado no dia seguinte no Batistério da cidade, com o nome de Angelo Francesco Ignazio Baldassarre. Após os primeiros anos de estudo em Reggio, no Colégio dos Jesuítas, aos 15 anos, entrou no noviciado da Companhia de Jesus em Santo André al Quirinale, em Roma. Enquanto estudava no Colégio Romano mostrou grande inclinação para a ciência, especialmente para a matemática e a física. A espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, que o levaria a "procurar e encontrar Deus em todas as coisas" encontrou nele uma sinergia natural com os seus dons intelectuais e rigor científico em seu percurso de religioso e cientista. Antes mesmo de se formar sacerdote, foi nomeado professor de física no Colégio ilírico de Loreto, de onde foi chamado de volta para o Colégio Romano para ser assistente do padre matemático Giovanni Battista Pianciani e do diretor do Observatório.
Logo depois de sua ordenação sacerdotal em 1847, os levantes que levaram à criação da República Romana, forçaram os jesuítas a deixar Roma, em exílio voluntário. Com eles foi para a Inglaterra, e, depois de alguns meses, se mudou-se para o Georgetown College, em Washington, onde mais uma vez ensinou matemática e física. A estada nos EUA foi muito importante para a sua formação científica, para a atualização sobre os novos desenvolvimentos teóricos da física e, em especial, sobre os novos métodos da meteorologia dinâmica.
Enquanto isso, a República Romana teve curta duração, e com a sua queda, os jesuítas puderam retornar para o Colégio Romano. Então o padre Secchi foi designado como diretor do Observatório Astronômico. Ao longo de sua direção, ele empreendeu uma profunda reorganização do Observatório alçando-o a figurar como o primeiro observatório astrofísico do mundo. De fato, graças à instrumentação da qual era equipado, o novo observatório foi um dos primeiros a lidar com o estudo físico dos corpos celestes, especialmente através de técnicas então em desenvolvimento, como a espectroscopia. Assim nascia a astrofísica moderna.
No curso de poucos anos, ele conseguiu observar e catalogar mais de quatro mil espectros estelares, introduzindo uma das primeiras classificações das estrelas, um ponto de referência essencial para estudos posteriores nesse campo da ciência.
O padre Secchi também é considerado um dos iniciadores da física solar, à qual é dedicado seu tratado Le soleil (1870). Entre as publicações mais importantes podem ser recordadas aquelas que se dedicam à Unidade das forças físicas (1864) e As estrelas, ensaio sobre astronomia sideral (1877). Seus interesses foram variados: além de astronomia, a sua atividade envolvia da arqueologia à geodesia, da geofísica á meteorologia. Foi também muito atento ao desenvolvimento de aplicações práticas dos resultados científicos, com o objetivo específico de melhorar a vida das pessoas comuns. Para esse fim, ele supervisionou a criação da primeira rede meteorológica italiana, a determinação do primeiro meridiano da Itália, e para o governo pontifício, as medidas gerais contra-incêndio e distribuição de pára-raios nos principais monumentos e edifícios públicos da capital.
À ciência fundamental Secchi sempre uniu a atenção pela ciência aplicada que ele definia como "ciência útil". Por esse motivo, tornou-se um ponto de referência tanto para o Papa Pio IX, como para as autoridades metropolitanas, de modo que a sua estada na sede do Colégio Romano perdurou mesmo depois da expulsão dos jesuítas, até a sua morte. Participou em numerosas expedições científicas nacionais e internacionais para a observação de eclipses solares totais. No campo da climatologia e meteorologia ele foi muito considerado por seu meteorógrafo (a primeira estação meteorológica automática) que lhe valeu o Grand Prix na Exposição Mundial de Paris em 1867 e a condecoração da Légion d'Honneur.
Como homem da ciência foi um grande mediador entre a cultura católica e a cultura secular-liberal em um momento histórico em que era extremamente duro o confronto entre a Igreja e o novo Estado italiano do Ressurgimento. Até sua morte, que ocorreu prematuramente em 26 de fevereiro de 1878, permaneceu fiel à sua dupla vocação como sacerdote e cientista, com uma ligação profunda com a Igreja e fidelidade ao Papa em uma época nada fácil para as relações entre Igreja e Estado, bem como entre ciência e fé. Ele ficou muitas vezes preso entre dois fogos: por um lado o anticlericalismo laico e, pelo outro, certa intransigência religiosa. Assim ele escrevia em uma carta: "Enquanto alguns veem a descrença e o ateísmo em meus escritos, outros veem uma teologia exaltada que falsifica a física para apoiar a Bíblia... Há quem se lastima por não encontrar ali as descobertas esperadas, e outros que não encontram a física de São Tomás".
Em sua vida, sempre se sentiu motivado por um grande amor pela verdade, tenazmente perseguida com os meios da ciência e os princípios da fé. E também foi sustentado pela certeza de que as visões de mundo, que fé e ciência proporcionam ao homem, são harmônicas e complementares.
Seu testemunho se insere tão plenamente na tradição da Igreja, segundo a qual "a luz da razão e a da fé provém ambas de Deus, e, portanto, não se podem contradizer entre si" (cfr. João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio, 43) .
Toda a criação, o céu e as estrelas se tornam uma ocasião para contemplar e admirar a obra do Criador: "Pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor" (Sabedoria 13: 5). Em muitas ocasiões públicas o padre Secchi expressou essa sua visão. E tais foram as suas palavras: "Quantas outras maravilhas não devem existir na imensidão daquele espaço, que não podemos sondar? Quem teria pensado, há dez anos, as maravilhas que poderia revelar o espectroscópio? Cada novo aperfeiçoamento da arte traz um novo para a ciência, e o astrônomo aproveitando da arte e da ciência, nos revela cada vez mais a grandeza de Deus, e nós leva a exclamar junto ao verdadeiro profeta: "Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria" (Sl 104). Ele conseguia mostrar que a verdadeira fé questiona-se profundamente sobre as razões de existência, do cosmos e de todo o ser. E encontra um aliado insubstituível em uma ciência que, movida pelo deslumbre, procura na criação aquelas leis e aqueles sinais que traçam sua ordem maravilhosa e sua íntima estrutura.
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Angelo Secchi no bicentenário do nascimento. O pai da astrofísica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU