02 Março 2017
"Astronomia não é estrelas ou planetas, mas a atividade de pessoas que olham essas estrelas e planetas. O que motiva o trabalho é a curiosidade humana, o desejo de nutrir a alma humana. O desejo humano de saber como nos encaixamos no universo e se há outros lugares ou mesmo outros seres iguais a nós é que estimula nossa imaginação e nos faz olhar o céu com paciência, noite após noite", explica o irmão jesuíta Guy Consolmagno, astrônomo do Observatório do Vaticano e presidente da Fundação do Observatório do Vaticano, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 23 e 24-02-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
"Vocês acreditam que exista vida em outros lugares do universo?". É uma pergunta que todo astrônomo ouve constantemente. E é a pergunta certa: a vida no universo é, até o momento, uma questão de fé. Não temos dados que indiquem que tal vida realmente exista. Mas a nossa convicção na sua existência é suficientemente forte para predispor-nos a fazer o esforço de procurá-la.
Com o anúncio, no último dia 22, da descoberta de sete planetas comparáveis à Terra orbitando a estrela Trappist-1, a nossa confiança nessas pesquisas tornou-se um pouco mais forte. Pelo menos três deles poderiam ter a temperatura correta para permitir água líquida e, portanto, a possibilidade de abrigar vida assim como nós a conhecemos. A constante busca por planetas em torno de estrelas menores relativamente frias na nossa vizinhança galáctica vale-se de dois telescópios robóticos chamados Trappist, acrônimo de Transiting Planets And Planetesimals Small Telescope. Trappist-Sul, a partir do qual foram feitas essas últimas observações, está localizado no deserto do Chile em um observatório em La Silla, coordenado pelo Observatório Europeu do Sul; o seu homólogo, Trappist-Norte, está localizado perto de Marrakech, no Marrocos. A estrela Trappist-1 leva o nome do telescópio que a tornou famosa.
Enquanto a maior parte da imprensa geral ficou entusiasmada com a possibilidade de existir vida nesses planetas, eu enxergo na descoberta um significado maior.
É importante lembrar que ninguém realmente viu esses planetas. Eles são muito pequenos e muito indistintos para serem visíveis a partir da atual geração de telescópios. Mas, mesmo sem podermos vê-los, acreditamos que existam a partir dos efeitos que eles têm sobre a sua estrela. O sistema planetário em questão é, de fato, alinhado de tal forma que quando cada planeta percorre a sua órbita passa entre o nosso ponto de observação e a estrela; portanto, a luz da estrela sofre minúsculas flutuações pela passagem do planeta. Esse tipo de efeito, ainda que sutil, também pode ser detectado com um pequeno telescópio. Os telescópios Trappist usam espelhos bem modestos de 0,6 metros de largura para capturar a luz tremeluzente das estrelas.
Uma vez que existem tantas outras coisas que poderiam causar flutuações da luz em uma estrela, é necessário continuar a observação para ver se o efeito repete-se de forma regular cada vez que o planeta completa sua órbita. Essa é uma das razões pelas quais a equipe decidiu focar suas pesquisas sobre as estrelas anãs vermelhas, onde se podem observar eventuais ofuscamentos. Um planeta poderia orbitar bastante próximo de uma estrela desse tipo para ser suficientemente aquecido para suportar a vida. Os planetas mais próximos orbitam numa velocidade maior; portanto, temos muito mais chances de vê-los ofuscar a luz da estrela, e cada vez que vemos essa flutuação de luz temos maior certeza de que o planeta (ou, nesse caso, os planetas) realmente existe. Além disso, com sete planetas são necessárias muitas observações para dividir o ritmo das flutuações de luz em sete períodos regulares. Essa descoberta, portanto, não aconteceu em um único momento de revelação, mas depois de anos de pacientes observações.
Para aumentar ainda mais a nossa convicção de que realmente sejam planetas, os cientistas procuraram outros efeitos que eles poderiam exercer sobre a estrela, tais como uma sutil alteração em suas cores espectrais. As leves cintilações de luz observadas com um pequeno telescópio levaram a um esforço internacional que envolveu alguns dos maiores e mais sofisticados instrumentos de que dispomos. Junto com o telescópio Trappist-Sul, os astrônomos usaram dados oriundos do telescópio espacial Spitzer da NASA (que atua na faixa da luz infravermelha, a mesma que essa estrela prevalentemente irradia) e o VLT (Very Large Telescope) do Observatório Europeu do Sul, em Paranal, no Chile, cujo espelho tem uma amplitude de mais de oito metros.
Nenhum astrônomo sozinho poderia ter feito todas as observações necessárias para confirmar o resultado. A ciência é feita por uma comunidade de pessoas que trabalham em conjunto para um objetivo comum. O Observatório Europeu do Sul é, por si só, um consórcio de astrônomos financiado por quinze países europeus, além do Brasil.
Astronomia não é estrelas ou planetas, mas a atividade de pessoas que olham essas estrelas e planetas. O que motiva o trabalho é a curiosidade humana, o desejo de nutrir a alma humana. O desejo humano de saber como nos encaixamos no universo e se há outros lugares ou mesmo outros seres iguais a nós é que estimula nossa imaginação e nos faz olhar o céu com paciência, noite após noite. Essa paixão alimenta a fé dos astrônomos, dando-lhes a esperança necessária de que as longas noites de observação trarão frutos.
Claro que, juntamente com a paixão e a fé, os cientistas são motivados também por outros apetites... e pelo senso de humor. Os astrônomos belgas que construíram os telescópios Trappist admitem ter escolhido o nome para homenagear a famosa cerveja fabricada pelos monges trapistas belgas.
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A descoberta de sete planetas semelhantes à Terra. A cerveja e o telescópio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU