15 Janeiro 2018
“Hoje, com Francisco, a igreja desfruta de uma liberdade inédita de expressão e não é necessário estar pensando o que diria o Papa para poder opinar. Agora, muitos católicos podem irresponsavelmente tratar Francisco como herege ou cismático, sem que chegue a eles um pedido de esclarecimento do Vaticano. Há poucos anos, recebíamos sanções graves por muito menos”, constata Víctor Manuel Fernández, arcebispo, reitor da Universidade Católica Argentina – UCA, em artigo publicado por La Nación, 14-01-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Para aqueles que tiveram formação superior deveria ser exigido que, quando escrever algo que possa afetar o outro, não se baseie em meras suposições. Por isso chama a atenção até que ponto as declarações jornalísticas sobre o Papa estão repletas de imaginação, enquanto tudo é interpretado como se Francisco estivesse pensando permanentemente em Macri. O ego argentino é grande. Isso foi exacerbado dias atrás, em uma chamativa enxurrada de notícias, todas dedicadas a atribuir certas intenções políticas a Francisco. Se você ler isso com a mesma imaginação, poderia deduzir que existe um plano organizado de desprestígio. Mas é mais apropriado pensar com a mente de maneira fria e se dar o direito ao benefício da dúvida.
Muitas vezes supõe-se que todos os que têm uma tarefa em instituições católicas estão executando ordens do Papa, cada vez que falam. No entanto, isto nem sequer ocorre com os cardeais do Vaticano, já que eles seguem pensando e falando o que querem, como se Francisco não fosse Papa.
Por acaso já não nos perguntamos diversas vezes porque ele não se desvencilhava do Cardeal Müller, que não escondia uma linha de pensamento muito diferente e inclusive o criticava? Vejamos o cardeal Sarah, que segue propondo novamente que as missas sejam celebradas de costas para o povo.
Portanto, não é possível sustentar que o que foi dito pela pastoral social de Córdoba, que poderia falar inclusive sem consultar o próprio bispo do lugar, seja algo advindo do Vaticano. Pela mesma razão, Grabois deveria ser respeitado, pois ele é um leigo adulto e inteligente, e pode ter seu próprio pensamento sobre questões políticas e sociais, sem supormos que ele repita o que o Papa lhe ordene. Como cidadão livre, ele pode opinar o que quiser sobre o presidente ou sobre a oposição.
Não é realista dizer que alguém, por ser conselheiro ou consultor de um escritório do Vaticano, como é o Justiça e Paz, esteja marcando ou representando o pensamento do Papa sobre temáticas sociais.
Muitos desses conselheiros nunca foram consultados e outros são consultados apenas sobre algum determinado tópico: tráfico de seres humanos, narcotráfico, e assim por diante. Além disso, alguns deles podem ser a favor da eutanásia ou do aborto em alguns casos, e essa não é a linha do Papa ou do Vaticano. Então, permitam que Grabois tenha o respeito do Papa, mas liberem-no do peso de o estar representando.
Isso se torna ainda mais complexo nas academias do Vaticano, onde uma pode opinar o contrário da outro. Isso aconteceu, por exemplo, em questões como a dos transgênicos, as células-tronco, e assim por diante. Sánchez Sorondo convoca para a sua academia quem ele quiser, sem pedir permissão ao Papa ou certificados de boa conduta. Ele lhes dá lugar em seu fórum de discussão porque, a partir de suas posições, podem contribuir com algum assunto limitado e, assim como convidou Macri, também convidou Gils Carbó. Mas, aqui na Argentina, dizem falsamente que "o Papa convocou Gils Carbó".
Hoje, com Francisco, a igreja desfruta de uma liberdade inédita de expressão e não é necessário estar pensando o que diria o Papa para poder opinar. Agora, muitos católicos podem irresponsavelmente tratar Francisco como herege ou cismático, sem que chegue a eles um pedido de esclarecimento do Vaticano. Há poucos anos, recebíamos sanções graves por muito menos.
De qualquer forma, qualquer opinião que defenda os direitos dos mais fracos poderá ter semelhanças com a mensagem de Francisco, que sempre fala das feridas dos mais frágeis. É improvável que ele se dedique a reclamar a favor das grandes empresas ou dos poderes concentrados, por mais racional que isso soe. Os poderosos já tem recursos suficientes para defender seus interesses e espalhar a sua visão da realidade. Os fracos deste mundo já ouviram muitas vezes que é preciso continuar esperando.
É na sociedade civil onde tem crescido a intolerância e novas formas de censura. Por isso, muitos optam por não opinar acerca de questões sociais graves, porque opinar é ver-se exposto a uma enxurrada de desqualificações e suspeitas.
Isso não faz bem para o nosso querido país. Só empobrecerá cada vez mais o já limitado debate público, e não haverá progresso econômico que supra a decadência cultural e social.
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As más interpretações da mensagem do Papa. Artigo de Víctor Manuel Fernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU