24 Abril 2017
“Certamente, eu cresci dentro do mundo cristão, e Jesus é um ponto imprescindível de referência, e eu dirijo muitas vezes os olhos para ele. Mas não os mantenho tão fixos a ponto de torná-lo exclusivo, no sentido de só ver a ele.”
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado por Trentino, 23-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há uma passagem do Novo Testamento que convida a “manter os olhos fixos em Jesus. Aquele – continua o texto – que dá origem à fé e a leva a cumprimento” (Hebreus 12, 2). Manter os olhos fixos em Jesus: muitas vezes, eu me perguntei, nesses anos, se eu mantenho os olhos fixos em Jesus, e a resposta é sim e não.
Certamente, eu cresci dentro do mundo cristão, e Jesus é um ponto imprescindível de referência, e eu dirijo muitas vezes os olhos para ele. Mas não os mantenho tão fixos a ponto de torná-lo exclusivo, no sentido de só ver a ele. Se o sentido da expressão “manter os olhos fixos em Jesus” significa manter os olhos somente em Jesus, isto é, se significa manter um olhar tão fixado a ponto de se tornar prefixado, então eu digo não: eu não mantenho os olhos fixos em Jesus, eu não pertenço a essa modalidade de entender o cristianismo.
Eu considero que o ser cristão não impede a possibilidade de dirigir o olhar também para outros mestres e para outras doutrinas. Entendo muito bem que estou caminhando por um caminho que, para alguns, não é viável, porque sente cheiro de sincretismo. Mas não posso fazer nada, não posso e não quero trair a mim mesmo, e é perigoso agir contra a própria consciência, como já sabiam os primeiros cristãos que, por isso, não hesitavam em correr o risco da morte.
Para mim, o Buda também é digno de ser fixado pelo meu olhar e, assim, tornar-se fonte de ensinamento: quando eu penso, por exemplo, particularmente no Mettasutta ou no Discurso sobre a Gentileza Amorosa, eu sinto que esse texto é extremamente importante para mim e para o meu caminho espiritual.
O mesmo vale para alguns Upanishads e para a Bhagavad Gita, para a religiosidade sapiencial da antiga China, tanto o confucionismo quanto o taoísmo, especialmente o Tao Te Ching.
O mesmo vale para a sabedoria grega e latina, porque não posso abrir mão de Empédocles, Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino; não posso deixar de ler e reler com veneração os Pensamentos de Marco Aurélio.
Eu não entendo o meu ser cristão de modo exclusivista, isto é, de um modo que me priva da participação real em outras vias espirituais, sejam elas religiões ou filosofias.
Também não entendo de modo inclusivista, no sentido de considerar que o que há de bom nas espiritualidades não cristãs mencionadas acima é, na realidade, implicitamente, cristão e se trata apenas de descobrir isso e de fazer com que elas o descubram.
Não: nem a intolerância exclusivista, nem a vontade de apropriação inclusivista fazem parte da minha espiritualidade. O meu ser cristão é um veículo que me faz viajar, não um edifício para trancar a minha mente por já ter chegado em casa.
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As religiões e o olhar fixo. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU